sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Capítulo 3 - Lembranças do Passado (Cont.)

Eu não recordei exatamente daqueles rapazes em si, mas de fato lembrei que aquelas vestimentas que ambos usavam eram típicas dos servos de Heliópolis, por isso eu deduzi que eles pertenciam ao meu antigo reino. A minha dúvida era a ligação entre aquele vilarejo e Heliópolis, mas como já estava tarde e eu, tal como Luíz, estava cansado por causa da festa de casamento, resolvi esperar até o outro dia para tentar compreender melhor este fato, quando os meus pensamentos estariam mais claros.
Porém, no outro dia a minha outra preocupação prevaleceu: eu disse a Bernardo que faltaria ao trabalho somente mais aquele dia e retornaria no dia seguinte às minhas funções no pasto. Assim, enquanto ele estava fora, eu pedi que Luíz finalmente me contasse a história de Bernardo com Estevão. Então, como ele havia me prometido no dia anterior, ele contou:

- Felipe, vou tentar ser o mais claro e sucinto possível! Há cerca de um ano atrás o Bernardo estava namorando com um rapaz chamado Estevão, que foi o primeiro e único amor da vida do meu irmão, antes de você é claro. Porém, certa vez, quando estava no centro da cidade passeando com o Henrique, eu ouvi alguns rumores que não julguei de fato verdadeiros, embora os tenha contado a Bernardo por precaução. Estes rumores referiam que Estevão estaria se encontrando com uma mulher da cidade, todas as tardes, no mesmo horário. Dessa forma, foi relativamente fácil para ele averiguar o fato, que infelizmente se revelou verdade.
- Então o Bernardo foi traído por esse tal sujeito?
- Infelizmente sim! Mas o mais preocupante foi o estado em que meu irmão ficou depois de descobrir este fato: primeiro ele teve um acesso de raiva muito intenso e agrediu o Estevão, o que o levou a ser preso, porém, graças a Deus ele foi solto alguns dias depois sob pena de prestar serviços não-remunerado para a cidade. Depois disso, ele entrou em um estado de profunda tristeza, a tal ponto que quase não falou nada durante alguns meses, embora tenha continuado trabalhando normalmente.
- Nossa, eu não fazia ideia! Eu não imagino o Bernardo agredindo ninguém!
- Mas isso realmente não é algo que o meu irmão fazia ou faria novamente! Foi algo totalmente isolado e incomum, por isso que ele foi solto alguns dias depois! As pessoas da cidade o conhecem há muito tempo e sabem que isso não é típico dele!
- Claro! Na verdade o que eu sempre admirei no Bernardo é o fato de ele ter porte físico para se sair mais do que bem em uma luta, mas ainda assim sempre mostrar o seu lado mais gentil em tudo o que ele faz! Mas e esse tal Estevão? Ainda vive aqui?
- Não, porque além de ter irritado o Bernardo, esse sujeito também enfureceu o marido da mulher com quem ele estava tendo um caso. Então, segundo comentários que eu ouvi sobre o assunto, ele teve que fugir mais do que depressa da cidade levando em sua companhia a tal mulher, pois o marido dela jurou que se encontrasse os dois, mataria a ambos e a si mesmo!
- Nossa! e nunca mais se ouviu falar dele?
- Não que eu saiba!
- Muito obrigado Luíz! eu estava aflito pra saber qual o papel desse sujeito na vida de Bernardo e pelo que vejo não foi nada positivo.
- Nem um pouco Felipe! Na verdade ele fez muito bem ao Bernardo logo no início, pois o meu irmão sempre foi muito fechado desde quando ele era um garoto e nós conseguíamos ver a felicidade no rosto dele enquanto eles estavam juntos. Isso durou quatro anos Felipe e, no geral, durante todo esse tempo fez muito bem a ele, que passou a ser mais aberto e espontâneo, embora no final ele tenha deixado, simbolicamente, uma ferida que ainda está cicatrizando no coração do meu irmão.
- E nesse período depois do término ele não se envolveu com mais ninguém?
- Não! e não foi por falta de pretendentes, porque o meu irmão sempre foi cobiçado tanto pelos rapazes como pelas moças desta cidade! Mas lá no fundo ele não queria, não precisava e não estava preparado pra se relacionar com mais ninguém! Bem...no dia em que você apareceu algo mudou e nós percebemos isso de pronto quando ele entrou por aquela porta naquele dia. Por isso eu fui tão direto em te sensibilizar para a possibilidade dele gostar de você!
- E eu te agradeço imensamente por isso! Bem, acho que eu já tomei muito do teu tempo, afinal hoje é o teu primeiro dia de casado, certo? Muito obrigado novamente por dispor do teu tempo pra me contar essa história!
- Não se preocupe com isso! Pode sempre contar comigo Felipe!

