Capítulo 4 - Heliópolis: Minha Ascensão e Minha Queda

A viagem de volta pra casa foi tranquila, porém, a despeito da bela paisagem ao nosso redor - afinal, uma coisa era inegável, Heliópolis era um lindo reino, com planícies cobertas por uma vegetação que estava no auge da sua beleza na primavera -, eu ainda sentia um aperto no coração e uma sensação estranha no estômago, por estar voltando para encontrar com o meu pai. Bernardo cavalgava ao meu lado e, provavelmente notando a minha apreensão, indagou:

- Felipe...tudo bem com você? Quer parar um pouco e montar acampamento aqui?
- O que?! Ah...não...eu não quero prolongar esta viagem! Vamos continuar até que anoiteça, então acamparemos em alguma clareira, se não acharmos nenhuma hospedaria pela caminho!

Nós estávamos viajando há dois dias e eu realmente não tinha conseguido relaxar na primeira noite, pois tínhamos acampado em uma clareira na Floresta do Leste - eu não imaginava que aquela floresta era tão densa e extensa, então, além daquele lugar me lembrar do dia em que eu quase morrera ali, também me dava arrepios, pois eu não fazia ideia de onde estávamos e não conseguia enxergar praticamente nada além da clareira. Felizmente, agora nós tínhamos alcançado um campo aberto, no qual a vegetação era bem menos assustadora.
Quando o sol estava se pondo, nós avistamos no horizonte a forma de um pequeno povoado se erguendo e aquilo me tranquilizou, pois eu esperava encontrar um local com camas para passar a noite e poder relaxar.
Considerando-se que o povoado não era muito extenso, nós rapidamente encontramos uma hospedaria, onde nos instalamos. Os quartos eram organizados para duas pessoas, duas camas individuais ou uma grande de casal, então nós nos instalamos em três quartos com camas individuais, de modo que eu e Bernardo ficamos no primeiro quarto, os dois oficiais no segundo e Manoel ficou sozinho no terceiro.
Assim, que ficamos sozinho, eu abracei Bernardo com tamanha intensidade que o devo ter preocupado, pois ele, prontamente, perguntou:

- O que você tem Felipe?!
- Nada, só me abraça, por favor!
- Tudo bem, mas eu não estou entendendo!

Ele segurou meu queixo e viu que os meus olhos estavam úmidos das lágrimas, então disse:

- Você está com medo?

Era incrível como eu era simplesmente transparente para Bernardo, ele sempre sabia o que eu estava sentindo, mesmo quando eu não conseguia dizer qualquer coisa. Talvez ele me conhecesse até mais do que eu, pois eu não sabia a causa do meu choro, até que ele disse aquilo, então percebi que era exatamente isso! Eu estava petrificado de medo, por tantas coisas, que eu nem conseguiria elenca-las, mas principalmente, porque eu tinham um mau pressentimento sobre a nossa chegada no reino e porque eu temia que algo de ruim acontecesse a Bernardo e seu pai, por terem ido comigo até lá.
Porém, eu tentei conter as lágrimas e explicar algo a Bernardo, antes que ele achasse que o namorado era um fraco ou um descontrolado, Então disse:

- Desculpa Bernardo...sim, eu estou com medo e você é o único que me deixa a vontade pra dizer isso...eu não sei o que nos espera em Heliópolis e eu não quero que nada de mau aconteça a você ou ao seu pai!
- Calma Felipe, nada de mau vais nos acontecer!
- Como nós podemos ter certeza Bernardo! Meu pai simplesmente abomina o que eu sou e eu não sei se vou suportar se ele te fizer alguma coisa! Então eu não sei se é uma boa ideia você ir até lá comigo! Talvez você devesse voltar daqui com o seu pai e me deixar encará-lo sozinho!

Bernardo não falou nada e ficou momentaneamente me olhando, então eu achei que ele estava cogitando a ideia. Porém, depois de algum tempo ele somente sorriu e me disse:

- Eu aprecio a sua preocupação Felipe! Na verdade isso me faz ter ainda mais certeza de quão bom é o seu coração! Mas eu e meu pai viemos até aqui sabendo que poderíamos correr algum risco! Além disso, você é da nossa família Felipe, não seja bobo! Nós nunca o deixaríamos sozinho em um momento como esse! Portanto nós vamos até lá com você e ficaremos o tempo todo a seu lado!
- Mas...Bernardo...
- Tem mais uma coisa, o meu pai é a pessoa mais bem articulada, verbalmente, que eu já vi! Se Luminus tivesse um rei, este seria, com certeza o meu pai! As pessoas tendem a levar o que ele fala muito a sério, então ele é a pessoa ideal para conversar com o seu pai! Deixe-nos te ajudar Felipe!

Eu realmente não tinha argumento para o que Bernardo dissera, Manoel era, de fato, muito bom com as palavras e eu pude perceber que todo o vilarejo de Luminus o respeitava e o consultava para quaisquer questões para as quais tivessem duvidas. Então eu tive que concordar com Bernardo e apenas disse:

- Eu peço desculpas! Não é que eu não queira deixa-los ajudar, e só que eu não conseguiria suportar a ideia de que algo de mau os aconteça por minha causa! Eu os amo muito! Na verdade, no fundo, eu os quero muito comigo quando eu chegar lá, pois ambos me dão força...então que assim seja...saímos juntos nessa viagem e seguremos unidos!
- É assim que se fala! Você é uma pessoa sensata Felipe, isso me agrada muito em você! Além disso, eu também aprecio muito que você seja tão claro comigo e não se importe em me mostrar as suas angústias e/ou medos!
- Eu sinto que deveria parecer mais forte, mas eu simplesmente não consigo fingir para você! Eu me sinto tolo por chorar tão descontroladamente, mas, como eu disse, você é meu porto seguro, então eu sinto que posso mostrar o quão frágil eu posso ser! Apesar de não ser nem um pouco atraente!

Rir dessa última frase me fez esquecer um pouco as minhas angústias e eu finalmente me senti leve e despreocupado o suficiente pra lembrar que eu não tinha estado tão próximo de Bernardo havia quase dois dias, mas que eu poderia aproveitar a oportunidade de estar sozinho com ele naquele quarto. Então eu parei de rir, olhei-o diretamente nos olhos, me inclinei em sua direção, o beijei e disse:

- O que você acha de esquecermos isso e aproveitarmos que finalmente estamos sozinhos de novo?
- Achei que você nunca iria perguntar!

Nós nos abraçamos e nos jogamos em uma das camas, porém, quando estávamos a ponto de nos beijarmos novamente, ouvimos batidas na porta e alguém gritando:

- Príncipe!
- Sim...diga...
- Nós viemos buscar o senhor e o seu...er...acompanhante para jantar!
- Ah...claro...saímos em um minuto!

Eu soltei um suspiro de indignação por eles terem interrompido o meu momento romântico com Bernardo, porém, eu realmente estava morrendo de fome. Então beijei Bernado uma última vez e disse:

- Vamos lá! A gente vai ter que continuar isso depois!
- Você tem razão! Mas, você notou jeito que ele disse "acompanhante"?
- Notei! Mas é melhor nós fingirmos que não notamos nada, afinal eu não sei o quanto esses dois sabem e nem o que eles disseram ao meu pai!
- Certo!

Quando saímos do quarto, percebi que Manoel já fora "convocado" para jantar, então os dois homens nos guiaram até um aposento onde encontramos outras pessoas conversando e se servindo de porções de carne e outros complementos. Aquilo fez meu estômago roncar. Então seguimos os homens até uma mesa na qual não havia ninguém e que parecia bem melhor que as outras, porém percebi que algumas pessoas estavam nos olhando com feições de desprezo ou raiva.
A despeito dessa sensação, eu me concentrei na minha refeição, que continha porções generosas de comida. Quando terminei eu me sentia completamente cheio e quando olhei para Bernardo eu percebi que ele também se sentia satisfeito. Até ali tudo estava correndo bem, até que, novamente, eu senti aquele sensação de hostilidade no ar e quando virei para observar o resto das pessoas na sala eu vi um homem se levantando e bradando:

- Por que estas pessoas tem o direito de ficar com a melhor mesa?!

Antes que qualquer pessoa, até mesmo o dono do local, pudesse dizer qualquer coisa, os dois homens que me acompanhavam na viagem se levantaram e um deles respondeu à pergunta:

- Senhor, eu o aconselho a sentar ou teremos que prendê-lo por perturbar a ordem nesse ambiente!
- E quem é vocês pra me fazerem tal ameaça? Vocês sabem quem eu sou?!
- Sim,  nós sabemos Conde Rafael, porém o Rei Otávio VI não vai gostar de saber que o senhor estava perturbando a paz, desafiando oficiais de Heliópolis e brandando contra o seu filho, o Príncipe Felipe II!

