Finalmente eu sentia que havia estabelecido uma ligação afetiva com alguém, uma pessoa que me amava e a quem eu retribuía o sentimento de uma forma intensa. Para completar esse momento especial da minha vida, eu tinha sido aceito por toda a família do meu amado.
Porém, de repente, algo aconteceu bem no meio desse ponto crucial da minha história. Enquanto estava, orgulhosamente, de pé bem em frente ao Bernardo, comecei a sentir as coisas e as pessoas ao meu redor se afastando, e, então, havia somente escuridão.
Repentinamente, me vi transportado para um lugar familiar, ao qual eu não desejava voltar tão cedo: minha casa. Estranhamente, eu estava presenciando cenas da minha vida que já haviam ocorrido, tal que eu parecia estar assistindo à minha trajetória como um mero expectador e a cena que eu presenciava era a última de que eu tinha lembrança, a qual retratava justamente o dia em que meus pais descobriram a minha orientação sexual.
Eu lembrava de toda a minha história antes de chegar à casa de Bernardo, só não conseguia recordar como eu tinha chegado até a floresta da qual ele me resgatou, porém, não queria dizer àquela família, que me acolhera tão bem, de onde eu tinha vindo, pois tinha medo que eles preferissem me levar de volta pra casa.
Os meus pais são o Rei e a Rainha de Héliopolis, um reino formado, predominantemente, de planícies e com um clima ensolarado. Eu sou filho único, portanto, meus pais sempre esperaram que eu me casasse com alguma princesa de outro reino para aumentar a área de abrangência do seu reinado através do estabelecimento de alianças.
Porém, desde cedo eu já me interessava por pessoas do meu mesmo sexo e, inclusive, tive várias experiências de descoberta com príncipes de outros reinos com os quais tinha contato e, até mesmo, com alguns súditos, conforme apareciam oportunidades.
Conquanto eu sempre tivera muita experiência com diversas pessoas do reino, meus pais não tinham conhecimento das minhas aventuras, pois os príncipes não hesitavam em preservar a sua privacidade e evitar escândalos, bem como os súditos não ousavam revelar meu segredo por medo de represálias.
Portanto, havia um aparente equilíbrio entre a manutenção da minha imagem como um príncipe que futuramente se casaria com uma princesa, tal como os meus pais queriam, e a satisfação dos meus desejos mais profundos através das minhas aventuras. Mas, certo dia, eu fui descuidado, quando conduzi um dos meus súditos para um dos quartos existentes em nosso castelo, pois nós adormecemos e, provavelmente, algum servo alertou meu pai, que apareceu no quarto e presenciou a última cena de que me lembro antes de parar densa Floresta do Leste: o seu filho nos braços de um homem, e pior ainda, de um súdito.
Surpreendentemente, depois dessa cena não houve uma lacuna, como em todas as vezes que eu tentava lembrar como eu tinha terminado naquela floresta, os fatos continuaram a ocorrer como se a minha mente tivesse recuperado as informações que eu pensava ter esquecido. Depois do meu pai presenciar a cena mencionada, houve o seguinte diálogo:
- Felipe...!
Depois de me recompor, segui para o quarto dos meus pais, que já estavam me esperando. Minha mãe, que estava aos prantos, e o meu pai com um semblante irado me deram duas opções para resolver a situação na qual eu me encontrava: eu poderia acusar, na frente de todo o reino, o súdito com o qual eu havia dormido de ter me assediado e condená-lo ao exílio; ou eu teria que deixar o reino e nunca mais voltar, pois havia desonrado a minha família e aquele era o único modo de me redimir com os meus antepassados.
- Calma pai, eu posso explicar o que está acontecendo aqui!
- Meu filho, não há nada o que explicar, a situação é óbvia! Como você ousa trazer este homem para dentro do nosso castelo e se deitar com ele em um dos nossos aposentos?! Você não respeita os seus pais? Você não respeita a si mesmo?
- Pai...
- Não ouse proferir qualquer palavra! Eu não quero ouvir nada! Você me desonrou, se perverteu e, com certeza, lançou a sua alma em profunda perdição! O que você fez foi inaceitável e, a parti do momento em que decidistes seguir esse caminho de perdição, automaticamente, assumistes as consequências que isso trará! Recomponha-se e me encontre em meus aposentos o mais breve possível! E quanto a este servo, será banido deste reino para sempre, junto com toda a sua família, e se ousar voltar meus cavaleiros estarão autorizados a lhe tirar a vida!
O reinado do meu pai sempre foi conhecido em toda a extensão do nosso reino como o mais pacífico de todos, pois ele, dificilmente, punia os delitos com enforcamentos ou outra forma de punição, tal como ocorria em outros reinos. Porém, devido a alguns preceitos religiosos, o meu pai não admitia em suas terras a prática de homossexualismo, por considerar uma ofensa grave, portanto, eu, como o filho do Rei deveria servir de exemplo para a coibição dessa prática.
Eu nunca tinha agido de forma injusta em toda a minha vida, de modo que nunca deixaria que alguém fosse exilado sob uma falsa acusação, já que aquele servo não me seduzira, pelo contrário, havia sido seduzido por mim a me acompanhar àquele aposento onde tínhamos sido flagrados. Dessa maneira, eu tive que deixar meu reino, dizer adeus aos meus pais e partir rumo ao desconhecido, sem destino ou perspectiva. Meus pais me muniram com suprimentos pra alguns dias, um cavalo e algumas moedas.
Para piorar a minha situação, no meu segundo dia de caminhada eu fui abordado por alguns sujeitos no meio de uma estrada, os quais roubaram todos os itens doados pelos meus pais e a minha vestimenta, que foi trocada por outra de menor qualidade. Os sujeitos me golpearam na cabeça, amarraram-me e me transportaram por um longo caminho, até que me deixaram no meio da Floresta do Leste, onde eu fui encontrado por Bernardo.
Depois desta última cena, onde eu recordava o momento em que Bernardo havia me encontrado na floresta, eu, repentinamente, vi tudo ficar embaçado. Depois disto, comecei a ouvir várias vozes indiscerníveis em meio à total escuridão, sendo que as vozes foram, progressivamente, ficando mais inteligíveis e o escuro começou a desaparecer, dando lugar à imagem da face de Bernardo, porém, desta vez, ele não estava me salvando na floresta, mas sim debruçado sobre mim chamando pelo meu nome.
Quando consegui organizar e processar as informações ao meu redor, percebi que estava deitado na minha cama, dentro da casa de Bernardo, enquanto a família toda estava em meu quarto, preocupada comigo e aflita para saber se eu estava bem, pois eu acabara de desmaiar durante o jantar. Nesse momento, entendi que eu acabara de recordar o caminho que levara até aquela família, então comecei a me questionar se deveria ou não lhes dizer a verdade, pois até aquele momento eu era um rapaz que não tinha lugar para ir, o qual foi acolhido pela caridosa família, porém, agora eu já sabia de onde tinha vindo e, pior ainda, sabia que era um exilado.