O Luíz se tornou meu melhor amigo e confidente naquela casa, em muitos aspectos até mais que Bernardo, pois eu sempre recorria a ele em momentos de insegurança ou dúvida e ele sempre se fazia disponível pra acolher as minhas demandas.
Quando Bernardo chegou em casa, nós jantamos todos juntos, como de costume, porém, depois disso Luíz pediu que ele conversasse a sós com o irmão, então eu me dirigi para o meu quarto e fiquei esperando por Bernardo. Após algum tempo, eu percebi uma elevação no tom das vozes então saí para averiguar e, quando me dirigia para a sala, esbarrei com Bernardo no corredor, que estava bastante alterado.

- Bernardo...o que aconteceu?
- Acho melhor nos irmos para o quarto!!

Eu nunca tinha visto Bernardo daquele jeito, então, quando chegamos no quarto, eu prontamente o questionei novamente sobre o motivo da exaltação.

- O que está acontecendo Bernardo? Era você quem estava gritando?
- Felipe...o Luíz veio conversar comigo há pouco e me disse que lhe contou sobre o Estevão...
- Sim, é verdade! Mas eu o pedi que me contasse, ele não fez isso por maldade!
- ELE...ele não tinha o direito de te contar algo que eu não queria que você soubesse sobre a minha vida! e você não deveria ter ido pedir a ele que lhe contasse se sabia que eu não queria lhe contar a respeito!
- Mas eu só queria...
- Felipe, eu te amo muito, mas eu estou imensamente desapontado e entristecido. Eu me excedi ainda há pouco com o Luíz e pedirei desculpa a ele amanhã, mas não quero fazer o mesmo com você, então eu peço que compreenda que eu prefiro dormir no meu antigo quarto essa noite.

Ao ver Bernardo deixar o nosso quarto naquela noite eu fiquei muito triste, tanto que chorei antes de dormir. As minha intenções eram as melhores quando eu incentivei o Luíz a me contar aquela história e nunca imaginei que isso deixaria Bernardo tão furioso.
No outro dia, durante o café da manhã, ele de fato pediu desculpa a Luíz, assim como a todos da família, pelo modo como havia se excedido. Porém, eu senti que ele ainda não havia me perdoado por ter agido pelas suas costas e isso me deixou visivelmente mais introspectivo.
Quando partirmos em direção ao pasto, como eu tinha me comprometido no dia anterior, eu não consegui começar nenhuma conversa com ele, não por raiva ou mágoa, mas por medo de que ela ainda estivesse triste comigo. Para minha surpresa, quando estávamos no meio do caminho, ele fez sinal para que parássemos, então, em um só movimento, ele caminhou até mim, me segurou em seus braços e me beijou. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele disse:

- Desculpa...desculpa...eu não sei o que aconteceu comigo ontem! Você é tão especial pra mim e eu te tratei muito mal! Mas é que eu passei tanto tempo triste pelo que aconteceu com o Estevão que eu desenvolvi um sentimento negativo em relação a esse fato, além disso, a possibilidade de você me ver como alguém fraco que foi traído e agiu de uma maneira tão vergonhosa me deixou com tanto medo que eu fiquei confuso e acabei maltratando as pessoas que eu gosto. Eu só precisava ficar sozinho pra me acalmar e me reorganizar emocionalmente! Você me perdoa?
- Mas é claro! Na verdade sou eu quem precisa pedir desculpas, pois só estava tentando entender um pouco mais sobre você e não me preocupei em pensar se isso te deixaria triste, tal como deixou. Além disso, eu realmente fiz tudo isso pelas suas costas e reconheço agora que uma relação deve ser aberta, então me desculpe por isso e eu prometo que não vai se repetir!
- Graças e a Deus que eu não te machuquei a ponto de te perder. Felipe, você foi realmente a minha salvação! Eu preciso te contar essa história do meu ponto de vista, pois tem detalhes que o Luíz desconhece.
- Se você não se importar em chegar mais tarde ao pasto eu não adoraria ouvir.
- Não se preocupe com isso, vai ficar tudo sob controle até a nossa chegada.
- Então me conte a sua história com o Estevão.
- Bem, como o Luíz deve ter te contado eu estava muito apaixonado por este rapaz de nome Estevão e, inclusive, eu planejava me casar com ele. Nós namoramos por cerca de quatro anos e, há cerca de um ano atrás, eu o pedi em casamento, porém, exatamente dois dias após o pedido o meu irmão me contou alguns boatos que circulavam pela cidade, os quais você já sabe. A parte mais triste e vergonhosa disso é que naquele dia eu agi de um modo que eu nunca imaginara ser capaz e que quase me custou a vida, pois, se naquele acesso de raiva eu tivesse matada algum dos dois traidores, eu teria sido sentenciado ao enforcamento, já que este vilarejo é muito severo com homicidas.
- Eu não saiba desses detalhes! Mas ainda bem que você não fez isso e que este vilarejo conhece a sua índole.
- Realmente! Mas isso apenas salvou a minha vida de ser exterminada pelas mãos da sociedade e não da dor e do remorso que me assolaram durante todo o tempo que se seguiu após esse acontecimento. As lembranças dos momentos bons que eu vivi com ele em contraste com o patife que eu flagrei tendo relações sexuais com aquela mulher me levaram a um estado de profunda apatia, pois eu não conseguia ter vontade de comer ou dormir, simplesmente e mecanicamente saia para trabalhar e fazer as minhas tarefas, mas somente porque isso me fazia sentir algo: cansaço e dor pelo esforço físico. A vergonha por ter agido de forma tão descontrolada também me fez ficar nesse estado.

Nesse momento, eu vi algo que ainda não tinha presenciado em relação a Bernardo, ele estava chorando e se jogou no meu colo. Eu prontamente o acolhi e não disse nada até que ele estivesse pronto para falar novamente, apenas o mantive envolto pelos meus braços e passei a beijar o topo da sua cabeça. Após alguns segundos ele se recompôs e continuou:

- O que ninguém, além de você agora, sabe é que algumas semanas antes de você aparecer eu comecei a planejar o meu suicídio e eu o executaria justamente naquele dia em que eu te encontrei perdido na Floresta do Leste. O fato de ver alguém ali perdido me mobilizou de tal maneira, que momentaneamente esqueci o meu propósito e voltei a minha atenção para a possibilidade de poder te ajudar a sair dali, pois aquele lugar pode ser muito perigoso. Por isso eu sempre digo que você me salvou, pois desde aquele dia algo mudou no meu coração e eu comecei a sentir algo além de tristeza e raiva. Hoje eu sinto uma paixão muito mais intensa do que a que eu um dia senti pelo Estevão e, com certeza, eu não quero que a minha vida chegue a fim, pois eu quero estar com você.
- Bernardo...meu deus! eu...eu...eu nem sei o que pensar...

Eu estava extremamente agitado, pois somente a ideia de pensar que o Bernardo poderia tirar a própria vida me deixava aterrorizado, porém, concomitantemente, ele havia feito uma declaração de amor tão linda que eu queria beijá-lo. E foi o que eu fiz! Eu o puxei em direção ao meu peito, o abracei tão forte quanto os meus frágeis braços conseguiram e, em seguida, o beijei como se a qualquer momento o mundo fosse acabar. Depois eu, ainda o segurando em meus braços, disse:

- Nunca mais pense em uma besteira dessa! O que seria da sua família sem você aqui? o que seria desse lugar, na verdade? você é o coração de tudo aqui! você é tão querido! e o que seria de mim sem nunca ter te conhecido? Graças a Deus que eu me perdi ali!