O homem pareceu ponderar o que os oficiais haviam dito, porém, como que lembrando de um fato importante ele deu um sorriso sarcástico e disse:

- Por que eu não deveria bradar contra este rapaz? Afinal, não foi o próprio rei que exilou o....como posso dizer...filho "querido" dele por seu um homossexual!

As pessoas começaram a murmurar sobre o que o tal conde havia dito e o sujeito permaneceu ereto em posição de desafio como anteriormente. Porém, o oficial me lançou um olhar e então permaneceu firme em seu aviso ao Conde Rafael:

- Conde Rafael, temo ter que alertá-lo que se não se sentar e parar de perturbar a paz neste local...
- Tudo bem...tudo bem...eu me sento!

O sujeito, que tinha estatura baixa e estava realmente acima do peso, se sentou em sua cadeira, porém, não pude deixar de notar que ele ainda me fitava e tinha um sorriso sarcástico em sua face. Os oficiais permaneceram de pé, então, para finalizar a conversa, o outro ressaltou:

- Obrigado pela compreensão Conde Rafael, porém temo lhe dizer que o rei tomará conhecimento de suas ações e de suas palavras.

Depois disso, os oficiais sentaram e um deles se dirigiu a mim dizendo:

- Não se preocupe Príncipe! Conde Rafael estava nervoso, porque ele não estava na melhor mesa do lugar e ele odeia não estar em melhor posição que alguém! Mas ele é inofensivo, apenas ignore as suas ofensas!
- Tudo bem! Obrigado pelo que fizeram!
- Estávamos apenas fazendo o nosso trabalho! O senhor não está mais aparentemente exilado, portanto eu suponho que também é nosso dever assegurar a sua integridade, assim como a dos seus pais!
- Certo...Mesmo assim eu agradeço!

Depois da confusão, visto que todos já haviam jantado e estávamos cansados da viagem, nós nos dirigimos para nossos quartos. Quando cheguei ao meu quarto eu deitei em uma das camas e convidei Bernardo a deitar junto comigo, pois, apesar das camas não serem muito largas, eu queria muito dormir junto com ele naquela noite. Antes de dormirmos, eu disse:

- Acho que os oficiais sabem que você é meu namorado!
- Eu também acho! Inclusive eu acho que eles não se importam com isso!
- Eu também tive essa impressão! Apesar deles negarem, dizendo que era só o trabalho deles me defender, eu acho que eles realmente acharam injusto o modo como aquele conde se referiu a mim!
- Espero que sim! Pelo menos nós poderíamos supor que o povo de Heliópolis pode ser liberal com essa questão do homossexualismo!
- É Verdade! Espero que estejamos certos! Aí talvez eu possa dizer que te amo sem ser exilado de novo!
- Se me amar quer dizer que você será exilado, então nós seremos exilados juntos!
- Por mim tudo bem! Desde que você esteja lá! Eu não me importo de não viver em Heliópolis ou não ser o rei! Pra falar a verdade, eu gosto muito mais de Luminus e de ser só o pastor de ovelhas que tem um namorado lindo como você!
- Bondade sua! Você é que é lindo! Agora, vamos dormir, que amanhã ainda temos uma longa jornada!
- Você tem razão! Boa noite!
- Boa noite!

Finalmente eu iria dormir em uma cama desde que saímos de Luminus, e, melhor ainda, iria dormir ao lado do meu amado. No outro dia ainda teríamos uma longa jornada, como Bernardo dissera, mas por enquanto, eu só me importava em ter Bernardo ao meu lado e estava muito feliz com isso.
Depois de sair do pequeno povoado denominado Kai, fato que eu descobri no dia seguinte, nós seguimos viagem por mais três dias, sendo que, felizmente, encontramos outros povoados para passar as noites. Na tarde do terceiro dia de viagem desde Kai, nós avistamos o imponente castelo e o resto da cidade de Heliópolis que era protegida por uma imensa muralha. Apesar de ter nascido e crescido aqui eu estava impressionado, como se fosse a primeira vez que eu via o lugar. Bernardo e Manoel também parecia deslumbrados com a beleza da cidade.
Quando chegamos a um grande portão, os oficiais que nos acompanhavam solicitaram que ele fosse aberto e anunciaram que estavam voltando de uma missão de escolta do príncipe. Ao ouvirem isso, os outros oficiais pareciam surpresos e, quando adentramos a cidade, não pude deixar de notar que eles não paravam de me olhar e, provavelmente porque pensavam que eu não estava prestando atenção, cochichavam algumas coisas entre si, as quais eu não consegui distinguir, Eu os ignorei e continuei caminhando em direção ao castelo, que ficava na parte mais alta cidade, mas a cada passo eu senti uma sensação de aperto no abdômen crescia e o meu coração palpitava mais rápido: meu pai estava dentro daquele castelo, com a minha mãe doente.
Apesar do nervosismo eu continuei caminhando pelas ruas, tentando parecer o mais calmo possível, mas , como era de se esperar, Bernardo, que me enxergava além do que somente os olhos podem ver, se aproximou de mim e, com um sorriso muito terno no rosto, disse:

- Tudo vai dar certo!
- Eu sei...na verdade eu espero!

Nós continuamos caminhando em ascensão, até que chegamos à beira de uma cratera que, ao olhar mais atentamente, percebi ser um fosso circundando todo o castelo, o qual estava cheio de água, onde eu poderia jurar ter visto algo se movimentar. Mas não tive tempo de perceber mais coisas, visto que os oficiais nos convidaram a prosseguir sobre uma ponte de madeira que acabara de ser baixada.
O castelo de Heliópolis era, sem dúvida, muito grande. Percebi era constituído de blocos de pedra polida, o que lhe conferia ainda mais beleza sob a luz do sol, pois ele praticamente brilhava. A ponte sobre a qual havíamos atravessado o fosso já estava novamente suspensa e, junto com uma imensa muralha que também circundava o castelo e na qual haviam torres - certamente para arqueiros e outros oficiais se posicionarem durante um eventual ataque -, isolava a família real do resto da cidade, ou seja, somente entraria no local quem fora convidado. Bernardo também percebera essas coisa, de modo que comentou:

- Nossa Felipe! Este deve ser o local mais seguro que existe! Olha o tamanho dessa muralha....e aquele fosso lá fora!
- Realmente muito impressionantes!

Assenti à afirmação de Bernardo, mas além de impressionado eu também estava apreensivo, porque isso demonstrava o quanto Heliópolis era forte e, no caso de alguém contrariar o rei, o quão bem preparados eles estavam para uma batalha. Isso me afetou porque eu nunca fui a pessoa mais adepta aos preceitos do meu pai.
Alheio a estes pensamentos, Bernardo continuava caminhando com olhos atentos a tudo no pátio do castelo, o que me fez acalmar um pouco, pois ver ele tão feliz deixava meu coração mais leve. Desse modo, nós também adentramos o castelo e ficamos esperando no salão real, enquanto dois servos foram avisar à meu pai, o qual estava no quarto com a minha mãe, de que havíamos chegado. A espera fez  reaparecer e aumentar o incômodo no abdômen, porém, isso foi amenizado quando algo bastante inesperado, pelo menos para mim, aconteceu: meu pai apareceu no salão, correu em minha direção com braços abertos e, antes que eu pudesse ter qualquer tipo de reação, ele me deu um forte, apertado e demorado abraço, ao final do qual ele disse:

- Meu filho! Que bom que você voltou!
- Ah...mas pai...eu suponho que não poderia ter voltado antes....
- Oh, está certo....aquilo...bem, conversaremos sobre isso mais tarde, agora você precisa ver a sua mãe imediatamente! Ela o aguarda ansiosamente e sentiu muito a sua falta durante estes meses em que você esteve fora!
- Estive fora...mas...
- Oh, não fique aí parado meu filho, siga-me até o aposento real!
- Espera pai! Eu...
- Sim...
- Bem...eu tenho que lhe apresentar algumas pessoas! Estes são Manoel e seu filho Bernardo...eles foram...meus anfitriões nestes meses em que estive...hum...em que estive fora!
- Ah, muito bem! Muito prazer em conhecê-los Manoel e Bernardo! Agradeço o que fizeram pelo meu filho! O Reino de Heliópolis tem uma grande dívida com vocês e com o vilarejo de Luminus!
- Muito prazer em conhecê-lo Vossa Majestade!
- Sim Vossa Majestade, estamos muito lisonjeados!
- Ora ora, eu lhes agradeço novamente e providenciarei para que vocês sejam bem recebidos em meu Castelo! William e Tomás, sua missão foi um sucesso! Meu filho está são e salvo em minha presença! Agora, levem estes dois sujeitos para um de nossos aposentos e comuniquem aos empregados para lhes fornecer comida, roupas e tudo mais que eles necessitarem, enquanto eu levo o meu filho para rever a mãe. Depois disso estão dispensados!
- Sim Senhor!

