Depois disso, como combinado, Enzo e Daniel se encontraram para se submeterem à coleta de sangue. Depois do procedimento, os dois rumaram de carro para a casa de Enzo. Enquanto estavam no trajeto, Enzo perguntou:
- Amor, o que o nome Lucas te lembra?- Lucas?... - Daniel respondeu, sem entender - Nada em especial, por que amor?
- Ah, quantos Lucas você conhece, que estudam na UFTU?
- Bem, tem dois rapazes chamados Lucas na minha sala... fora eles, não conheço mais ninguém! Mas por que esse interesse?
- Ah, eu não sei... esquece...
- Não! Por que o interesse? Agora você vai ter que me contar!
- Tudo bem... Você lembra do meu terapeuta, com que eu fui "malvado"?
- Claro! Eu nunca vou esquecer que você realmente tratou mal alguém!
- Cala a boca! - disse Enzo rindo - Eu já disse que eu não fui "malvado de verdade"! - Então ele adotou um tom mais sério - Bem, ele não vai ser mais meu terapeuta e, aparentemente, é por algum motivo relacionado a você!
- A mim?! Mas eu nem conheço o seu terapeuta! - respondeu Daniel, surpreso.
- Bem, ele disse que o nome dele te lembraria alguma coisa!
- Enzo, eu juro que não conheço nenhum Lucas na UFTU, fora os meus colegas de classe... - Daniel pensou um pouco sobre o assunto - Bem, talvez eu não o conheça da UFTU. Deixe-me pensar... eu conheci um Lucas nas aulas de natação, mas nós nunca fomos próximos... e também tem o... - Daniel se surpreendeu com a possibilidade - Também tem o filho da Rita, lembra? Eu te contei sobre ele! O nome dele era Lucas! Mas eu nunca mais o vi, então não sei por que ele não te atenderia por minha causa, se realmente for quem eu estou pensando!
- Sim! Eu lembro do que você me contou! Bem, é possível que seja ele, mas então qual o problema?
- Eu não faço a mínima ideia! - respondeu Daniel com firmeza.
- Bem, desculpa ter incomodar com isso, mas eu fiquei perplexo quando ele me disse isso!
- Não tem problema amor! Mas, mudando de assunto, eu tenho um convite para te fazer!
- O que é? Fala!
- Calma - respondeu Daniel, rindo - Na verdade, o convite é do meu pai! Ele me disse que você está convidado para um jantar na minha casa amanhã à noite!
- Sério? - disse Enzo, surpreso - Que legal! Claro que eu vou! Adorei o convite, embora o seu pai não tenha falado muito comigo desde aquele dia em que ele foi na minha casa.
- Bem, ele tem tentado ser bem compreensivo - explicou Daniel - Mas você sabe, os pais geralmente têm mais dificuldade em aceitar homossexualidade! Mas ele está indo bem! Eu juro que o convite veio dele e, inclusive, eu fiquei muito surpreso com isso também! Mas enfim, eu vou dizer a ele que você aceitou!
Aproximadamente meia hora depois que Daniel deixou Enzo em casa, Guilherme chegou na casa do rapaz e, prontamente, iniciou o assunto:
- Enzo, você já sabe não é? - ele tinha um olhar triste no rosto.
- Sim... eu não deveria te contar que eu sei, mas isso não importa! Então me conta, como você está se sentindo? Pode me dizer o que está passando na sua cabeça!
- Primeiro, desculpa! Você deveria saber disso por mim... mas eu estava muito... envergonhado, então você acabou sabendo pelo Pietro!
- Isso não tem a menor importância Gui! - disse Enzo, abraçando Guilherme - Cada um tem o seu tempo e, além disso, você não tem nada pelo que estar envergonhado!
- Eu sei Enzo... - respondeu Guilherme, enquanto se desvencilhava de Enzo - Mas cara... eu fico pensando em como eu deveria ter sido mais cuidadoso com as pessoas com quem eu já fiz sexo! Já passou um filme na minha cabeça e, eu fui muito irresponsável Enzo! Inclusive, a gente... você sabe, nós nunca usávamos nada!
- Eu sei Gui! Eu já estou verificando a possibilidade!
- Enzo, se eu te passei alguma coisa... - Guilherme começou a chorar - Desculpa! Eu nunca iria me perdoar...