Nós rimos depois que eu pronunciei a última frase, pois eu estava tão nervoso que já não estava prestando atenção ao que eu estava dizendo.

- O que seria da MINHA vida se eu não tivesse te encontrado? Essa é a verdadeira pergunta! Eu precisava te contar isso, porque eu quero que tenhas a consciência da importância que você tem pra mim, mas hoje em dia eu jamais pensaria nisso novamente!
- Onde você iria executar o seu plano?
- Mais adiante em relação ao ponto em que eu te encontrei na floresta há um lago muito profundo, sendo que eu não sei nadar. Então eu simplesmente andaria até lá e deixaria me corpo ser tragado pela água! Eu conheço a área, pois sempre costumava caçar lá quando mais jovem.
- Bem, graças a Deus tudo teve um final diferente do que você tinha planejado!
- Sim, pois hoje não há felicidade maior do que a que eu sinto ao teu lado! Às vezes eu penso que eu tive que passar por tudo isso, simplesmente porque seu eu não passasse talvez eu estivesse trabalhando no pasto enquanto você definhava na floresta.
- Então, me desculpe, mas que bom que você passou por isso!

Nós rimos novamente e permanecemos conversando durante alguns breves minutos antes de voltarmos à nossa jornada para o pasto. Bernardo apenas me pediu que não contasse a última parte da história à sua família, já que eles nunca chegaram a ter conhecimento dos seus planos suicidas e isso apenas traria problemas se fosse revelado. É claro que eu me comprometi a não contar. Então, seguimos em direção ao pasto, com os laços renovados e fortalecidos por mais uma lembrança do passado, porém, desta vez, não era do meu.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Capítulo 4 - O Início de uma Guerra (Cont.)

Durante uma semana, Daniel não foi à universidade e quase não se comunicou com Enzo ou qualquer outra pessoa. Este, por sua vez, continuou frequentando a universidade imediatamente no dia seguinte ao ocorrido, enfrentando olhares atravessados, expressões faciais de reprovação e cochichos. Em um certo dia ele encontrou Frida sozinha em um dos corredores da universidade, então resolveu falar com ela.

- E ai "amiga"?! - disse em tom irônico.
- E ai traidor! Como é que está o meu ex-namorado? Por que ele não está aqui com você?
- Garota, tens consciência do quanto aquilo que fizestes abalou o Daniel? - disse Enzo em um tom de revolta.
- Tomara que o tenha abalado bastante! Ele merece isso, por ser burro o suficiente para me trair e me trocar por alguém tão baixo quanto você!
- Cala a boca! O Daniel é integro demais para trair alguém, eu já te expliquei que a história não foi assim! Além disso...
- Poupe suas palavras Enzo... - disse Frida o interrompendo - eu não estou nem minimamente interessada em ouvir o que tens a dizer...e como eu disse, isso é apenas o começo! É bom que o seu "namorado" volte logo pra cá, porque, se não, vais sofrer sozinho! - depois de dizer isso, ela riu e foi embora.

Depois de esperar uma semana para que Daniel voltasse por conta própria à UFTU, Enzo resolveu ir até a casa dele. Chegando lá, ele encontrou os pais do rapaz e ficou em dúvida se ele havia contado algo a eles, porém, como foi recebido com cordialidade e eles indicaram que fosse procurar Daniel em seu quarto, acabou concluindo que nada tinha sido revelado. Quando chegou ao quarto, ele encontrou o rapaz deitado, o qual pareceu bastante surpreso com a presença dele ali.

- Amor?! o que você está fazendo aqui?
- Eu vim ver como você estava! Quase não me ligas e não apareces na UFTU há uma semana, como eu ia saber se você não estava morto?!
- Eu estava com saudade da sua dramaticidade - disse Daniel rindo - mas eu precisava de um tempo longe de você!
- Por que? - disse Enzo confuso - eu te faço tão mal assim?
- Não, mas ser exposto daquela forma por sua causa não é tão fácil e...
- Por minha causa?! - Enzo o interrompeu em tom de revolta - por minha causa?!...você quer dizer que o que aconteceu é culpa minha?
- Não...mas... - Daniel tentou se explicar, mas foi, novamente interrompido por Enzo.
- Enquanto você ficou aqui no conforto do seu lar, eu estava lá enfrentando tudo sozinho - Enzo estava irredutível - sendo que, quando você me pediu pra começarmos a nossa história, eu pensei que ficarias do meu lado...
- Tudo bem! me desculpe se eu não sou bom o suficiente pra você então! - respondeu Daniel - agora pode ir embora, por favor? Eu já estou triste o suficiente, eu não preciso de você pra isso.
- Amor...não...
- Enzo!...vai embora, por favor! - disse Daniel com firmeza.