Os dois oficias disseram isso em uníssono e em posição de guarda, depois se retiraram acompanhando Manoel e Bernardo aos aposentos, reverenciando o meu pai e a mim. Naquele momento, eu percebi que eu nunca tinha perguntado os nomes dos dois oficiais, apesar de ter gostado do modo como eles trataram a mim e aos dois membros da minha nova família, então eu resolvi que depois iria lhes agradecer mais apropriadamente pelo que fizeram, pois, apesar deles sempre dizerem que estavam apenas fazendo o seu trabalho, eu podia sentir que eles tinham algum tipo de simpatia para conosco. Quanto a Bernardo e Manoel, eu fiquei apreensivo em deixá-los serem levados para longe de mim, mas quando estavam saindo, eu pude ver Bernardo movimentar a boca e formar as palavras: está tudo bem, o que me tranquilizou e me fez voltar a atenção para o meu pai, que dizia:

- Agora nós podemos ir, certo?
- Claro pai, vamos lá! Eu estou muito ansiosos para ver minha mãe!

Eu o segui até o seu quarto, no qual eu encontrei a minha mãe, que estava, aparentemente, muito debilitada. Ao lado dela estava um senhor, que aparentava ser ancião, com uma maleta cheia de remédios e uma expressão séria, apesar de tentar forçar um sorriso quando adentramos o quarto. O senhor me cumprimentou e, enquanto eu caminhei para falar com a minha mãe, o meu pai o levou para fora do quarto. Ao chegar próximo à cama os meus olhos começaram a ficar pesados e eu senti as lágrimas quentes escorrerem pelo meu rosto, mas eu as enxuguei e tentei ficar o mais centrado possível, quando eu sentei na beira da cama, segurei a mãe da minha mãe e disse:

- Oi mãe!

Quando ela me viu o seu rosto se iluminou e ela pareceu bem menos abatida do que quando eu a vi da porta do quarto. Então, com um tom de voz baixo e pesado ela respondeu:

- Olá meu filho...Graças a Deus nada lhe aconteceu! Eu sinto tanto pelo que aconteceu....
- Não se preocupe com isso mãe, o importante agora é você! O que aconteceu? O que a fez ficar assim?
- Eu estou não estou em meu melhore dias não é mesmo?
- Uma rainha como a senhora não perde a majestade tão fácil!
- Oh...não seja bobo meu filho! Eu estou definhando cada dia mais! O meu coração está fraco e o médico, aparentemente, não pode fazer nada para parar o processo! Por isso eu pedi a seu pai que o trouxesse de volta...eu quero o meu único filho ao meu lado até que chegue o fim dos meus dias!
- Ah, então eu posso ser perdoado por... a senhora sabe... o meu "erro"?
- Oh, por favor meu filho!Eu nunca me importei com isso e o seu pai também não deveria se importar! Mas não posso lhe tirar a autoridade, portanto não pude fazer nada por você naquela época, mas agora que, digamos assim, a situação é delicada, eu acho que ele teve que repensar!
- A senhora não se importa realmente?
- Veja bem meu filho...eu não lhe direi que essa é a melhor escolha para você, afinal, alguém da família real se relacionando com alguém do mesmo sexo é um escândalo! Mas eu penso que Deus é quem tem que se importar com essas coisas e se ele lhe concedeu este tipo de "natureza", digamos assim, eu não posso me opor a isso! Além do mais, agora isso já é um escândalo e não pode ser mudado! Portanto eu prefiro que você esteja a meu lado com as suas preferências, ao invés de estar desamparado ou até mesmo morto em algum lugar só porque nós não pudemos lidar com isso.

Eu não consegui mais conter as lágrimas e me inclinei sobre minha mãe para abraçá-la. Chorei copiosamente em seus braços, até que me ergui para olhar para ela e disse:

- Talvez, se eu tivesse lhe contado sobre isso antes, as coisas pudessem ser diferentes!
- Quem sabe meu filho! Mas Deus, muitas vezes, tem caminhos diferentes daqueles que nós imaginamos ou esperamos! Agora me conte, por onde você andou?
- Antes de lhe contar por onde estive, eu preciso lhe perguntar algo...
- Prossiga...
- O que a senhora diria se eu tivesse encontrado alguém...digamos...um futuro marido...alguém com quem eu tenho um relacionamento, melhor dizendo, durante esse tempo em que eu estive exilado?
- Você encontrou?
- Bem...acho que sim...sim...
- E você o ama?
- Muito!
- Nesse caso eu não posso dizer qualquer coisa! Como eu disse, esse não é o melhor caminho! Mas se tem uma coisa em que eu acredito desde pequena é amor! Acho que já lhe contei essa história, mas eu e seu pai éramos os primeiros nas linhas de sucessão de nossos próprios reinos, por isso nosso casamento não era o mais aconselhável, pois eram reinos poderosos e seria melhor que pudéssemos casar com príncipes e princesas de reinos menores, que não afetassem o processo de sucessão de seus reinos. Sabe o que nós dizemos?
- Vocês se casaram e criaram um novo reino chamado Heliópolis, que engloba as terras do seu reino, chamando Grindum, e as do antigo reino do meu pai, que se chamava...como era mesmo?
- Sumarim! Eu sempre achei um nome muito feio, então fiquei mais contente com o novo nome: Heliópolis! Mas veja bem, o nosso reino hoje é tão poderoso quanto os dois reinos eram antigamente e eu casei por amor a seu pai, o que é muito incomum em nossos dias, quando o casamento não é nada mais que um grande negócio para aumentar o poder dos reinos!
- Você realmente o ama muito não é mãe?!
- Muitíssimo meu filho! O meu lado da família, como você sabe, apesar de ter sido muito favorecido com a criação do novo reino, ainda tem pessoas que murmuram sobre o fato do seu pai ter se tornado o soberano, quando eu poderia ter sido a soberana do meu próprio reino...mas eu não me importo de ter abdicado dessa grandeza toda, além disso, como eu casei por amor, o seu pai me dá muita importância em todas as decisões referentes ao futuro de Heliópolis, diferentemente de muitos reis que tratam suas esposas como meros objetos de exposição! Mas enfim...o que eu queria ressaltar é: faça as suas escolhas por amor! Se você realmente ama esse rapaz que você encontrou durante o exílio, eu acho que deveria ficar com ele, porém...
- Ele veio comigo pra cá!
- Ele está aqui?!
- Sim, ele veio com o pai, me acompanhando na viagem até aqui...mas qual o problema?
- Como eu estava dizendo, porém, essa é uma das poucas coisas sobre as quais o seu pai nunca me ouve! Ele pode ter me escutado agora que estou doente, mas não acho que ele aprovaria tal união, então, se você realmente ama esse rapaz e quer o bem dele, sugiro que tenha calma e oculte essa relação por enquanto!
- Eu entendo...mas...
- O que foi? diga!
- Bem, eu estava pensando...já que você não é contrária a isso, se eu poderia lhe apresentar a ele...isso me faria muito feliz!
- Oh...bem...eu não estava esperando tal pedido, mas...sim, sim você pode trazê-lo aqui! Mas em outro momento, quando eu estiver em melhor estado!
- Tudo bem mãe! Eu espero até o dia em que você estiver se sentindo mais "apropriada"!

Depois disso, eu contei á minha mãe sobre o tempo em que eu estive em Luminus e sobre o modo como eu e Bernardo nos apaixonamos. Minha mãe parecia, genuinamente, encantada com a nossa relação e pareceu satisfeita e me ver feliz contando histórias sobre ele. Passado algum tempo, o meu pai adentrou o aposento, visivelmente, transtornado e bradando:

- Esse médico é um incompetente! Ele não sabe nada sobre medicina! Vou mandar expulsá-lo do meu reino e solicitar que os oficiais peçam a assistência de outro médico em um dos nossos reinos aliados!
- Calma querido! Não é preciso se exaltar e nem expulsar o médico do reino! Não é culpa dele que eu esteja tão doente!
- Tudo bem, eu não vou expulsá-lo. Mas eu insisto em solicitarmos um outros médico!
- Se isso vai lhe acalmar, então eu lhe apoio em sua decisão querido! Mas agora, vamos nos concentrar em nosso filho que voltou!
- Sim sim, uma grande notícia! Já estou providenciando tudo!
- Err...Tudo? Como assim?
- A sua cerimônia de nova titulação é claro! Eu preciso lhe conceder o título de Príncipe de Heliópolis novamente em uma cerimônia oficial! Já que eu...bem...lhe tire esse título perante todo o povo da cidade, eu preciso, naturalmente, devolvê-lo perante a multidão!
- Ah...sim, o título, claro...então eu serei príncipe novamente?
- É claro meu filho! Bem, você nunca deixou de ser na verdade, mas essa formalidade é necessária!
- Eu entendo...
- Que bom, então esteja o mais apresentável possível amanhã na cerimônia! Eu acho que a sua mãe precisa descansar e eu suponho que você também precise, depois de uma viagem tão longa, vindo de Luminus...então vamos deixar a sua mãe aqui descansando e eu vou te levar até o eu quarto!
- Tudo bem pai. Bom, até amanhã então mãe!