- Calma Gui! Provavelmente eu não tenho nada, mas vamos esperar pelos resultados de qualquer forma! - disse Enzo, em tom calmo - Não se preocupa com isso agora! O que você realmente deveria fazer é contatar as pessoas com quem você teve relações nos últimos tempos, porque corre algum risco de elas possivelmente terem contraído o vírus e, sem saber, estarem o disseminando!
- Sim, você está absolutamente certo e eu estou fazendo isso, mas eu... eu mantive relações com tantas pessoas em São Paulo... é por isso que eu estou envergonhado!
- Esquece isso! Ninguém tem o direito de te julgar por isso e eu, com certeza, não te julgo! Você tem a liberdade de se relacionar com quantas pessoas você quiser, já que você é solteiro!
- Valeu Enzo! Você é um ótimo amigo! - disse Guilherme - Quer saber, vamos esquecer esse assunto e falar de outra coisa?!
- Concordo plenamente! Inclusive eu já até sei sobre o que falar! Você não vai acreditar no que aconteceu comigo hoje...
Enzo contou a Guilherme o que acontecera naquela manhã depois da sessão de Terapia Ocupacional. Depois de ouvir os fatos, Guilherme fez a seguinte consideração:
- Enzo, é simples, leva o Daniel com você na quinta-feira e confronta logo esse cara! Por que ele tem que ser tão misterioso?! Ele já ouviu falar de "ir direto ao assunto"?!
- Concordo com você! Ele tem sido tão estranho desde o dia em que nós nos conhecemos! Mas, de qualquer modo, eu não acho uma boa ideia confrontar ele no local de estágio e o Daniel também não pode ir, já que ele não pode perder nenhuma aula, sem uma boa justificativa!
- Ah, é verdade! O Pietro comentou algo desse tipo comigo! Bem, então convida ele para almoçar e acabar logo com esse mistério! Não gosto de nada misterioso! Eu fico logo curioso para descobrir todos os detalhes!
- Você é impossível Gui! - disse Enzo rindo - Mas valeu pelo conselho, acho que é realmente uma boa ideia e é isso mesmo que eu vou fazer!
Os dois permaneceram conversando até que, alguns minutos depois, a mãe de Enzo chegou em casa. Ao ver Guilherme, Maria disse:
- Olá Guilherme! Como vai?
- Oi dona Maria - respondeu Guilherme enquanto abraçava a mãe de Enzo - Eu estou bem! E a senhora? Linda como sempre!
- Ah, deixe de bobagem! - respondeu Maria rindo - Eu também estou bem meu filho! O que vocês dois estão aprontando hoje?
- Ah, nada em especial Dona Maria! Agora que o seu filho é comprometido com outra pessoa, a gente não apronta mais nada! Só estávamos conversando mesmo!
- Gui! - exclamou Enzo, rindo e corado - Isso lá é coisa que se diga para a minha mãe?!
- Ah meu filho, eu não sou nenhuma inocente! - respondeu Maria - Eu sei que vocês já devem ter aprontado muito mesmo!
- Viu! Dona Maria sabe das coisas! - disse Guilherme rindo - Bem, mas agora eu preciso ir resolver algumas coisas, então eu vou deixar a senhora curtir o seu filhinho Dona Maria.
- Tudo bem meu filho! Vai com Deus e já sabe, pode aparecer quando quiser!
- Ele sabe muito bem isso mãe - disse Enzo - Bem até demais!
- Cale-se Enzo! Você ama as minhas visitas e não adianta mentir!
Depois que Guilherme foi embora, Enzo e Maria conversaram sobre outros assuntos:
- E quanto a você meu filho - disse Maria - Como você está se sentindo hoje?
- Estou bem mãe! - afirmou Enzo - Por que?
- Bem, meu filho, o seu pai está um pouco preocupado com você! Ele acha que talvez você possa começar a se consultar com um psicólogo para te ajudar nessa fase em que você se encontra!
- Eu estou bem mãe! Eu juro! - respondeu Enzo com firmeza - Se eu estiver precisando de ajuda, eu prometo que vocês irão saber! Por falar nele, onde anda o Senhor Roberto? Ela não estava com você?
- Sim, ele estava! Mas ele foi resolver umas questões do trabalho dele, enquanto eu preferi vir para casa! Você tem certeza, quanto à questão do psicólogo?
- Sim mãe! Eu entendo que vocês estão preocupados comigo e que é provável que muitas pessoas que ficam paraplégicas se beneficiam bastante de consultas com psicólogos, mas eu não preciso no momento! Como eu disse, se eu precisar eu vou deixar vocês saberem!
