domingo, 29 de junho de 2014

Capítulo 6 - Seguindo em Frente (Cont.)

No outro dia, Roberto estava decidido a ligar para a casa de Daniel, a fim de "compartilhar a sua opinião" sobre o que acontecera no dia anterior. Enquanto isso, Enzo estava tendo grande dificuldade em dissuadi-lo da ideia:

- Pai, o senhor não pode ligar para a casa dele! o Seu Pedro não sabe que Daniel e eu namoramos!
- Eu não me importo! Quem esse rapaz, ou melhor, esse moleque pensa que é pra ir e vir da sua vida quando quiser, fazer e acontecer desse jeito? - Respondeu Roberto decidido.
- Pai - Enzo pôs as mãos nos ombros do pai - Deixa isso comigo tá? Eu estou aqui, inteiro e de bem com vida! Eu não quero mais nada com o Daniel e a melhor forma do senhor me ajudar é me ajudando a esquecer completamente dele. Pode ser?
- Eu não gosto disso...mas tudo bem, se é o que você quer... - Disse Roberto resoluto.

Enzo, de fato, se empenhou em se afastar de Daniel e, de certa forma, este contribuiu para isso, na medida em que não buscou mais Frida na porta da sala e nem se fez presente nos mesmos locais frequentados por Enzo.Além disso, o semestre logo chegou ao fim, assim como as aulas na UFTU, o que deu ao rapaz um tempo livre do local em comum com o ex-namorado. Desse modo, seja por intencionalidade de Daniel ou por pura "sorte" de Enzo, passou-se dois meses nos quais Enzo seguiu com sua vida e cultivou uma amizade forte com Pietro, que se tornou um grande confidente e um porto-seguro para os momentos em que Enzo sentia qualquer dificuldade. Os dois inclusive viajaram juntos para o Rio de Janeiro, a fim de aproveitar as férias na casa dos pais de Pietro, que adoraram conhecer Enzo.
Em contrapartida, Daniel tentou continuar o namoro com Frida, porém, depois da interrupção das aulas na UFTU, ele perdeu o interesse no relacionamento e passou a permanecer horas no quarto, simplesmente deitado. Certo dia, o pai do rapaz, preocupado com a situação, indagou:

- Daniel, meu filho, você precisa sair desse quarto! - disse o homem em tom preocupado - Por que você não liga para um dos seus amigos e o convida para sair ou fazer alguma coisa?
- A maioria está viajando pai - respondeu o rapaz, que estava com a barba por fazer, cabelos desgrenhados e com feições de sono - E eu também não quero sair daqui...
- Mas por que? Aconteceu alguma coisa?
- Sim...eu não tenho mais motivação para sair de casa...foi isso que aconteceu...
- Mas e a Frida?
- Nós terminamos... - respondeu o rapaz desleixadamente - agora, se o senhor não se importar, eu vou voltar a dormir....
- Ah, eu me importo! - disse Pedro com firmeza - Arrume-se e venha comigo...eu quero te levar a um lugar...
- Eu não quero ir pai...
- Por favor Daniel, faça isso por mim!
- Ahh...tudo bem...estarei na sala em dez minutos! - respondeu Daniel contrariado.

Depois de tomar banho, fazer a barba, colocar roupas limpas e pentear o cabelo, Daniel partiu com o pai para um local que foi mantido em segredo até que o rapaz avistou um local familiar da estrada no qual ele lembrou já ter estacionado na companhia dos pais, então ele perguntou:

- Por que você me trouxe aqui pai?
- Por que eu quero que você lembre de uma coisa... - respondeu o pai do rapaz - Mas precisamos fazer aquela velha trilha...então, topa?
- Tudo bem...
- Que bom, então vamos.

Os dois seguiram uma trilha dentro de uma floresta por quinze minutos, até que chegaram na beira de um riacho, no qual havia uma pequena cascata, onde eles se sentaram. Nesse momento, Daniel, impacientemente, perguntou:
- Agora você pode me dizer o motivo pai?