Eu beijei minha mãe na testa e acompanhei meu pai para fora do quarto. Ele me levou até o meu antigo quarto, que ficava imediatamente ao lado do deles, então me acompanhou para dentro do aposento e disse:

- A cerimônia vai ser às dez horas no pátio do castelo! As suas roupas foram recolocadas no seu antigo armário e a sua cama está como era antigamente! Tenha uma boa noite meu filho!
- Espera pai...e quanto aos meu amigos?
- Ah sim, eles foram colocados em quartos de hóspedes! Já se alimentaram, trocaram as vestes e agora estão em seus respectivos aposentos.
- Hum, bem...eu gostaria de vê-los...
- Naturalmente. Bem, eu vou pedir a Maria que lhe mostre os quartos...mais alguma coisa?
- Não pai, é só isso!
- Muito bem! Agora sim, boa noite!

Ele rapidamente se retirou do quarto e, alguns minutos depois, alguém bateu à porta. Quando eu verifiquei quem era, uma jovem com roupas simples disse:

- Boa noite senhor! O rei pediu que eu lhe mostre os quartos dos visitantes.
- Sim, por favor.
- É por aqui, siga-me...

A jovem me levou em direção ao quartos deles e passamos por vários aposentos, que eu não reconhecia, mas sabendo que o castelo era enorme, eu imaginei que realmente teríamos muitos aposentos disponíveis e alguns, inclusive, estavam vazios. Quando chegamos ela me disse, apontando para uma porta:

- Neste quarto está o senhor de idade e no próximo está o jovem rapaz que o acompanhava.
- Muito obrigado!
- Mais alguma coisa senhor?
- Bem, sim! Eu ainda não comi nada desde que cheguei, então apreciaria se você pudesse levar uma bandeja com comida para o meu quarto. Mas depois disso, está dispensada.
- Como queira senhor.

A jovem reverenciou e então partiu. Eu fiquei parado em frente ao quarto de Manoel, mas não quis perturba-lo, afinal eu queria mesmo era falar com Bernardo. Quando bati e entrei no quarto dele eu estava ansioso para contar o que havia ocorrido, então fui surpreendido por Bernardo, que me abraçou e me beijou. Porém, eu tive o impulso de afastá-lo e, depois de fechar a porta, disse:

- Preciso te contar algumas coisas!

Depois de contar sobre a conversa com a minha mãe, pela primeira vez em muito tempo, eu não conseguia decifrar a expressão de Bernardo, o que eu entendia perfeitamente, pois eu estava muito feliz pela minha mãe ter praticamente aceitado a minha homossexualidade, mas também não queria colocar tudo a perder se meu pai me flagrasse com Bernardo ou fosse informado do nosso relacionamento por algum servo. Assim, eu disse a Bernardo:

- Você se importa de ficar sozinho aqui? Creio que não posso dormir aqui com você...
- Bem...pra ser sincero, eu me importo com a sua ausência, mas compreendo os seus motivos! Então não se preocupe, eu vou estar amanhã na sua cerimônia como um simples companheiro de viagem...
- Ah...sobre isso...
- Não importa....se é o que você quer...tudo bem!
- Espera...você...você acha que eu quero voltar a ser um príncipe?
- Bem...sim...o seu pai disse que a cerimônia vai ser amanhã...meu pai e eu formos convidados e depois poderemos ir embora...

Bernardo falava as palavras cada vez mais compassadamente e eu notei um tom de mágoa em sua voz, então eu entendi o que ele estava pensando e me apressei em dizer:

- Bernardo, não é nada isso que você está pensando! Eu já te disse que não quero voltar a ser príncipe....mas...bem, o meu pai acha que é preciso desfazer o meu exilamento em frente a todo o povo do reino! Então eu meio que preciso voltar a ter o meu título para continuar aqui no reino com a minha mãe! Coisas de nobreza!
- Ah...então isso não foi ideia sua?
- Claro que não! Não seja bobo! Por que você pensou que fosse ideia minha?
- Bom...você demorou tanto pra vir falar comigo e, quando veio, praticamente não me deixou te tocar! Pensei que tivesse vindo me dizer que pensou melhor sobre a vida...a vida ao meu lado...quer dizer, olha só pra tudo o que você tem aqui! Por que abriria mão de tudo isso?
- Isso é simples de responder! Eu te amo! E, como diria minha sabia mãe, o importante é fazer as coisas por amor!

Inesperadamente, Bernardo me agarrou em seu braços, levantou-me e girou pelo quarto, depois me colocou na cama e me deu um beijo apaixonado. Depois de recuperar o fôlego, eu me apressei em pontuar:

- Desculpe-me por ter lhe deixado sozinho tanto tempo, mas a minha mãe tinha muito pra me falar e eu estava com tanta saudade...quanto ao que aconteceu quando eu cheguei...bem, eu não quero colocar tudo a perder com o meu pai, então eu quero lhe pedir um favor...aja como meu amigo enquanto estivermos aqui, pelo menos até que a minha mãe possa dissuadi-lo de suas más ideias quanto ao homossexualismo ou até que tenhamos partido...
- Você realmente deixaria a sua mãe aqui, se fosse preciso?
- Bem, eu realmente espero que não seja preciso! Mas sim, eu a deixaria, pois tenho certeza que ela entenderia e nós estamos harmonizados agora, então, mesmo que o pior aconteça a ela, meu coração está em paz...mas não vamos pensar assim, eu acredito que o amor do meu pai por ela seja a nossa maior esperança!
- Certo! Bem...então você precisa ir não é?
- Sim...eu preciso, afinal nós não queremos que nenhum servo relate a meu pai que eu passei a noite em seu quarto né?
- Você tem razão! Bom, então boa sorte na sua cerimônia amanhã!
- Espero que dê tudo certo!
- Vai dar, com certeza! Boa noite!
- Boa noite.

Houve um beijo de despedida e então eu fui para o meu quarto dormir. A caminho do meu quarto eu ouvi um ruido vindo de um dos inúmeros corredores do castelo, então eu fui averiguar e tive uma surpresa quando encontrei os dois oficiais que tinham vindo comigo de Luminus se beijando. Ao me verem os dois pareciam bastante desconfortáveis, então eu me adiantei e disse:

- O que está acontecendo?
- Príncipe Felipe, lamento que tenha presenciado isso, bem...
- Calma, é William o seu nome certo?
- Sim, isso mesmo senhor...
- Veja bem, eu queria lhes agradecer pessoalmente pelo que fizeram durante a nossa viagem, eu fiquei muito satisfeito com o modo como trataram a mim e aos meus convidados, então muito obrigado por isso! Bem...eu esperava que as circunstancias fossem bem menos embaraçosas, mas não acho que isso realmente seja importante. Quanto ao que estava acontecendo, não se preocupem, porque eu sou a última pessoa que reportaria isso ao meu pai.
- Agradecemos a sua gentileza senhor, mas tudo o que fizemos durante a viagem foi o nosso trabalho!
- Bem, na verdade, William não gosta de admitir, mas saber que alguém da nobreza é, digamos assim, "como nós", é reconfortante, o que pode ter influenciado o nosso modo de tratá-los, afinal o senhor parece ser uma boa pessoa, então gostar de um homem não deve ser tão ruim quanto o rei nos faz pensar, com todo respeito ao seu pai.
- Cuidado com o que diz Tomás!
- Não William, deixe que ele fale, pois eu acho que ele está certo! Tomás, eu aprendi a amar alguém durante o exílio e não é realmente ruim, mas o meu pai pensa muito diferente, o que pode tornar isso perigoso, então vocês não precisam se preocupar comigo, mas tenham mais cuidado, pois se meu pai chegar a tomar conhecimento disso, algo muito ruim pode acontecer a vocês!
- Nós nos descuidamos senhor, mas teremos mais cuidado!
- Muito bem, então eu vou me deitar e, cá entre nós, você formam um belo casal!
- Obrigado senhor!