Quando saiu da casa de Daniel, Enzo sentia um misto de raiva pela forma como Daniel havia falado com ele, arrependimento em ter dito as coisas de forma tão dura no calor do momento e decepção, porque pensava ter ido resolver a situação e somente a tinha deixado mais complicada.
Ao chegar em casa, Enzo teve uma surpresa. Guilherme, o seu ex-namorado, estava sentado no sofá da sua sala o esperando.

- Oi filho, olha só que veio te visitar - disse Maria.
- Oi mãe, estou vendo... - disse ele ainda surpreendido pela situação - Oi Gui...o que estás fazendo aqui?!
- Eu vim visitar os meus pais, que estão passando por alguns problemas pessoais, e resolvi fazer uma visita, afinal faz muito tempo que a gente não se vê, certo? - disse o rapaz e em seguida deu um abraço em Enzo.
- É verdade - Disse Enzo enquanto retribuía o abraço.
- Bem, eu vou subir para o meu quarto e deixar vocês dois colocarem a conversa em dia! Boa noite Guilherme! Boa noite filho!
- Boa noite mãe!
- Boa noite dona Maria! Durma bem, e obrigado pela companhia - disse Guilherme.
- De nada meu filho - respondeu Maria.
- Agora me conta, por que estás com essa cara? - disse Guilherme - e não adianta negar, que eu te conheço.
- Não sei se eu quero falar sobre isso Gui...
- O que é? é algum rapaz?
- Você é sempre certeiro né? - disse Enzo rindo - é um rapaz sim, a gente acabou de ter uma discussão e estamos passando por uma situação difícil.
- E o que você está esperando para me contar?! - disse Guilherme.

Enzo contou toda a história dele com Daniel, desde o dia fatídico na cozinha da casa de Frida até a discussão que os dois tinham tido naquela noite.

- Nossa, que história! e você é perigoso mesmo né? - falou Guilherme em tom de brincadeira.
- Deixa de ser palhaço, isso é sério! - Falou Enzo em meio aos risos.
- Calma Enzo, tudo vai dar certo! eu tenho certeza! Tens apenas que esperar as coisas se resolverem e, qualquer coisa, eu estou disponível!
- E quem disse que eu vou te querer - Enzo riu e depois continuou - agora, falando sério, vais querer me enganar que não te envolvestes com alguém lá em São Paulo?!
- Não mentirei dizendo que não me envolvi com algumas pessoas por uma ou duas noites! Mas não encontrei alguém para ocupar o teu lugar como meu namorado.
- Porque eu sou insubstituível - agora era Enzo que falava em tom de brincadeira - nunca se esqueça disso!
- Claro, você é mesmo! - respondeu Guilherme rindo.
- Muito obrigado por me ouvir Gui! meu humor está bem melhor...mas agora me conta as suas histórias, o que aconteceu depois que saístes daqui?

Os dois passaram um bom tempo conversando sobre as histórias ocorridas desde que seguiram caminhos diferentes há alguns anos. Quando estava ficando tarde, Guilherme foi embora e Enzo foi dormir, sentindo-se mais leve, porém sem deixar de pensar no que havia ocorrido mais cedo na casa de Daniel.
Quando acordou, ele teve outra surpresa: Daniel estava sentado na beira da sua cama, segurando um pedaço de bolo de chocolate e, antes que ele pudesse ter qualquer tipo de reação, o rapaz começou a falar:

- Você me desculpa por não ter cumprido a minha promessa, ter sido um covarde, ter te tratado mal e por ter te dito besteiras ontem? - disse ele, enquanto estendia o pedaço de bolo a Enzo - eu te trouxe isso como um sinal do meu arrependimento.
- Trazer o pedaço de bolo foi um golpe de mestre - respondeu Enzo tirando pedaço de bolo da mão de Daniel e o puxando para si.
- Eu te amo! me desculpa, por favor! - Daniel falava entre um beijo e outro - eu sei que você merece alguém melhor, mas eu vou ser egoísta e te pedir para ficar comigo mesmo assim, e...
- Daniel, cala a boca e me beija - respondeu o rapaz, enquanto beijava Daniel intensamente. Depois de alguns beijos, ele recomeçou a falar - eu já te disse mil vezes que você é perfeito pra mim, és ótimo e eu te amo muito! Não vou negar que eu fiquei chateado, mas eu também te disse algumas besteiras, então me desculpe por isso! Eu devia tentar compreender que isso tudo é novo pra você e eu estava te pressionando de uma maneira que você talvez ainda não esteja preparado.
- Enzo, eu te amo tanto! Não há nada para o que eu não esteja preparado se eu tiver você do meu lado, e eu fui um burro ao não me dar conta disso!

Depois de conversarem durante alguns minutos e se reconciliarem, Enzo percebeu que estava atrasado para a aula.

- Meu deus! eu vou chegar atrasado à aula hoje! - disse o rapaz enquanto se levantava sobressaltado.
- Calma amor, a gente chega rapidinho de carro lá.
- Você vai comigo? - perguntou Enzo em tom intermediário de surpresa e felicidade.
- Claro amor! ontem eu percebi que você é tudo o que eu preciso para enfrentar isso! eu estava tentando criar coragem para enfrentar isso e te mostrar o quanto eu posso ser forte, mas o que eu não tinha percebido é que você é quem me dá força! Você me inspira a ser cada dia melhor!
- Nossa amor...que lindo isso! - Enzo deu um demorado beijo em Daniel e depois correu para o banheiro enquanto gritava - eu vou tomar um banho rápido, você pode me esperar aí mesmo!
- Mas e o seu bolo? - gritou Daniel.
- Eu já vou comer! Nem se preocupe, que bolo eu não dispenso!

Quando Enzo terminou de tomar banho, se vestir e tomar café, incluindo o pedaço de bolo que Daniel trouxera, os dois rumaram para a UFTU. Enzo não fazia ideia de que o rapaz tinha mais uma surpresa, até que, quando passaram do ponto em que sempre paravam o carro, ele desconfiou que algo estava diferente.

- Amor, você não vai parar o carro? - disse Enzo curioso.
- Hoje não amor! Não é preciso! - respondeu Daniel confiante.
- Como assim?
- Você já vai ver!

Ao chegarem à UFTU, os dois saíram do carro e caminharam alguns metros, sendo que Enzo ainda estava confuso sobre os planos de Daniel. De repente, Daniel segurou a mão de Enzo, para surpresa do rapaz, e continuou caminhando. Quando chegou a um pátio central do campus, Daniel fez algo que nem mesmo Enzo esperava: deu um beijo intenso, demorado e apaixonado no namorado.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Capítulo 3 - Lembranças do Passado (Cont.)

Depois desse dia perfeito, eu comecei a me sentir cada vez mais a vontade naquela casa e realmente me sentia parte daquela família. Com o passar dos dias eu e Bernardo começamos a circular pela cidade como um verdadeiro casal, primeiramente, porque nós estávamos nos apaixonando cada dia mais e, segundo, porque não havia nada naquele bendito vilarejo que me fizesse temer a reação das pessoas a esse fato. Além disso, ele passou a dormir quase todas as noites comigo em meu quarto, sendo que, com inegável esforço da minha parte, não houve nenhum tipo de relação sexual nesse período. Depois de dois meses, quando o pai de Bernardo percebeu esse fato, ele propôs que nós convivêssemos no mesmo quarto.
Em suma, tudo estava indo perfeitamente bem para mim naquele pequeno vilarejo, porém, como a vida é semelhante ao mar, que da calmaria pode passar à agitação com ondas violentas, algo mudou alguns meses depois: enquanto eu e Bernardo andávamos na principal rua do vilarejo, avistamos dois homens trajando vestes pomposas, as quais eu tive a impressão de já ter visto, recolhendo pequenos sacos de algumas pessoas, nos quais eu desconfiei haver dinheiro.
A princípio pensei que a minha impressão sobre aquelas pessoas pudesse ter sido apenas uma confusão, porém, mais a frente, eu perceberia a importância de se valorizar aquilo que foge aos olhos mas sensibiliza os outros sentidos, ou seja, algo pressentido inconscientemente. Neste dia nós seguimos o nosso caminho em direção à casa de Arthur, o senhor para quem Bernardo vendia lã e que tinha feito as minhas primeiras roupas.