- Posso sim meu filho! Na verdade eu quero que você me diga uma coisa - disse Pedro com um tom de voz calmo - Você se lembra do que me disse na última vez em que nós estivemos nesse lugar?
- Ah pai, eu devo ter dito muita coisa! Eu não sei...
- Não meu filho - continuou Pedro - Você me disse da última vez que estivemos aqui, há mais de dois anos, que você queria ser educador físico, porque o seu sonho era ser como o seu instrutor de natação e eu lhe disse que desistisse disso...lembra?
- Err...lembro... - disse Daniel incerto - Mas por que o senhor resolveu me trazer aqui só para me lembrar disso?
- Por que não foi só para isso! Eu queria te mostrar que você é como aquela cascata, segue o seu próprio fluxo e eu não posso tentar te conter...eu fui insensível e ignorante por tentar controlar a sua vida em todos os aspectos possíveis!
- Isso não tem importância pai, eu estou gostando de cursar Direito!
- Mas eu não estou me referindo somente a isso...meu filho, eu sei sobre o Enzo!
- Do que você está falando pai - respondeu Daniel apreensivo.
- Não precisa ter medo filho! Eu sei de tudo desde antes da morte da sua mãe!
- É mesmo? Mas por que nunca me disse nada?
- Eu não sabia como tocar no assunto e, para falar a verdade, eu não sabia, ou melhor, ainda não sei como me sinto em relação a isso!
- Como assim? - perguntou Daniel confuso e ainda apreensivo com a possibilidade de decepcionar o pai - o senhor também está decepcionado comigo?
- Também?
- Sim, também estava decepcionando a minha mãe... - respondeu Daniel em tom quase inaudível.
- Do que você está falando? Você nunca nos deixou decepcionados! Na verdade sempre foi o nosso maior orgulho!
- Ela queria que eu tivesse uma boa esposa, mas eu não consigo pai! Eu...eu gosto do Enzo... - Daniel começou a chorar.
- Calma meu filho - disse Pedro ao abraçar Daniel - Eu preciso te contar uma coisa que talvez te faça se sentir melhor - ele respirou fundo, então continuou: - A sua mãe também sabia do Enzo e nunca desaprovou isso, na verdade, ela me disse antes de morrer que te amasse independente de qualquer coisa! Por isso...meu filho, por isso que eu quero que você faça da sua vida o que você quiser a partir de agora, sem pensar se vai me decepcionar ou não! Desde que você não faça nada ilegal, eu nunca vou te dizer que você está errado, pois eu só quero que você tenha um motivo para viver... - Pedro começou a chorar - Não desista da vida, por favor meu filho!
- Pai... - Daniel abraçou o pai bem apertado e os dois permaneceram desse modo por longos minutos, até que Daniel quebrou o silêncio: - Eu não desisti da vida, é só que o fato de perder o amor da minha vida estava me deixando sem vontade de fazer qualquer coisa.
- Eu entendo meu filho...mas eu quero lhe dar um conselho muito valioso também: Não deixe a sua vida depender de outras pessoas! Ame, ame intensamente, mas sempre se permita existir além desse amor, pois quando a relação acabar, você sempre terá as sua próprias razões para viver! É por isso que eu falei da Educação Física...se esse é realmente o seu sonho, vá atrás dele!
- Mas eu vou começar o quinto semestre pai! Isso é metade do curso!
- E dai? Você é jovem! Ainda tem tempo de sobra para ir atrás dos seus sonhos! Eu acho que você precisa e algo novo no que focar para  sua vida! Eu sei que a sua mãe faz muita falta, acredita, mas a vida, infelizmente, tem que seguir sem ela.
- Realmente, ela faz muita falta e o fato de achar que eu talvez pudesse tê-la decepcionado deixou as coisas ainda piores, mas eu...eu não sei, estou me sentindo um pouco mais leve.
- Desculpe por ter omitido isso filho...eu não entendia a profundidade do que você sentia por esse rapaz até o momento em que te vi definhar diariamente por não estar com ele e...desculpe por isso, mas outra noite eu passei perto do seu quarto e ouvi você rezando e pedindo perdão por ainda gostar do Enzo, quando a sua mãe não aprovaria isso. Isso cortou meu coração e me fez repensar a minha decisão de omitir isso de você e, mais ainda, fez-me repensar os meus conceitos. Portanto, se é ele que você ama, quem sou eu para dizer que você está errado?! Apenas não esqueça de você mesmo tá?
- Então...então o senhor está dizendo que aprova isso? - perguntou Daniel animado.
- Bem...sim, eu estou dizendo isso!
- Nossa, o senhor não sabe o quanto isso me faz feliz!
- Bom, eu posso imaginar!

Dessa forma, finalmente, Daniel tomou conhecimento do que a sua mãe pensava a respeito do seu relacionamento com Enzo e isso o deu um novo motivo para se alegrar com a vida. Enquanto voltavam de carro para casa, o pai do rapaz perguntou:

- E agora, você vai voltar a err...se relacionar com aquele rapaz? - Pedro tinha um tom reservado e um pouco desconfortável.
- Relaxa pai - disse Daniel rindo - não precisa ficar tenso! Bom, eu não sei pai...eu pensei no que o senhor disse e talvez eu precise me reestruturar antes de iniciar qualquer relacionamento! Além disso, eu já fiz muito mal ao Enzo e já o fiz sofrer demais sabe? Acho que ele merece ser deixado livre para seguir a vida sem mais sofrimento, mas quem sabe quando eu estiver melhor, nós possamos pelo menos voltar a ser amigos!
- Eu entendo! Bem, seja lá o que você decida fazer, saiba que tem todo o meu apoio!
- Obrigado pai!
- E quanto à faculdade?
- Bem - respondeu Daniel em tom calmo e firme - Eu realmente não quero largar direito a essa altura do campeonato, mas pensar novamente em Educação Física me trouxe boas lembranças do quanto eu gosto disso...portanto, se o senhor puder pagar o curso, eu ficaria muito feliz em conciliar os dois!
- Você acha que consegue?
- Eu acho que sim pai - respondeu Daniel com segurança - o meu curso tem horários predominantes em um turno a partir de agora, então posso fazer o outro curso no contra-turno.
- Sendo assim, eu ficarei muito feliz de pagar o curso para você! Mas já lhe aviso que eu exijo um rendimento muito bom em ambos os cursos, para me provar que você consegue conciliar os dois, ok?
- Tudo bem pai!

Enquanto isso, no Aeroporto Internacional João Ribeiro Barros, em São Patrício, Pietro e Enzo estão desembarcando de um avião vindo do Rio de Janeiro. Enquanto andavam pelo salão de desembarque, Enzo é surpreendido por alguém batendo em suas costas e dizendo:

- Oi Enzo! - disse Guilherme, outro ex-namorado de Enzo, com a sua habitual irreverência.
- Guiherme! - respondeu Enzo abraçando o recém-chegado - O que você está fazendo aqui?
- Ah, eu vim passar uns dias com os meus pais antes de retornar às aulas. Mas e você, por que está aqui no aeroporto? Está chegando de onde?
- Ah, eu viajei para o Rio com o meu amigo, que, a propósito, chama-se Pietro - disse Enzo apontando para Pietro que tinha se mantido calado durante os cumprimentos dos dois rapazes.
- Ah, ta! Oi Pietro, prazer em te conhecer! - respondeu Guilherme analisando o rapaz dos pés à cabeça e estendendo a mão direita.
- Eu digo o mesmo! - replicou Pietro apertando a mão  de Guilherme.
- Vocês estão tipo...namorando? - perguntou Guilherme.
- Não! - respondeu Enzo prontamente - Será que dois rapazes não podem viajar juntos e ainda serem amigos?
- Não com um pedaço de mal caminho como você! - disse Guilherme apertando a bochecha de Enzo.
- Você não muda mesmo não é?! - perguntou Enzo.
- Claro que não! E você me ama assim mesmo certo? - respondeu o rapaz rindo.
- Claro...perdidamente!
- Mas então onde está o seu namorado Enzo?
- Ah...é uma longa história...você tem tempo?
- Claro! Para você todo o tempo do mundo!
- Ótimo! Então você pode vir fazer um lanche conosco! - disse Enzo - Tudo bem para você Pietro?
- Claro, sem problemas!
- Certo, então vamos logo!