Depois de ouvir a última frase em uníssono dos dois eu me despedi com um sorriso e me dirigi ao meu quarto. Quando me deitei eu não passei nem um minuto pensando no dia em que eu tive, então já estava dormindo.
No outro dia, eu não pude falar com Bernardo, pois logo ao amanhecer vários servos me ajudavam a me preparar para a cerimônia, desde o banho até a escolha das roupas. Quando se aproximava das dez horas eu já estava pronto, em vestes que eu não vestia havia muito tempo, mas que me faziam sentir muito bem. Os servos me guiaram até a sacada do castelo, onde estavam meu pai e minha mãe, que fazia o seu melhor para sorrir, apesar de eu perceber o quanto aquilo era difícil para ela em seu atual estado.
Quando eu cheguei à sacada pude ver a multidão que se espalhava no pátio de castelo e além dos portões e aquilo me fez ficar nervoso, mas mantive a postura formal que meus pais me ensinaram durante muito tempo e acenei para as pessoas. Então, meu pai elevou a voz e disse:

- Povo de Heliópolis! Estamos hoje aqui para celebrar o retorno do meu filho, o Príncipe Felipe II, que retorna do seu exílio e novamente se juntará à família real! A partir de hoje ele voltará a residir em nosso reino e a tratar dos assuntos reais. Para consagrar esse fato, eu chamo a Vossa Reverendíssima, o Sacerdote João Bosco, para abençoá-lo.

Um homem de aparência velha e dura adentrou a sacada, acenou para a multidão e então e virou para mim, então proferiu algumas palavras em tom quase inaudível, após as quais a multidão se agitou e eu fora oficialmente reiterado à Família Real de Heliópolis. Porém, eu não estava feliz com isso, afinal, segundo o que meu pai dissera, eu teria que voltar a Heliópolis, o que eu não almejava de modo algum, visto que eu adorava a minha vida em Luminus e, pelo que eu consegui visualizar da expressão de Bernardo durante o breve discurso do meu pai que se seguiu, ele também não estava contente com aquela notícia.
Ao final da cerimônia, enquanto o meu pai continuou conversando com o Sacerdote sobre alguns assuntos reais, eu segui até o aposento em que estava a minha mãe, a qual se regozijou ao receber a notícia de que a cerimônia havia transcorrido bem, exclamando:

- Que alegria te receber de volta em minha vida meu filho, principalmente nesse momento tão difícil! Obrigado por ter regressado!
- Bem...não é como se eu tivesse muita escolha com os oficiais que o papai mandou para me escoltar, mas, de qualquer forma, eu nunca deixaria de regressar para te ver!
- Realmente o seu pai tem um jeito, digamos assim, um pouco ameaçador, mas ele faz as coisas pensando no melhor para a nossa família!
- Eu sei mãe, eu o compreendo...eu acho...
- Que bom! Mas agora me diga uma coisa, onde estão as pessoas que te acolheram durante o seu exílio?
- Mãe...na empolgação de vir te ver eu esqueci completamente deles...mas, você quer vê-los?
- Claro meu filho! Quero agradecer pessoalmente a eles por cuidarem e me devolverem você!
- Isso é muito gentil da sua parte mãe! Bom, então eu vou chamá-los e volto em breve!

Eu não admiti para minha mãe que, de fato, eu não tinha esquecido de Bernardo e Manoel, apenas não conseguira encará-los depois da cerimônia, pois não sabia o que dizer em relação ao fato de que teria que permanecer em Heliópolis bem mais tempo do que eu esperava e não sabia se eles poderiam me aguardar, visto que tinham deixado a família em Luminus. Entretanto, eu criei coragem e sai do quarto de minha mãe, caminhando em direção aos quartos de Manoel e Bernardo.
O quarto de Manoel foi o primeiro, principalmente porque eu sabia que seria mais fácil lidar com ele e, realmente foi já que, quando eu entrei no quarto, ele logo exclamou:

- Felipe, meu filho, percebo que você está triste e acho que sei o motivo...Não se preocupe, eu e, imagino que Bernardo também, entendo a importância da sua permanência aqui nesse momento tão delicado da vida da sua mãe e, embora eu receie que nós não poderemos permanecer aqui com você, visto que eu deixei o meu pai e meus filhos em Luminus, eu quero que saiba que tens todo o meu apoio!
- Manoel...eu nem sei o que dizer...isso estava me matando por dentro de tanta angústia! Mas o senhor sempre sabe me acalmar! Muito obrigado pelo seu apoio e eu realmente lamento não poder retornar com vocês para Luminus, pois eu quero que o senhor saiba que eu me senti extremamente bem acolhido nesse tempo em que eu fiquei lá, além disso eu o considero o meu segundo pai, então eu prometo que voltarei para visitá-los em breve!
- Estaremos aguardando o seu retorno ansiosamente!
- Quando vocês pretendem partir?
- Eu acordei com Bernardo de partirmos em dois dias e ele, relutantemente, concordou! E, por falar nele, acho que vocês precisam conversar, certo?
 - Sim, de fato nós precisamos...eu vou ao quarto dele fazer isso, mas eu volto daqui a pouco, pois a minha mãe quer conhecê-los!
- Será uma honra conhecer a Rainha! Eu estarei aqui aguardando.

Depois de sair do quarto de Manoel, eu ainda permaneci alguns instantes parado em frente à porta do quarto de Bernardo, sem coragem de bater, até que, inesperadamente, a porta se abriu e uma mão me puxou para dentro do aposento. Em um único movimento, Bernardo me puxou em direção ao seu peito, me envolveu com um braço e fechou a porta com o outro, então disse:

- Eu te amo!
- Bernardo...eu...eu também te amo...
- Eu não queria ter que partir! Eu queria ficar aqui com você! Mas eu não posso deixar o meu pai, minhas irmãs, meu irmão e meu avô sozinhos! Eu te peço desculpas por ter que te deixar...
- Shh...Você não tem nada pelo que se desculpar Bernardo! Na verdade, sou eu quem deve pedir desculpas por te trazer aqui só pra me ver ficar enquanto você tem que partir sozinho! Mas, eu não posso deixar a minha mãe nesse momento tão difícil!
- Eu entendo isso! Eu compreendo e aprecio o que você tem que fazer par ficar com a sua mãe...mas isso me deixa tão triste!
- Isso também me entristece! Por isso eu não vim logo falar com você depois da cerimônia...eu estava tão triste que não sabia o que fazer ou como te contar que eu não poderia regressar com você para Luminus, então eu fugi para o quarto da minha mãe...Eu peço desculpas por te deixar sozinho novamente!
- Não há qualquer problema! Mas...e quanto a nós?...digo...nós ainda seremos namorados?
- É óbvio que ainda seremos namorados! Ninguém, em toda a minha vida, me fez tão feliz quanto você me faz! E não há ninguém aqui que possivelmente possa fazer! Então, sim, nós ainda seremos namorados...bem, se você quiser, é claro...
- O que você acha?

A minha resposta foi Bernardo me agarrar mais forte e me beijar tão apaixonadamente quanto na primeira vez em que declaramos amor um pelo outro. Depois disso, eu contei a Bernardo sobre o desejo da minha mãe de conhecer os meus bem-feitores e isso pareceu animá-lo bastante, embora eu tenha notado que isso também o deixou bastante nervoso, pois, segundo ele, era uma grande responsabilidade conhecer a mãe do namorado que também era Rainha do grande Reino de Heliópolis!
Em detrimento do nervosismo ele me acompanhou de bom grado, então nós paramos no quarto de Manoel para chamá-lo e depois seguimos em direção ao quarto da minha mãe. Aquele encontro entre a minha velha e a minha nova família tinha me deixado bastante feliz, pois parecia que, finalmente, juntar a minha antiga realidade com a minha nova e feliz vida ao lado de Bernardo e sua família poderia ser um objetivo alcançável e que traria bons frutos.
Conforme nos aproximávamos do quarto real, eu percebi um tom exaltado de voz, que deduzi ser do meu pai e, quando atingimos o aposento, presenciei o rei de Heliópolis vociferando:

- COMO ELE OUSA INFLUENCIAR OS MEUS OFICIAIS!

Quando ele percebeu que eu adentrara o quarto, o rei se virou para mim e exclamou:

- Ah sim...aí está ele!
- Aconteceu alguma coisa pai?
- E ainda tem o disparate de perguntar...sim meu filho! Aconteceu alguma coisa! Imagina que eu estou subindo as escadas e ouvi um barulho estranho em um dos aposentos do castelo, então fui averiguar e, quando abri a porta, encontrei os meus dois oficias de maior confiança, os quais eu mandei pessoalmente buscarem você em Luminus, ao beijos e seminus!

Eu senti um aperto no estômago e percebi que ele se referia a William e Tomás, porém não queria deixar transparecer que já sabia daquilo, então disse:

- Mas o que isso tem a ver comigo? Quero dizer...vocês estavam falando de mim quando eu entrei...certo?
- Sim...nós estávamos meu filho...bem...seu pai acha que o comportamento dos oficiais tem alguma relação com o tempo que passaram lhe trazendo de Luminus...mas não creio nessa hipótese!
- Eu creio nisso! Você deve ter lhes incutido essas ideias estranhas de comportamento que vinha praticando aqui dentro do castelo antes de ser exilado!
- Meu pai, eu lhe afirmo que não lhes incuti qualquer ideia que seja, alias nós nem conversamos apropriadamente, fora durante as refeições, pois seguimos caminho em cavalos diferentes e nos instalamos em quartos diferentes durantes as estadias em outras cidades! Bernardo e Manoel podem confirmar!