- Bom dia Bernardo...Felipe! Como estão os rapazes?
- Estamos muito bem Arthur! Aqui está a encomenda de lã, como de costume.
- Ah sim! Espere um instante que eu vou buscar o dinheiro!
- Não precisa Arthur, na verdade nós queremos encomendar várias roupas em troca disso! Podes tirar as medidas para as minhas e do Felipe agora e depois o resto da família vem para que possas tirar as deles também.
- Claro Bernardo, farei isso com muito gosto! Então vocês dois podem entrar!

As roupas que nós formos encomendar eram para o noivado de Luíz e Henrique, que seria oficializado dentro de três meses. Toda a cidade fora convidada para o evento, que aconteceria no salão de festas da igreja.

- Então quer dizer que o Luíz vai casar?! mas ele não é muito novo pra isso? ainda tem tanta vida pela frente!
- Bem Arthur, os dois estão namorando há dois anos e a relação vem amadurecendo ao longo desse tempo, então eles decidiram levar isso a um nível mais sério de comprometimento.
- Sob essa perspectiva, você tem razão Bernardo! Mas e vocês dois, também estão pensando em casar?
- Por enquanto não! certo Felipe?!
- Realmente ainda não estamos pensando nisso, mas quem sabe daqui a alguns anos também!
- Desde a primeira vez que vocês vieram aqui eu sabia que algo ia acontecer entre os dois!
- Desde que vi ele pela primeira vez, eu também sabia que algo DEVERIA acontecer entre a gente!
- Que bom que aconteceu né?!
- Fico feliz por você dois, principalmente depois do Estevão...
- Não vamos falar disso Arthur! Por favor...
- Tudo bem...o que eu queria dizer é que, às vezes a gente encontra alguém especial só depois de passar por uma situação difícil...olha o meu caso, eu encontrei o Rodolfo depois de ter passado por momentos muito turbulentos!
- Que bom que vocês se encontraram então! Espero que esse seja o nosso caso, né Bernado?
- Com certeza!

Depois de ter encomendado as roupas para o noivado de Luíz nós caminhamos até a praça da cidade e permanecemos lá durante um bom tempo. Posteriormente, voltamos para casa e dormimos juntos. Há algum tempo, todas as vezes que dormimos juntos, as carícias e os beijos vinham se tornando cada vez mais intensos, mas Bernardo continuava firme em suas convicções e eu realmente não me importava de não poder ter esse tipo de prazer com ele ainda, pois a simples presença dele me fazia sentir pleno.
No outro dia, enquanto tomávamos café, alguém bateu à porta e Manoel foi atender. Quando voltou mencionou a presença de dois homens cobrando impostos e, enquanto ia buscar o dinheiro disse:

- Eu me esqueci que nessa época do ano eles vêm coletar os impostos!

Quando voltou e entregou o dinheiro aos homens, estes solicitaram averiguar quantas pessoas moravam na casa, então todos nos dirigimos à sala para a verificação.

- Na última verificação constava que apenas seis pessoas viviam nesta casa, porém aqui estão sete pessoas. Quem se juntou à família?
- Este rapaz é namorado do meu filho e está morando conosco atualmente!
- Como se chama e de onde veio rapaz?
- Meu nome é....
- Não há necessidade dessas formalidades agora...em breve iremos à sede do reino para registrá-lo como morador desta cidade.
- Bem...nesse caso vocês tem até o próximo ano para efetuar o registro, caso contrário precisarão pagar uma multa por abrigar estrangeiros ilegalmente.
- Com certeza providenciaremos isso até o próximo ano.
- Muito bem...nesse caso nós iremos embora. Tenham um bom dia!