Dessa forma, uma figura muito importante da vida de Enzo retorna para a vida ele em um momento no qual ele está tentando "reconstruir" a sua vida sem Daniel, com a ajuda de Pietro, que se tornou o seu melhor amigo.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Capítulo 1 - A Benção dos Imortais (Cont.)

- Nádia! Por que você está fazendo isso a este lugar? - Afirmou Gélim enfaticamente.
- O que você esperava?! Que eu realmente agisse como se nada tivesse acontecido? - Nádia demonstrava ira enquanto falava.
- Mas o que aconteceu? Vamos conversar Nádia!
- Eu não quero conversar! Só preciso agir e causar tanta dor quanto eles me causaram! Obrigado por me dar o poder para fazer isso! - Nádia sorriu brevemente, mas não era de fato felicidade que irradiava pelo seu rosto.
- Os seus poderes não deveriam causar nenhum mal às pessoas! Deixe-me ajudá-la Nádia!
- Cale a boca Gélim! Você nunca me compreendeu!
- Eu nunca....
- Chega! - Bradou Nádia enquanto levantava ambas as mãos.

Repentinamente, surgiu uma tempestade de neve a partir das mãos de Nádia e, conforme ela movimentava alternadamente cada mão, estalactites de gelo voavam em direção a Gélim, que as desviava facilmente.

- Nádia, por favor, pare com isso! - Disse Gélim incerto.
- Por que eu deveria? - Nádia ainda sustentava o sorriso no rosto.
- Porque eu estou mandando! - Gélim abriu os braços e uma tempestade de neve se formou progressivamente até atingi Nádia, que surpreendentemente, não saiu do lugar.
- Não desta vez mestre! - Ela olhou diretamente para o Imortal e, fazendo a gesticulação das palavras, disse: - отдых в мирном Gelim!

Nesse momento, a tempestade cessou progressivamente, até sobrar apenas uma estátua de gelo no lugar onde Gélim esteve, a qual, segundos depois, se desfez em minúsculos flocos de neve, que foram levados pelo vento e deixaram o lugar antes ocupado pelo Imortal do gelo vazio.

- COMO VOCÊ SOUBE DISSO? - Bradou Flamus.
- Por que eu ensinei a ela o que eu mesmo pretendia fazer hoje! - Disse um homem que surgiu de trás de uma das casas do pequeno vilarejo.
- Espera...essa voz - Flamus virou em direção ao locutor - Não pode ser! Você morreu há muitos anos!
- Eu acho que não Flamus! Talvez você devesse se esforçar mais da próxima vez! Ah...que pena que não vai haver uma! - O homem fez a gesticulação das palavras e disse: - requiescant in pace Flamus!

De repente, uma labareda de fogo surgiu ao redor de Flamus e, quando esta se extinguiu, restava apenas a neve derretida e um circulo vazio onde antes estivera o Imortal do fogo.

- O QUE VOCÊ FEZ? - Gritou Ethan.
- Nada que você não fosse ter vontade de fazer muito em breve! - Respondeu o homem, que aparentava ter 35 anos - A propósito, meu nome é Saulo e eu quero que você seja o meu pimeiro aprendiz!
- NUNCA! - Bradou Ethan enquanto corria em direção a Saulo - DESFAÇA ISSO AGORA! - Enquanto falava Ethan movimentava os braços e um anel de fogo circulava sobre a sua cabeça, então ele o atirou em direção a Saulo.
Desine! - Assim que Saulo proferiu as palavras, o anel de fogo se extinguiu - Você é bom, mas eu posso te tornar ainda melhor! Flamus nunca te ensinaria o que eu irei se você aceitar ser meu discípulo, porque ele não queria que você crescesse, estava apenas preocupado em possuir outro seguidor! Pense nisso e, se quiser, pode me encontrar no Monte Corona para iniciarmos o seu verdadeiro treinamento! - Finalizadas as palavras o homem desapareceu, deixando um resquício de fumaça no ar.
- NÃO! - Bradou novamente Ethan.

Logo em seguida, surgiram labaredas nas mãos de Ethan, que se espalharam pelo corpo todo. O garoto permaneceu em uma posição estática enquanto as chamas se tornavam ainda mais intensas.
Quando as chamas se tornaram um redemoinho de fogo, surgiram queimaduras pelo corpo de Ethan, que permanecia imóvel. Nesse momento Oliver disse:

- Ei! Pare com isso...acho que você sobrecarregou o seu corpo... - Oliver estava aflito e não sabia o que fazer, enquanto Ethan permanecia sem esboçar nenhuma resposta, então disse: - Desculpe por isso! - Oliver abraçou Ethan e o envolveu em uma grossa camada e gelo, que cessou o fogo e congelou o corpo do garoto.

 Na confusão, Oliver não percebeu quando Nádia também desapareceu, então se viu sozinho com Ethan, que lhe era um completo estranho cuja vida ele acabara de salvar. Inicialmente, ele descongelou Ethan, que caiu no chão e prontamente começou a se contorcer de dor. Oliver perguntou:

- Precisa de ajuda?
- O que aconteceu? - respondeu Ethan em meio aos gritos de dor - O que você fez?
- Eu não fiz nada! - disse Oliver um pouco ofendido - Apenas apaguei o fogo que você mesmo criou!
- Eu criei?
- Sim...e depois ficou como se estivesse hipnotizado ou em transe...eu não sei direito...
- Eu não lembro disso! - Ethan ainda gritava de dor - Meu deus! Meu corpo está doendo muito!
- Eu posso te ajudar...com o gelo...queres?
- Sim! Sim, por favor!