Meu pai olhou para os dois, que apenas confirmaram com gestos de cabeça. Porém, isso não o impediu de continuar:

- Bem...ainda que não tenha tido uma influência direta, aposto que a sua volta triunfal do exílio levou estes homens a pensar que podem se comportar dessa maneira em meu reino. Mas eles estão muito enganados, pois se você não os influenciou diretamente, então eles estavam enganando o rei debaixo do próprio teto...tendo estas praticas abomináveis! O que torna o crime ainda mais grave!
- Pai, eu não acho...
- Mandarei prendê-los nas masmorras e prepararei sua execução para amanhã!
- Meu rei...seja razoável! William e Tomás são os oficiais mais eficientes e dedicados que já tivemos em muitos anos! Além disso, nós já conversamos sobre esse assunto, lembra? Você prometeu que iria procurar entender o caminho que nosso filho tem que trilhar!

Por um momento, minha mãe olhou diretamente para mim, sorriu, então olhou para Bernardo e depois voltou a fitar o meu pai, dizendo:

- Você refletiu sobre isso?
- Carmen, meu amor, não posso hesitar em punir algo tão deplorável! Oficiais são fáceis de se encontrar e...bom...quanto ao Felipe...ele é nosso filho...embora eu não aprove esse caminho...ele é nosso filho.

Aquela afirmação me deixou, estranhamente, feliz, pois, embora eu ficasse triste pelo fato do meu pai ainda achar que gostar de alguém do mesmo sexo é deplorável a ponto de executar dois dos seus melhores oficiais, era reconfortante saber que ele ainda me considerava seu filho.
Naquele momento, para minha surpresa, Manoel interveio na conversa:

- Com a sua licença Vossa Majestade...não que eu queira me intrometer nos assuntos reais, mas eu acho que não há necessidade de punir os seus oficias por gostarem um do outro, afinal eles não estavam matando, roubando ou torturando ninguém...apenas estavam demonstrando carinho um pelo outro.
- Desculpe-me senhor...mas não aceito receber conselhos de alguém vindo daquele povoado...
- O que quer dizer com isso Vossa Majestade?
- Ah, não pense que eu não sei o que ocorre naquele povoado! Os meus oficiais me matem informado do "estilo de vida" que vários dos seus habitantes vem tendo! Mas eu faço vista grossa para isso, unicamente porque Luminus é um vilarejo que contribui muito com o reino!
- Bom, com todo respeito Vossa Majestade, meus conterrâneos não fazem esforço algum  para esconder o nosso "estilo de vida"!
- Mas que insolência! Vem ao meu castelo me dizer que o seu povo não está preocupado em seguir as leis do rei?!
- Claro que não Vossa Majestade! Mas, como o senhor deve se lembrar, Luminus é um vilarejo que goza de certa autonomia em comparação ao resto dos vilarejos que estão submetidos ao Reino de Heliópolis! Nesse sentido, os habitante de Luminus não veem problema no fato de dois homens ou duas mulheres formarem um casal, inclusive dois dos meus quatro filhos optaram por esse "estilo de vida", como o senhor disse.
- Isso é o suficiente! Vou mandá-lo prender agora mesmo por desrespeitar o rei e por infringir a lei que proíbe esse "estilo de vida"!
- Otávio!
- Não pai! Por favor, não o prenda!
- Felipe, isso é necessário para manter a ordem no reino!
- Mas pai, ele...ele é minha família também!
- Não seja tolo Felipe! Esse senhor o abrigou por algum tempo, mas nós é que somos sua verdadeira família!
- Pai...ele é meu sogro...
- Sogro...mas com quem você se envolveu nesse tempo em que esteve longe?

Nesse exato instante, meu pai olhou para Bernardo, que tinha uma expressão apreensiva no rosto, então exclamou:

- Ah...claro! Viu Carmen? Como posso mostrar um exemplo ao meu povo, se meu próprio filho não segue a lei?
- Otávio...pense no que eu lhe disse! Vamos abolir essa lei!
- O senhor pode fazer isso?
- É claro que posso! Eu sou o rei! Mas isso é irrelevante, pois eu sou adepto dos velhos costumes que consideravam esse tipo de comportamento uma abominação!
- Meu pai...se o senhor pode fazer isso...por favor, faça! Ou terá que me banir novamente, pois eu não mudarei meu "estilo de vida"!
- Felipe! Por que me colocas nessa posição? Você é meu único filho e sabes muito bem que eu não quero te banir para fora de Heliópolis! O que você ganha se envolvendo com esse mero camponês meu filho?
- Pai...
- Vossa Majestade! Eu amo o seu filho!

A atitude de Bernardo surpreendeu tanto ao meu pai quanto a mim, porém, rapidamente, o rei se recompôs e retrucou:

- Cale a boca camponês! Não ouse dizer baboseiras no meu castelo!
- Mas é verdade Vossa Majestade! Eu o amo e estaria disposto a ser banido com ele se fosse preciso!
- Bernardo...isso...
- Meu querido, aproxime-se para que eu possa falar com você!

Minha mãe olhava com ternura para Bernardo quando este se aproximou do leito, então continuou:

- Somente alguém que ame muito o meu filho realmente teria a ousadia de enfrentar o rei, que pode tanto bani-lo como mandar executa-lo, como está cogitando fazer com os dois oficiais!
- Eu de fato o amo Vossa Majestade! Não me vejo vivendo sem ele desde que o encontrei pela primeira vez!
- Que lindo! Era disso que eu estava falando felipe...amor verdadeiro!
- Carmen! Não incentive esse comportamento!
- Otávio...você se lembra o que o seu pai me disse, quando nos casamos? Que o nosso casamento era uma estratégia para trazer as tropas do meu reino pra dentro do seu, a fim de, quando tivesse conquistado a sua confiança, destruí-lo? Você concordou com ele?
- Evidentemente que não! Mas você é uma mulher e eu sou um homem, como tem que ser!
- Quem disse que precisa ser assim?
- Deus querida! Ele disse isso!
- Ele não disse isso pra você ou pra mim! Há somente alguns escritos que dizem que um homem  escreveu a partir do que ouviu dele, mas quem pode provar que esse homem não foi parcial em suas anotações ou que ele, simplesmente, não é doido?!
- A senhora está certíssima Vossa Majestade! Em Luminus nós glorificamos e Louvamos aos Senhor todos os dias e vários de nossos mais veementes religiosos tem um "estilo de vida" como o do seu filho! Inclusive, um dos meus filhos se casou há algum tempo com o companheiro em uma cerimônia religiosa celebrada por todo vilarejo!
- Viu Otávio! Perceba como alguns preceitos precisam ser mudados! Mude essa lei, por amor a seu filho e...por amor a mim! Lembra quando fizemos nossos votos? Amor acima de tudo! E olha o quão próspero tem sido o nosso reino sob essa premissa!
- Por favor pai!
- Tenho certeza de que o senhor é sábio para perceber que essa é a melhor alternativa!
- Com certeza Vossa Majestade!

Meu pai se calou, andou algum tempo pelo quarto, sendo acompanhado pelos olhos atentos das outras pessoas presentes no quarto, então deu um longo suspiro e disse:

- Muito bem Carmen, você venceu! Reconheço que o amor tem sido o nosso caminho desde sempre! Eu mudarei a lei, mas farei algumas restrições a esse comportamento relacionadas ao pudor e coisas afins! Farei o anúncio amanhã!

Todos os que estavam presentes no quarto, exceto meu pai, soltaram gritos de vivas e eu dei um forte abraço em Bernardo. Depois, virando para meu pai, disse:

- Muito obrigado pai!
- Não me agradeça Felipe! Eu de fato não concordo com isso que você escolheu para si, mas se a sua mãe não vê problemas eu me resigno a conviver com isso...agora eu vou providenciar os pormenores da mudança da lei.