Mais uma vez, por obra do acaso, informações importantes relacionadas ao local de onde eu vim foram ocultadas. Porém, este mesmo acaso viria, em breve, desvelar estas informações. Nesse momento a calmaria sofreu uma leve agitação, pois eu não conseguia tirar a impressão de familiaridade que aqueles rapazes me traziam, embora eu tenha ignorado este sentimento anteriormente.
Porém, momentaneamente, a história da minha vida ainda caminhava, alheia a outros acontecimentos, para o noivado de Luíz, que estava radiante. Este me convidou para organizar junto com ele a festa, portanto eu pedi para ser dispensado do trabalho no pasto para que pudesse me dedicar aos preparativos. Como sempre, Manoel e Bernardo foram muito amáveis e compreensíveis quanto a isso.
Desse modo, durante os três meses seguintes eu auxiliei Luíz na tarefa de organização do noivado, providenciando enfeites, convites, comida, bebida, entre outros detalhes, incluindo a confirmação da presença dos convidados.
Quando o grande dia chegou, a cidade inteira estava na festa, que transcorreu como o esperado. Nesse sentido, é importante destacar que a felicidade coletiva direcionada para aquela união homoafetiva me emocionou muito, pois, apesar de viver há algum tempo naquela cidade de preceitos tão abertos, eu ainda me comovia com a aceitação daquelas pessoas.
Os noivos também quase não conseguiam conter a felicidade e, nesse clima de festivo e feliz, os dois deram um passo importante na caminhada da vida, o qual seria concretizado dali a um ano, quando, de fato, o casamento ocorreria.
Depois que a festa havia acabado e nós retornamos para casa, Luíz veio me agradecer pela contribuição a festa:

- Felipe, muito obrigado pela sua ajuda na organização da festa! Tudo saiu como eu esperava hoje e eu não poderia estar mais feliz! Eu gosto de ti desde que chegastes a esta casa e sempre te considerei um segundo irmão, porém nesse período me mostrastes que eu realmente posso contar contigo.
- Pode ter certeza que podes contar comigo Luíz! Sempre que precisares é só me chamar que eu estarei à disposição! Como eu sempre disse, me sinto acolhido por essa família e sempre te considerei um irmão também, mas além disso, tu tens um papel fundamental na minha relação com o Bernardo, que me faz tão feliz, pois se não tivesses me alertado sobre os sentimentos dele e me apoiado, talvez nós não estivéssemos juntos.
- Que bom que está assim feliz Felipe! e eu considero que o Bernardo também esteja da mesma forma! Sendo assim, eu espero que daqui a algum tempo sejam vocês dois a subir naquele altar e consagrarem um laço de amor eterno! O Bernardo merece isso depois de tudo o que ele passou com o Estevão!
- Luíz, quem é esse sujeito? o Arthur também mencionou ele há algum tempo, mas o bernardo não quis falar sobre o assunto.
- Olha Felipe, eu não sei se eu deveria te contar, já que o Bernardo não o fez, mas acho que também tens o direito de saber do passado dele, afinal ele sabe tanto do teu, certo?
- Pensando por esse lado...
- Bem, mas eu só posso te contar amanhã, tudo bem?! porque hoje eu estou muito cansado e preciso dormir imediatamente!
- É claro Luíz! podes me contar isso amanhã...agora vai dormir que eu imagino o quanto deves estar cansado! Boa noite!
- Boa noite!

Depois de ouvir aquele nome ser mencionado mais de uma vez, eu fiquei muito curioso sobre o papel do sujeito denominado Estevão na vida de Bernardo, e estava ansioso para que Luíz esclarecesse essa história para mim no outro dia.
Além disso, mesmo passado algum tempo, eu ainda não conseguia me esquecer da impressão que havia tido em relação àqueles homens que coletaram impostos há alguns meses atrás, até que, enquanto estava deitado na minha cama refletindo sobre isso, eu consegui lembrar de onde eu os conhecia, e apenas uma palavra me veio à cabeça: Heliópolis.