Oliver criou uma fina camada de neve, a qual foi colocada sobre as áreas de vermelhidão no corpo de Ethan, então disse:

- Você...lembra do que aconteceu?
- Sim...eu não sabia o que fazer, então simplesmente me desesperei e...bem, acho que entrei em crise... - Ethan demonstrava frustração - Meu corpo está queimado agora e eu não estou acostumado com isso, porque...bem, você sabe...esse é o meu elemento!
- Relaxa! - Disse Oliver enquanto continuava com as "compressas de gelo" - Eu também nunca tive medo do gelo, até ter euqueimaduras graves por conta dele! Bem, eu ainda me sentia seguro para lidar com meu elemento quando...bem, quando Gélim estava aqui, mas agora...eu...simplesmente não sei  que fazer.
- Pelo menos você não é um perigo para as pessoas ao teu redor....já eu...
- Nunca subestime uma tempestade de neve! - Disse Oliver, para amenizar o assunto.
- Bem, isso é verdade...mas...e agora? Eu não tenho para onde ir! Flamus era meio que meu tutor!
- Quer dizer que você não tem pais?
- Bem...é uma longa história, sobre a qual eu não quero falar!
- Tudo bem! Eu entendo...olha...eu acho que tenho uma solução, por enquanto - disse Oliver incerto - Eu tenho que voltar para casa, já que eu não sei onde está Gélim. Se você quiser vir comigo...
- Ir para a sua casa? Mas você mal me conhece!
- Você é um elemental certo? Isso quer dizer que, tecnicamente, somos quase primos!
- Bem...eu não sei...e quanto aos seus pais?
- Vem logo! De qualquer maneira temos que sair daqui!
- Isso é verdade! Vamos então!

Os garotos caminharam até a estação mais próxima para pegar o trem transiberiano até Moscou, de onde continuaram utilizando a malha ferroviária europeia para chegar até Londres e, finalmente, à cidade natal de Oliver: Birmingham. Quando se aproximavam da casa de Oliver, este disse:

- Ethan...podes esperar um pouco aqui fora, enquanto eu converso com eles?
- Eles não vão deixar eu ficar né? Eu já sabia! - Disse Ethan em tom desanimado - Eu não quero te colocar em problemas, eu já agradeço muito por teres me salvo...
- Não seja teimoso! - Disse Oliver em tom firme, porém gentil - Eles são muito compreensivos e nunca te deixariam ficar por aí sozinho! Só preciso de um minuto para dizer a eles o que aconteceu, tudo bem?
- Certo.

Oliver adentrou a casa e, alguns segundos depois, surgiu uma mulher alta, de cabelos loiros, como os de Oliver, a qual parecia aflita com alguma coisa. Quando esta se aproximou do garoto, perguntou:

- Você está bem?
- Err...sim senhora! - Disse Ethan timidamente.
- Ora, não fique nesse frio - fazia 5° na região - entre, vamos! - enquanto convidava o garoto a entrar ela continuou: - Você pode ficar o tempo que quiser aqui conosco! Este é o meu marido Darwin - disse ela quando adentraram a enorme sala dos Fletcher, apontando para um homem de estatura mediana, cabelos marrons, olhos verdes, como os de Oliver, e que aparentava ter 40 anos.
- Muito prazer meu jovem! - Disse o homem oferecendo a mão a Ethan, que a apertou fracamente - Qual o seu nome?
- Ethan senhor...
- Pode me chamar de Darwin.
- Mãe...pai...o Ethan precisa descansar...posso levar ele para o quarto e já volto para nós conversarmos melhor?
- É claro meu filho - Disse Darwin - Até mais Ethan.
- Até mais senh...quero dizer...Darwin! Até mais senhora.
- Até mais Ethan, mas você pode me chamar de Daisy também.
- Eu já volto.

Oliver levou Ethan até o seu quarto, que felizmente tinha um beliche e era grande como todo o restante da casa. Ethan o acompanhou observando tudo em silêncio, porém, quando notou as duas camas, perguntou:

- Você tem irmãos?
- Bem, tecnicamente eu sou filho único...
- Como assim?
- A minha mãe estava grávida de gêmeos, porém o meu irmãozinho morreu logo depois de nascer...bem, a minha mãe nunca superou isso, então ela continua comprando tudo em dobro desde o meu nascimento. É um pouco estranho, mas o meu pai me disse que os médicos não veem problema nisso, já que ela é... "funcional", é esse o termo que eles usam!
- Ah, entendi...bom, eu sinto muito!
- Tudo bem! Na verdade, de certa forma é melhor, porque eu tenho tudo em dobro e, se quiseres, eu posso dividir contigo!
- Comigo? Como assim?
- Eu sempre quis ter um irmão ou algo assim...os meus pais não querem mais ter filhos, porque isso poderia piorar o estado da minha mãe, e a minha família é muito pequena, eu não tenho primos ou algo do tipo sabe...então, já que você não tem casa, você poderia ficar aqui e ser meu...amigo, pelo menos!
- Mas a gente mal se conhece...por que você acha que eu seria um bom amigo?
- Por que você é como eu!
- Ah... - Isso deixou Ethan sem mais palavras.
- Não precisa responder agora! - disse Oliver rapidamente - Apenas descanse e depois eu vou fazer mais uma compressa de gelo - dito isso o garoto saiu do quarto.

Oliver levou mais de duas horas para compartilhar os detalhes da sua jornada e para tranquilizar os pais depois e contar sobre o que acontecera em Ulan-Ude, incluindo as queimaduras de Ethan. Além disso, ele conversou com os pais sobre a possibilidade de Ethan passar a morar com eles. A mãe do garoto proferiu a seguinte resposta:

- Eu adoraria que ele pudesse ficar aqui, porque ninguém merece ficar sozinho nesse mundo e nós temos uma casa tão grande, mas nós só podemos fazer isso com o consentimento dele!
- Então, se ele aceitar, vocês deixam ele viver aqui com a gente? - Perguntou Oliver animado.
- É claro que sim meu filho! Nós nunca poderíamos deixar ele sair sozinho pelas ruas.
- Mas nós também precisamos nos certificar de que ele não tem nenhuma família! - Disse Darwin - Se ele não tiver, nós com certeza preferimos que ele fique aqui meu filho!
- Legal! Eu vou contar para ele!