Dito isso meu pai se retirou do local e eu fiquei conversando com a minha mãe, que estava muito animada em conhecer, como ela mesma se referira, um homem tão esclarecido como Manoel e um jovem tão corajoso como Bernardo. Passamos várias horas conversando sobre a vida em Luminus, tanto os aspectos que eu conheci quando estive lá quanto aqueles que eu nunca tomei conhecimento, relacionados a fatos e pessoas que viveram/vivem no vilarejo.
Depois de algum tempo, percebi que minha mãe estava mais ofegante e deduzi que ela estivesse cansada, então propus que fossemos para nossos quartos e a deixássemos descansar, o que foi assentido por Manoel e Bernardo.
No outro dia, eu acordei com o barulho causado por uma serva que tropeçara enquanto abria as cortinas do meu quarto. Depois de ajudá-la a se recompor, ela me informou que meu pai estava me esperando no salão real, então me vesti apropriadamente e fui ao seu encontro. Quando cheguei lá, encontrei meu pai sentado no trono real, com um pedaço de pergaminho nas mãos, o qual disse, ao me ver:

- Bom dia filho! Bem, como eu havia prometido, eu mudei a seguinte lei "Práticas de sodomia ou homossexualismo serão punidas com exílio ou forca" para "Práticas de sodomia ou homossexualismo serão julgadas pelo rei e punidas ou não de acordo com o seu bom senso". O que acha?
- Sinceramente pai? O que seria o seu bom senso, nesse caso?
- Bem, práticas que escandalizem o povo, atentem contra a moral e os bons costumes...exibicionismos, por exemplo, falta de pudor...esse tipo de prática...
- Pai, eu acho que isso está muito amplo e duvidoso, principalmente, porque a boa moral do povo é condenar os homossexuais por um simples beijo, por exemplo...bem, mas isso já é um começo...depois disso vai ser preciso que o povo entenda essas "práticas" apropriadamente, ou pelo menos o senhor, na verdade, já que é quem vai ser o juiz, certo?
- Sim...as condenações estarão sujeitas à minha opinião!
- Bem, apesar de tudo, o senhor sempre foi um rei sensato em muitos outros assuntos, então eu acho que já está de bom tamanho que as pessoas não sejam imediatamente mortas ou exiladas!
- Ah...bem...obrigado meu filho!

Meu pai começou a ficar muito vermelho e eu deduzi que foi pelo fato de ter dito a ele que ele era um rei sensato, mas, de fato, ele sempre fora em muitos assuntos do reino. O único assunto com o qual ele tinha pouca sensatez era o homossexualismo, mas, pelo visto, isto estava para mudar. Depois do rosto do meu pai voltar à coloração normal, ele continuou:

- Bem, então é isso! Vou anunciar a mudança na lei hoje ao meio dia!
- Certo! Bom, então eu vou colocar outras veste mais apropriadas a anúncios reais, digamos assim, e o encontro em seus aposentos, tudo bem?
- Claro, vá lá!

Eu, primeiramente, fui até o quarto de Manoel e depois ao de Bernardo, para lhes contar da mudança na lei e ambos, como eu, acharam que ela ainda não favorecia totalmente a liberdade dos homossexuais, mas pelo menos não lhes mandava diretamente para a forca. Depois disso, eu lhes aconselhei a vestir roupas apropriadas para a ocasião e segui até meu quarto para também me vestir apropriadamente.
No horário em que meu pai havia mencionado, todos nós estávamos na sacada do quarto dos meus pais, incluindo a minha mãe que, com muito esforço, queria presenciar aquele momento no qual seria feito o anúncio da mudança da lei que proibia o homossexualismo para uma que, possivelmente, poderia permiti-lo.
Entretanto, para tristeza de todos que precisavam ou desejavam que aquela lei mudasse, o anúncio nunca foi feito, pois a minha mãe, inesperadamente, desmaiou em pleno discurso do meu pai, o que o levou a cancelar a cerimônia para verificar o estado da minha mãe, que, infelizmente, morrera no momento em que atingiu o chão. Em resumo: eu perdi a minha mãe e a minha possibilidade de voltar a Heliópolis como alguém que contribuíra para tornar a vida daqueles que amam alguém do mesmo sexo, possivelmente, um pouco melhor e suportável, pois eu sabia que o único motivo de estar ali gozando de privilégios como a anulação do meu exílio, a anistia de William e Tomás e, até mesmo, de Bernardo e Manoel, era o grande amor do meu pai pela minha mãe.
Assim, deu-se inicio à minha queda, pois, agora que a minha mãe se fora, o que dilacerou o meu coração, eu sabia que, provavelmente, eu precisaria fugir imediatamente, para escapar da intolerância do meu pai ao meu "estilo de vida", mesmo porque eu não queria que nada de mal ocorresse a Bernardo ou Manoel - as únicas pessoas em Heliópolis a quem eu realmente poderia chamar de família a partir daquele momento. 
Os eventos que sucederam a morte da minha mãe pareciam acontecer ao meu redor sem que eu tivesse qualquer consciência deles, pois, assim que eu percebi o que tinha ocorrido com ela, eu entrei em estado de catatonia e fui levado ao meu quarto por Bernardo e Manoel, os quais tentaram veementemente me trazer de volta à realidade. Entretanto, eu só realmente voltei a estar consciente um dia depois, quando havia um tumulto no meu quarto e eu pude ver meu namorado e meu sogro sendo levados pelos oficiais do meu pai, que em seguida se lançaram sobre mim. Aquilo foi suficiente pra me tirar da minha inércia, pois se havia algo que me abalaria mais que a morte da minha mãe era algum mal acontecer à minha nova família, então, enquanto os oficiais seguravam meu braço para também me levar em custódia, eu tive um acesso de raiva e desferi golpes a esmo, os quais felizmente foram eficazes em afastar alguns deles, mas, visto que eram muitos, eu infelizmente acabei nocauteado por um deles e só consegui registrar o mundo saindo de foco e a escuridão que me envolveu. A próxima coisa que eu vi foi Bernardo chamando meu nome enquanto eu sentia uma dor lacerante em minha cabeça:

- Felipe! Felipe!

Bernardo estava completamente descomposto em minha frente e aquilo foi um choque, porém, mais do que isso, eu estava assustado com o local onde estávamos: meu pai tinha me colocado em uma masmorra, quando algumas horas antes nós estávamos planejando a minha ascensão em Heliópolis?
Minha pergunta não demorou a ser respondido, já que meu pai estava adentrando as masmorras acompanhando de vários de seus oficiais e bradando, aparentemente, transtornado:

- Eu não pedi para utilizarem a força dessa maneira! Esta era apenas uma medida protetiva!

Recobrando os movimentos eu imediatamente indaguei, com uma voz estranhamente baixa:

- Pai!...Por que?...Por que nós estamos aqui?
- Meu filho...eu...quero dizer...eu achei de bom tom impedir a sua fuga até que seja resolvida a sua situação!
- Mas quem lhe disse que eu iria fugir?
- Bem, aqueles seus amigos, meus antigos oficiais, eles fugiram, não sei como, das masmorras e eu achei que você estava por trás disso! Você estava?
- Claro que não pai! Como eu iria saber disso?!Mas...mas...e quanto à minha mãe? Ela está...está?
- Sim, infelizmente sim...ela...morreu.
- Pai, me deixa ver ela! Por favor!
- Impossível! Nós acabamos e enterrá-la!
- Mas pai...por que não me convidou?!
- Um momento...todos para fora! Já!

Meu pai esperou até que todos os oficiais estivessem fora da masmorra, então retomou a sua fala em tom sussurrante:

- Meu filho...é o seguinte...eu não entendo por que você se interessaria por esse rapaz ao invés das belas princesas que você já teve  a honra de conhecer, mas...
- Espera...o senhor sabia então?
- É claro, você dois irradiam a relação de você, mesmo que não a tenham demonstrado em público, mas isso não tem a menor importância agora! Como eu ia dizendo, eu não vou fingir que entendo, mas eu amava a sua mãe mais do que tudo na vida e você é o fruto desse amor, então eu não posso te odiar por algo que, como a sua mãe me fez entender, é tão pequeno.
- Mas então por que eu estou aqui nessa masmorra se o senhor não me odeia?
- Felipe, você lembra do que a sua mãe lhe falou sobre a formação de Heliópolis?
- Claro...bem, ela me disse que vocês juntaram dois grandes reinos em apenas um do qual você se tornou o rei, certo?
- Isso mesmo meu filho, porém, a família da sua mãe nunca aceitou isso devidamente e eles têm se mantido sem qualquer tipo de relação com Heliópolis desde então. Entretanto, hoje esses familiares que têm se mantido há muito tempo afastados vieram me comunicar que, se Grindum ainda fosse um reino, o sucessor da sua mãe seria Conde Rafael, que eu receio você já encontrou na sua viagem de volta para casa.
- Sim, eu me lembro dele, mas eu ainda não compreendo como isso me faz ter que ficar preso aqui neste lugar!
- Tenha calma, eu já estou chegando lá! Você se lembra o que ele lhe disse quando se encontraram?
- Bem, mais ou menos...ele disse que não me respeitava porque o próprio rei tinha me exilado por ser um homossexual!
- Precisamente! Bem, aqui está o problema: Conde Rafael tem sido o maior perseguidor de homossexuais que existe nesta região! Eu, particularmente, não tolerava isso no meu reino e punia tal comportamento, como você sabe, com exílio ou...ou morte, mas o Conde não só aplica tais punições como tortura e organiza uma "caça" a esse tipo de pessoas, como se fossem animais!
- Que coisa repugnante! Desculpe-me a intromissão meu Rei, mas esse tipo de coisa é absolutamente desumano!
- Eu sei, eu também não aprovo e me sinto enojado com tal barbaridade! Mas, como eu estava explicando, o problema é que o Conde veio me comunicar que ele quer o reino de Grindum de volta, já que agora a posse é oficialmente dele! E, para mostrar que estava decidido, ele me disse que muitos outros reinos estariam honrados em ajudá-lo a reconquistar Grindum se eu me recusasse a devolver as terras, já que eu era um simpatizante desse comportamento! Você entende o meu problema agora Felipe?
- Eu..eu acho que sim...então o senhor está tentando mostrar pra essas pessoas que o senhor...que o senhor não é um simpatizante? É isso?
- Desculpe-me interromper Rei Otávio, mas o senhor está fazendo isso pra não perder o seu reino então? É uma questão de poder?