Oliver subiu as escadas correndo, porém, quando abriu a porta, encontrou Ethan com meio corpo para fora da janela, o qual levou um susto ao ver o garoto e disse:

- Não era para você ver isso!
- O que você está fazendo? - Disse Oliver, confuso.
- Meu lugar não é aqui...e eu tenho coisas para fazer!
- Coisas? - Perguntou Oliver atravessando o quarto em direção à janela - Que tipo de coisas?
- Você não entenderia...
- Tenta... - Oliver parou a poucos centímetros da janela, levantou ambos os braços e disse: - Olha eu não posso te obrigar, mas gostaria muito que ficasses, assim como os meus pais...
- Eu quero...eu quero vingança...eu não quero mais ficar sozinho ou ter culpa pela morte daqueles que eu gosto!
- Eu não acho que os Imortais estejam, de fato, mortos - disse Oliver tranquilamente - E aquilo não foi culpa sua!
- Então onde eles estão? Se eu não fosse fraco eu teria acabado com aquele idiota do Saulo! - Ethan estava visivelmente irado.
- Aquilo não foi sua culpa! Esquece isso tá! E, se depender de mim, nunca estarás sozinho de novo!
- Eu preciso ir atrás do Saulo...
- Acho que uma força-tarefa elemental seria melhor que apenas você certo?
- Do que você está falando? - perguntou Ethan mais calmo.
- Talvez você não saiba, mas eu sou um ótimo elemental do gelo e, bem...antes de "morrer", Gélim me disse que os elementais podem encontrar uns aos outros!
- Outros elementais?
- Sim! Somos oito a cada 10 anos! Então ainda existem seis pessoas da nossa geração com seus seis respectivos Imortais para encontrarmos e nos unirmos para encontrar o Saulo e a Nádia também!
- Tem certeza de que eu posso ficar aqui?
- Bem, tem só um problema...
- Qual?!
- Você precisa me chamar de irmãozinho! - Oliver riu, assim como Ethan - Agora falando sério, você tem algum parente vivo?
- Não... - Ethan assumiu um tom melancólico - sempre fomos eu e o meu pai, até...
- Quer falar sobre isso?

Ethan aceitou contar a história da morte de seu pai, ao final da qual Oliver disse:

- Isso não foi sua culpa...de verdade! Você não poderia controlar o seu poder por muito tempo! Quem sabe o que poderia ter acontecido aos meus pais se eu esperasse até os 14 anos...
- Eu sei...foi burrice minha...
- Não, isso foi um gesto de amor pelo teu pai e eu acho isso muito legal! Eu sei que os meus não podem substituir ele, mas eles são muito bons para mim...
- Então eu posso ficar mesmo?
- Claro! Meu pai só impôs essa condição, então quer dizer que você pode ficar.
- Bem, eu gostaria de ficar então...
- Legal! Eu vou ser o melhor amigo que você já teve!
- Bom, eu nunca tive muitos amigos, então não vai ser algo tão difícil!
- Todos os elementais do fogo são estraga-prazeres ou é só você mesmo?

Desde esse dia, Ethan passou a morar com os Fletcher, que o adotaram como um filho alegando que este fora encontrado na rua e o rebatizaram, depois de dois anos de um longo processo legal, como Ethan Fletcher.
Os dois garotos passaram este dois primeiros anos procurando os os outros elementais, até que em 2014, eles finalmente, encontraram Gabriela Rodrigues, a elemental das plantas. Depois disso, a casa dos Fletcher, que tinha muitos quartos, se tornou uma espécie de quartel-general, com a total provação dos pais de Oliver, pois, infelizmente, os outros Imortais também tiveram o mesmo destino de Gélim e Flamus e os meninos e meninas, apesar de terem casa para voltar, precisavam aprimorar as suas habilidades de controle dos poderes.
Assim, no quartel-general dos Fletcher, os oito elementais, escolhidos no ano de 2001, começaram a treinar as suas habilidades juntos e eles se tornaram cada dia mais fortes e precisos na utilização dos seu poderes.
Seis anos se passaram desde o desaparecimento de Gélim e Flamus e, nesse tempo, Ethan e Oliver se tornaram praticamente inseparáveis, pois construíram uma amizade que, na verdade, os tornou realmente irmãos. Eles se tornaram os lideres dos outros elementais e uma espécie de instrutores para eles, visto que foram os únicos que realmente receberam, ainda que pouco, algum tipo de treinamento de um elemental.
Porém, uma coisa ainda inquietava Ethan: Ele nunca achou Saulo, o homem que "matou" Flamus, o Imortal que se tornou uma especie de pai para ele, mesmo que por pouquíssimos dias, depois que ele perdeu o seu pai biológico na triste tragédia ocorrida quando ele tinha 14 anos. Apesar disso, Ethan seguiu a vida normalmente diante de toda a receptividade dos Fletcher e até quase esqueceu a sua vingança contra Saulo. Porém, muito em breve, este personagem do seu passado voltaria para lhe lembrar destes sentimentos.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Capítulo 5 - Revolução: A Homorevolta (Cont.)

O primeiro dia no acampamento dos refugiados de Gorgi começou pouco auspicioso, já que o nosso anfitrião Raul nos despertou com um balde de água fria, diretamente coletada do rio mais próximo para essa finalidade, gritando:

- ACORDEM! Precisamos iniciar as tarefas do dia!
- Quais tarefas Raul? E por que tão cedo?
- Por que eu estou mandando! Vai questionar minhas ordens?
- É claro que não! Certo Felipe?
- Err...certo, certo! O que nós precisamos fazer?
- Eu já vou lhes dizer! Mas acho melhor que vocês aprendam quem está no comando aqui!
- Nós sabemos Raul. Nem se incomode em explicar!
- Melhor assim! Não demorem!

Assim que Raul se afastou, William se virou para mim e disse:

- Felipe, precisas ter mais cuidado com o Raul, afinal ele não é a pessoa mais equilibrada que eu conheço!
- Eu sei William, eu só...desculpa, vocês devem estar achando que eu ainda sou um principezinho mimado...
- Nós sabemos que não é o caso, mas precisas tomar mais cuidado ok?!
- Tudo bem! Obrigado pelo conselho William!
- De nada! Apenas se cuida tá?!

Inesperadamente, William me abraçou e eu me senti a obrigação de retribuir, embora não tenha entendido a motivação do gesto. Depois disso, ele e Tomás foram até o rio para realizar o asseio, enquanto eu, finalmente, me dirigi a Bernardo, que ainda não tinha se pronunciado naquele dia:

- Bom dia Bernardo! Por que você está tão calado hoje?
- Felipe...queres me explicar o que foi isso que acabou de acontecer aqui com o William?!
- O que? o abraço? Eu também não entendi!
- Eu não sabia que vocês tinham esse tipo de intimidade!
- Ah, nem eu, mas...pera aí... você está com ciúmes?
- O que? Eu...não!...Quero dizer, sim...ah, eu não sei! Mas fiquei surpreso com isso!
- Eu também fiquei! Acredite!
- Tudo bem, vamos esquecer isso então! Agora, mudando de assunto...você vai ao rio agora?
- Sim...precisamos ir até lá pra os livrarmos desse suor e sujeira! Mas por que a pergunta?
- Bem, é que nós nunca nos vimos...em trajes menores...você não se importa?
- Ah...eu não tinha pensado nisso!...o que você acha disso?
- Se você quiser ir sozinho eu posso esperar, sem problemas!
- Ah...não sei...acho que deveríamos aproveitar ao máximo as nossas oportunidades de ficarmos juntos e a sós, certo? Então acho que deveríamos ir juntos!
- Tudo bem, se é isso que você quer...vamos lá!

Nós esperamos William e Tomás voltarem do rio, então fomos até lá. Confesso que eu fiquei nervoso por ter que tomar banho ao lado de Bernardo, porém eu tentei parecer o mais tranquilo possível, pois eu percebi que, ao me perguntar como eu me sentia em relação a isso, ele estava expressado a sua própria ansiedade. De fato, eu entendo o nervosismo dele, afinal ele não esteve com muitas pessoas ao longo da vida e duvido que alguma vez tenha se exposto dessa forma.
Conforme ele retirava as suas roupas eu pude, efetivamente, perceber o quão atraente e bonito ele é. O trabalho braçal lhe conferiu um porte realmente digno de um guerreiro. Ele tem um peitoral grande, braços musculosos, abdômen definido e pernas torneadas. Esse conjunto de características contrastam com a delicadeza do seu rosto, que, apesar de ter traços bastante másculos, tem impressas nele a pureza e a tranquilidade com que ele vê a vida. Enquanto eu processo essas percepções, eu não noto que ele me flagrou o observando, até que ele diz:

- Você está me deixando sem graça...

Ele está, evidentemente, envergonhado, pois o seu rosto está levemente corado. Eu fico da mesma forma, pois eu não sei como lidar com a situação. De fato, o que me deixa nervoso sobre isso não é a beleza do seu corpo, mas o fato de ser Bernardo, o meu namorado, com quem eu ainda não tive nenhum tipo de intimidade. No passado, eu já vi muitos homens com belos corpos, mas nenhum deles tocou meu coração ou me fez realmente atentar para outras coisas, como o fato de que o rapaz que está a minha frente fica muito lindo e atraente quando está encabulado. Pensando nisso, eu finalmente decido o que fazer. Eu me lanço em direção a ele e o beijo apaixonadamente, então digo:

- Eu peço desculpas! Mas, embora isso não tenha a menor importância, você é um homem muito lindo!
- Você está me deixando sem graça novamente! Eu...não sei o que dizer...
- Não diga nada! Apenas aceite o elogio! E, a propósito, você fica uma gracinha envergonhado!

Dito isso, nós dois rimos da situação e o clima fica mais leve, então eu também retiro as minhas roupas. Assim, nós adentramos o rio juntos e nos sentindo bastante à vontade em relação à nudez um do outro, tanto que aproveitamos o tempo para nos beijarmos e trocarmos carícias que não nos permitimos quando estamos rodeados de pessoas. Nesse sentido, eu percebo que Bernardo me toca com mais intensidade, até que, de repente, ele me puxa para mais perto de si e diz próximo à minha orelha:

- Eu te amo! Prometo que isso vai terminar logo e nós poderemos nos casar e...ir além...
- Eu posso esperar...meu...meu amor!
- Você não fica frustrado de ter que ir tão devagar?
- De forma alguma! O que me importa é estar ao teu lado! Apesar de não poder deixar de notar o quão belo você é ou te desejar cada dia mais! Porém, a sua fé me cativa e eu posso muito bem respeitá-la, já que você respeita o fato de eu já ter experiência e nunca ter dito qualquer coisa a esse respeito.
- Eu nunca te julgaria Felipe! Eu posso ver, a despeito do seu passado, a maravilhosa pessoa que você é! Mas...mudando de assunto, eu ouvi você me chamar de meu amor?
- Bem...sim! Você é o amor da minha vida! Aquele que me fez redescobrir os meus valores e as minhas aspirações na vida! Sabia que eu nunca tinha pensado em me casar antes? Mas agora é o que eu mais quero!
- Sério? E pode ser comigo?
- Não meu amor, lamento, mas eu quero me casar com o Raul!

Enquanto eu e ele rimos da última frase, Raul realmente aparece, bradando:

- O que as donzelas estão fazendo aqui para demorarem tanto?
- Desculpa Raul, já estamos terminando!
- Eu acho bom! Se eu não vir vocês na clareira agora, vocês sofrerão sérias consequências!

Assim que Raul toma o caminho de volta para a clareira, eu me viro para Bernardo e digo:

- Será que ele ouviu?
- Acho que não!
- Ainda bem! Porque ele é, definitivamente, a última pessoa com quem eu quero me casar!