Meu pai baixou a cabeça e eu pude ver lágrimas saindo dos cantos de seus olhos e um soluçou se evidenciar em seu peito. Porém, ele, rapidamente, se recompôs e disse:

- Não me julgue mal meu jovem, por favor! Sim, de certa forma é uma questão de poder, mas veja bem, se eu perder o poder que eu tenho sendo rei de Heliópolis, como você acha que eu posso proteger o meu filho?
- Proteger-me?
- Claro! Você é tudo o que me sobrou Felipe! Você é tudo o que restou do grande amor que eu vivi com a sua mãe! Eu acho que você pode compreender que eu cometi um erro quando te exilei, mas te peço perdão! Ser um rei parece mais difícil do que parece e às vezes nós tomamos atitudes erradas pensando em um bem maior!
- Meu senhor, desculpe novamente, mas, nesse caso, o senhor não poderia simplesmente devolver a parte do reino que corresponde a Grindum e ficar com a sua parte? Quero dizer, o senhor não continuaria sendo poderoso?
- Receio que não meu jovem, por dois motivos: primeiro, Grindum corresponde a quase metade de Heliópolis, sendo que Luminus...
- Está na parte que corresponde a Grindum!
- Correto! E eu sei que você gostaria de retornar para lá algum dia com os seus amigos meu filho! Mas além disso, o segundo motivo é que, se eu der um reino tão grande e, com certeza, mais poderoso do que quando ele se juntou a Sumarin, ao Conde Rafael ele seguiria com seu plano e tentaria tirar à força a parte restante do reino para si, com a ajuda de outros reinos! Heliópolis é forte, mas nunca foi um reino militar, nós não temos estrutura pra guerrear com outros reinos!
- Mas então o que faremos? Eu terei que permanecer aqui?
- Nesse momento sim, mas não se preocupe, eu tenho um plano! Porém, eu vou precisar que quando ele seja executado, você fuja sem olhar para trás!
- Eu vou explicar...

Assim, meu pai me contou o seu plano e , surpreendentemente, naquele dia, meu pai se mostrou favorável, se não ao meu "estilo de vida", mas pelo menos à minha sobrevivência e liberdade. Quando ele deixou a masmorra ele tinha advertido que nós teríamos apenas uma chance e tudo teria que ser bem-sucedido já que o futuro de Heliópolis e do meu pai estava em minhas mãos.
Naquela mesma noite o plano foi posto em ação, enquanto o meu pai banqueteava com os familiares de minha mãe. Conforme ele tinha dito, William e Tomás foram secretamente libertados assim que o meu pai soube o que tinha que fazer e eles concordaram, em troca de sua liberdade, em me ajudar a escapar das masmorras enquanto transcorria o banquete no salão do castelo. Assim, algumas horas depois do sol se por os dois ex-oficiais do meu pai chegaram sorrateiramente e nocautearam o oficial que mantinha guarda no local. Então, William se dirigiu a mim:

- Boa noite senhor! Viemos, assim como combinado!
- Muito obrigado William! Que bom que vocês aceitaram fazer isso em troca de sua liberdade!
- Senhor...cá entre nós, Tomás e eu conhecemos todos os segredos dessa masmorra e estávamos a ponto de conseguir escapar quando o seu pai chegou! Mas, mesmo assim, voltaríamos pra lhe resgatar!

Bernardo parecia bastante desconfortável com os comentário de William, que rapidamente, ao perceber aquela reação, complementou:

- Bem, eu quero dizer que eu viria em seu resgate, porque pessoas do nosso "tipo" precisam se apoiar é claro! Principalmente em momentos tão difíceis, quando estamos servindo até de presa para as caçadas, que são a diversão da nobreza!
- Ah sim...Bernardo, tinha tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, que eu esqueci de dizer pra você que William e Tomás são um casal, assim como nós!

Depois disso, Tomás segurou uma das mãos de William como prova do que eu dizia e então a feição de Bernardo se tornou mais suave e ele disse:

- Bem, que bom! Vocês formam um bonito casal!
- Engraçado, eu também acho o mesmo sobre vocês! Alias eu sempre soube que vocês estavam juntos desde que nós saímos de Luminus.
- Meu pai também me disse isso Tomás, mas eu não entendi como todos sabiam, nós fomos bastante cuidadosos, não é Bernardo?
- Com certeza!
- Vocês de fato foram, porém, apesar de vocês nunca nem se tocarem na frente de outras pessoas enquanto estavam aqui, vocês irradiam um sentimento quando trocam olhares que é inconfundível! Somente alguém que encontrou o verdadeiro amor tem isso no olhar!
- Nossa, isso...isso é muito bonito William!
- Muito obrigado Príncipe, mas eu tenho certeza que é verdade! Agora, mudando de assunto, nós não temos muito tempo a perder! Vamos!

Enquanto conversávamos, eles pegaram as chaves do oficial inconsciente e estavam nos livrando das correntes, agora nós estávamos livres e começamos a caminhar cuidadosamente pelos corredores do castelo. Enquanto caminhávamos, Tomás disse:

- Nós precisamos nos apressar, pois em breve o seu pai estará nas masmorras fingindo que levou o Conde Rafael para olhar o seu envergonhante filho. Quando isso ocorrer nós já precisamos estar em fuga!
- Certo! Eu acho que nós já estamos quase alcançando a porta principal!
- Isso mesmo, mas nós precisamos tomar cuidado para não sermos vistos!

Nesse exato momento, nós ouvimos vozes exaltadas, que vinham do lugar de onde nós tínhamos saído, então William disse apressadamente:

- Corram! Corram!

Assim que atingimos a porta principal eu pude ver que os oficiais que guardavam os portões do castelo também estavam nocauteados, então, aparentemente não teríamos problemas em fugir. E meio à correria eu disse:

- Nossa, você são bons mesmo! Nocautearam todas essas pessoas sozinhos?
- Muito obrigado Príncipe! Eu acho que nós formamos uma boa dupla e conseguimos nos superar juntos, é só isso!
- Bom, nós também somos os melhores oficiais que o seu pai já teve e um dos poucos que, em um reino tão pacífico como Heliópolis, já estiveram em algum tipo de batalha!
- Em que batalhas você já estiveram?
- Bem, digamos que não é a primeira vez que Conde Rafael ataca o seu pai! O problema é que ele está cada vez melhor relacionado e militarmente mais forte agora!

Nós chegamos perto de alguns cavalos que estavam convenientemente dispostos na saída do castelo, então montamos neles e estávamos a ponto de sair em disparada quando Conde Rafael apareceu empunhando um arco e bradando:

- Onde vocês pensam que vão escória? Não os deixem fugir!

Imediatamente nós partimos em disparada, mas antes de partir eu lancei um olhar agradecido ao meu pai que o retribuiu rapidamente, enquanto explicava ao Conde Rafael que não sabia como isso tinha acontecido.
A partir desta noite eu sabia que eu não poderia voltar a Heliópolis tão cedo e o que mais fazia meu coração doer e me entristecia era que eu só consegui realmente enxergar o meu pai, como ele realmente é, um pouco antes de ter que deixá-lo por um bom tempo. A despeito destes pensamentos, eu empreendi toda a minha força em continuar seguindo em frente e fazer como o meu pai havia me dito: fugir sem olhar para trás.



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4 comentários:

  1. Amei seu conto, anjo, espero poder continuar acompanhando. Ansioso pelo próximo capitulo. Você é de mais!!!!!

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  2. Nossa tudo de bom o conto mais estou muito ansioso para ler o restante.

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  3. quando vai postar o proximo capitulo ? espero desde já ..

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  4. Tbm acho presisa de mais drama e Bernardo e Felipe presisam msm fazer amor ♡♡♡¤¤

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