Ainda rindo da situação, eu e Bernardo saímos do rio, alcançamos as nossas roupas, nos vestimos e seguimos o caminho de volta para a clareira. Quando nos reunimos ao restante dos acampados, Raul está na frente de todos dizendo:

- Até que enfim resolveram se juntar a nós! Eu já ia começar a discutir as tarefas! Bem, minha contagem identificou que nós temos, atualmente, trinta e dois acampados aqui, então eu vou dividir quatro grupos de oito pessoas nas seguintes tarefas: busca de suprimentos, preparação da refeição, coleta de madeira para a fogueira e proteção do acampamento. Vocês, novatos, estarão divididos entre os quatro grupos, então o magricela ali (Felipe) vai ficar a preparação da comida, o porta-voz aqui (William) vai comigo para a busca de suprimentos, o namorado dele (Tomás) vai com o grupo da coleta de madeira e o grandão ali (Bernardo) vai ficar no grupo de proteção.

Assim que o discurso terminou, as pessoas se juntaram aos seus respectivos grupos, porém eu não me movi, apenas virei para os meus companheiros e disse:

- Vocês acham que é seguro nós nos separarmos?
- Claro que não Felipe! Mas, aparentemente, não temos outra escolha! Mas...por que ele me chamou de porta-voz?
- Ah querido, é porque você é sempre o primeiro a falar ou amenizar uma situação desde que chegamos aqui!
- Do que estás reclamando! Ele me chamou de magricela diante de todos!
- Ah, isso realmente soa pior! Desculpe! Mas, mudando de assunto...tomem cuidado enquanto estivermos separados e observem se há algo suspeito nas pessoas com quem vocês estarão. Precisamos saber se é realmente seguro nos juntarmos a eles.

William se despediu de mim me abraçando e eu pude ver, novamente, o quanto isso desagrada Bernardo pela expressão que ele faz ao observar o fato. Tomás, entretanto, não pareceu nem minimamente incomodado com isso.
Talvez percebendo a situação, William também deu um discreto abraço em Bernardo e depois saiu para se juntar ao seu grupo, assim como Tomás. Quando restamos apenas eu e o meu namorado, eu comentei:

- Por que essa cara?
- O que? Que cara?
- Se você vai começar a mentir para mim, eu acho melhor você treinar antes...
- Desculpe! Eu não sei...apenas não gosto do modo como o William se tornou tão carinhoso em relação a você!
- Mas qual o problema?
- Eu não sei...isso...isso me faz sentir incomodado...ameaçado talvez...eu não sei explicar!
- Isso se chama ciúmes! E é normal! Mas, você não precisa se sentir assim, porque eu não estou interessado no William e acho que nem ele em mim! Além disso, você viu que o Tomás pareceu nem se importar com isso?
- É, isso é verdade! Bem, desculpe Felipe, eu só...te amo muito e...não sei lidar com esses sentimentos ainda!
- Tudo bem...nós descobriremos juntos tá? Apenas...não esconda como você está se sentido de mim...isso pode deixar as coisas confusas!
- Eu prometo que não vou mais fazer isso!
- Que bom! Agora vamos logo trabalhar, antes de sermos advertidos de novo pelo senhor simpatia!

Quando todos os grupos já haviam se envolvido em suas respectivas tarefas, ainda estava o começo da manhã. Confesso que ter sido colocado no grupo de preparação de refeições foi um pouco humilhante, primeiramente pelo fato de que só haviam mulheres nele e, em segundo lugar, porque eu não possuo qualquer habilidade culinária. Porém, tentei ajudar no que foi possível e quando os outros grupos retornaram, quase no final da manhã, havia um recipiente enorme cheio de verduras misturadas com restos de carnes variadas, o qual foi colocado para ferver na lenha trazida pelo grupo de Tomás, que foi o primeiro a retornar.O grupo de William retornou logo em seguida e eles, aparentemente, tiveram sucesso em coletar novos suprimentos, considerando-se os sacos que alguns deles tinham em mãos. Assim que chegou, William se dirigiu a Tomás e eles se beijaram intensamente, o que eu nunca os tinha visto fazer, pois eles sempre foram bastante discretos com carícias e beijos, provavelmente pelo tempo que tiveram que ocultar isso enquanto trabalhavam para o meu pai. Porém, depois do beijo, William caminhou até mim e disse:

- Como foi o primeiro dia de trabalho Felipe?
- Ah...foi bom...apesar do fato de que eu não entendo nada sobre preparação de refeições!
- Vais te acostumar!
- Assim espero!
- Err...Felipe, eu queria conversar sobre uma coisa contigo, mas não sei por onde começar...
- O que é? Pode falar...é algo grave?
- Relaxa, não é grave... é só um pouco complicado! Por isso acho melhor fazermos isso em outro lugar...podemos caminhar até o rio?
- Ah...eu não sei...eu ainda estou esperado o Bernardo e não sei o que ele vai achar disso!
- Eu prometo que vou ser o mais direto possível!
- Tudo bem! Despertastes a minha curiosidade!

Caminhamos até a margem do rio, então eu, prontamente, disse:

- Agora me diga William, o que querias me contar?
- Eu vou ser direto Felipe... Há alguns anos, antes de morrer, a minha mãe me revelou a identidade do meu pai, que eu pensava até então estar morto...
- Certo...mas como eu entro nessa história?
- Bem, é aí que eu quero chegar...Felipe, a minha mãe me revelou em seu leito de morte que o meu verdadeiro pai era o Rei, que na época era apenas o príncipe, com quem ela se envolveu secretamente e que logo depois se casou com a sua mãe, sem saber que minha mãe estava grávida...
- O que?! Então... o que você está me dizendo é que...que eu e você somos...irmãos?
- Sim! É isso mesmo Felipe!
- Mas como eu nunca soube disso? O meu pai sabe desse fato?
- Eu contei para ele há algum tempo, mas ele me pediu que não tornasse isso público... Ele não queria ter um filho bastardo, mas prometeu que cuidaria de mim e da minha "esposa" no que fosse necessário.
- Eu sinto muito William...tens tanto direito de ser um príncipe quanto eu...
- Não se preocupe Felipe, eu não me importo com essas titulações. Além disso, eu sei que o Rei é um bom homem e que realmente teria cuidado de mim.
- Eu imagino que sim...Ele pode ser um pouco severo com a família em prol do povo, como ele mesmo diz, mas tem um bom coração!
- De fato ele tem...Foi ele quem me pediu, de joelhos, que te guiasse para fora de Heliópolis. Além disso, ele sofreu cada dia que estivestes longe dele...eu sei porque era um dos seus oficiais mais próximos e me tornei ainda mais íntimo depois que lhe contei que era filho dele.
- Ele pediu de joelhos?
- Sim...e, na noite da nossa fuga ele me pediu para cuidar de você, enquanto estivermos foragidos e caso algo de ruim aconteça com ele...
- Nossa...eu sempre vi ele como um homem sem emoções... mas ele sempre esteve lá para mim...sempre me protegendo...
- Sim...ele sempre te amou e sempre vai te amar Felipe!...E eu prometi a ele que cuidaria de você... meu irmãozinho!
- Eu nunca pensei que fosse ter um irmão mais velho...eu acho que vou gostar da ideia!
- Sério? Então tudo bem pra ti? Quero dizer... você me aceita como irmão?
- É claro William! Tens me protegido todo esse tempo...eu te devo a minha vida! Além disso, és uma pessoa muito agradável, apesar de um pouco imperativo às vezes...definitivamente o papel de irmão mais velho combina contigo!
- Muito obrigado Felipe! Isso é muito importante pra mim!

Novamente, William me abraça e dessa vez eu não sinto nenhum estranhamento em retribuir. Porém, nesse momento eu ouço alguns galhos quebrando e vejo um vulto correndo atrás das árvores, então nos afastamos e eu digo:

- Bem...eu tenho que procurar o Bernardo agora, mas eu realmente fiquei contente com a notícia!
- Que bom! Por falar nisso, conta pra ele a notícia, ou então eu vou acabar sendo agredido da próxima vez que te abraçar!
- Confesso que ambos estávamos confusos com a ideia de me abraçares a todo momento! Mas acho que agora ele vai entender, embora seja melhor irmos mais devagar com essas demonstrações de afeto por enquanto.

Eu e ele saímos rindo da confusão que uma demonstração de carinho fraternal pode causar. Assim que alcançamos a clareira, Tomás se dirige a mim:

- E aí cunhado?!
- Então já sabias?
- Bem, ele me contou há alguns dias e eu quase o mato por não ter confiado em mim antes, mas depois ficou tudo bem!
- Eu disse a ele depois que nos flagrastes no castelo, que realmente tinhas mudado e que adoraria te contar que éramos irmãos. Aquela foi uma prova de que tinhas amadurecido sabe?
- Que bom que tivestes essa impressão, porque eu odiaria ainda ter qualquer traço do príncipe mimado que eu era! Agora eu vou procurar o Bernardo, ele já deveria ter voltado!
- Espera, vocês não encontraram com ele? Ele disse que ia procurá-los. Bem, ele pode ter tido que voltar para a vigília, pois eles não podem abandonar completamente a proteção do acampamento, então estão se revezando para se alimentarem e ele já veio aqui.
- Pode ter sido isso! Eu vou procurar ele...
- Até mais irmãozinho!
- Até...

No caminho de volta, eu repassei o que William me disse em minha cabeça e realmente fiquei feliz por ter um irmão agora. Isso tirou o peso da dúvida de que ele estivesse interessado em mim e me trouxe uma sensação boa de ainda poder contar com alguém relacionado à minha antiga família e ao meu pai...uma pessoa maravilhosa que eu, infelizmente, não tive a oportunidade de conhecer. Quando cheguei à margem do nosso acampamento, onde o grupo de Bernardo fica posicionado, eu o encontro sentado em um tronco, de cabeça baixa, então pergunto:

- Bernardo... tudo bem?
- Não Felipe...nada está bem...eu estou muito decepcionado com você!
- Como assim? O que foi que eu fiz?
- Eu vi você e o William na beira do rio!
- Ah...então foi você quem saiu correndo naquela hora?
- Sim...eu não aguentei ver aquela cena!
-  Que cena meu amor? O que você acha que viu?
- O que eu acho que vi? Não há como lutar contra os fatos, você estava nos braços dele!
- Você me viu beijá-lo? Ou algo mais comprometedor?
- Eu não fiquei para ver!
- Não havia nada para ver! Eu e o William estávamos sim nos ABRAÇANDO, mas somente porque ele me revelou que, na verdade, é meu irmão! Eu esperava que você pudesse me perguntar algo antes de me acusar ou, até melhor, que você pudesse confiar em mim...

Eu estava profundamente desapontado com a falta de confiança de Bernardo, então simplesmente virei as costas e caminhei de volta para a clareira. Porém, logo ele me alcançou dizendo:

- Felipe, essa história é verdade?
- Por que eu mentiria?
- Nossa...desculpa Felipe! Eu...eu sou um bobo por pensar aquelas besteiras...
- Sim, você é...e eu estou chateado!
- Desculpa Felipe! Mas é que...
- Por que você não confia em mim para começo de conversa?
- Não é que eu não confie em você...é só que eu não sei por que você não iria preferir o William a mim!
- Porque eu te amo!
- Eu...eu também te amo! Perdoa o que eu disse...por favor!
- Tudo bem...mas eu quero ficar sozinho tá? Preciso caminhar um pouco e espairecer!
- Eu entendo...
- Te encontro na clareira tá?

Eu beijo levemente os seus lábios e depois sigo caminhando por entre as árvores. É a primeira vez que Bernardo me decepciona dessa forma e eu não consigo deixar de sentir raiva dele por ter desconfiado de mim. Enquanto eu penso nisso, eu entro em um riacho que encontro pelo caminho, a fim de refrescar o corpo, assim como a minha mente e os meus pensamentos. Devido à confusão na minha cabeça associada à falsa impressão que o riacho dá de ser raso, eu não percebo quando há um desnivelamento no solo, até que eu estou me debatendo na água e a minha visão começa a ficar turva. Nesse momento eu tenho certeza de que vou morrer, pois eu não sei nadar, mas eu luto com todas as forças contra essa possibilidade, pois gostaria de ver o rosto de Bernardo mais uma vez e poder lhe dizer novamente o quanto eu o amo. Porém, minha visão escurece completamente e eu acho que não vou conseguir fazer isso.