- Tudo bem! Se é assim, então eu fico mais tranquila! - respondeu Maria - Você precisa de ajuda com alguma coisa? Porque eu vou preparar o almoço agora, mas se você precisar é só chamar.
- Eu acho que não! Bem, eu vou tomar banho agora e talvez precise de alguma ajuda para realizar a transferência para a cadeira de banho! Mas eu vou tentar sozinho e, qualquer coisa, eu grito se precisar da sua ajuda, tá certo?
- Certo! Então eu vou preparar o almoço agora - disse Maria, dando um beijo na bochecha de Enzo e depois se dirigindo para a cozinha.
Enzo, de fato conseguiu realizar a transferência para a cadeira de banho e realizou a sua atividade sem dificuldade, com o auxílio de barras de apoio previamente instaladas pelos seus pais no banheiro. Porém, quando ele tentou realizar a transferência de volta para a cadeira de rodas, ele escorregou e acabou caindo no chão. Ele permaneceu deitado por alguns segundos, então escalou a cadeira de rodas até conseguir sentar. Ele não mencionou o ocorrido para a sua mãe, mas enquanto estava no chão ele chorou pelo fato de depender da cadeira de rodas.
No dia seguinte, Daniel veio buscar Enzo de carro e os dois se dirigiram para a casa do rapaz. Ainda no carro, Enzo contou a Daniel sobre a conversa com Guilherme e a sugestão do rapaz sobre o possível almoço com Lucas, ao que Daniel reagiu positivamente. Quando chegaram no local, o pai de Daniel logo cumprimentou Enzo:
- Oi Enzo! Que bom que você aceitou o meu convite! - Pedro abraçou Enzo, ainda na porta da casa.
- Oi Seu Pedro! - respondeu Enzo, retribuindo o abraço, embora estivesse surpreso com a receptividade de Pedro - Obrigado!
- De nada! Pode entrar e ficar à vontade, a Zuleica vai vir chamar vocês para o jantar em alguns instantes! Eu preciso apenas enviar alguns arquivos para o escritório, então o Daniel pode te fazer companhia por enquanto.
- Tudo bem pai, pode ir lá! - disse Daniel, enquanto acompanhava Enzo, o qual estava conduzindo a cadeira de rodas para a sala de estar.
- Nossa, ele está me tratando tão diferente! - disse Enzo, depois que Pedro havia saído da sala.
- Eu te disse! - respondeu Daniel, que estava sentando em uma poltrona ao lado da cadeira de rodas do namorado - Ele estava todo animado por que você aceitou o convite ontem!
- Isso é legal! Talvez nós possamos até marcar um jantar com toda a família - disse Enzo animado - O seu pai e os meus pais juntos! Finalmente! Agora, mudando de assunto, quem é Zuleica?
- Ah sim - respondeu Daniel, rindo - Ela é a nossa diarista! Vocês nunca se cruzaram porque eu nunca te trazia aqui nos dias em que ela estava! Ela vem um dia na semana para limpar a casa e cozinhar alguma coisa e, às vezes, os meus pais contratam ela para esses jantares mais íntimos, então o meu pai contratou ela para preparar uma coisa especial e nos servir hoje!
- Ah sim! Eu achei que... - Enzo não terminou a frase.
- Você achou o que amor? - perguntou Daniel - Fala!
- Ah, eu achei que o seu pai estivesse com outra pessoa, mas depois eu não quis mencionar isso, porque eu acho que seria um pouco sem noção da minha parte!
- Fica tranquilo amor! - disse Daniel, beijando brevemente Enzo - Eu já estou bem em relação à morte da minha mãe! Mesmo se o meu pai estivesse com alguém, eu não ficaria chateado com o seu comentário!
Alguns segundos depois, Zuleica, a qual era uma mulher aparentando meia-idade, veio chamar os rapazes para o jantar. O pai de Daniel também logo se juntou a eles à mesa. Quando Zuleica serviu o prato principal, Enzo prontamente exclamou:
- Eu não acredito!
- Eu sabia que essa seria a sua reação! - exclamou Daniel.
- O Daniel me disse que você adora strogonoff Enzo! Então eu pedi à Zuleica que fizesse isso para o nosso jantar!
- Muito obrigado Seu Pedro! - respondeu Enzo - Eu absolutamente amo strogonoff!
- Isso é bom! Espero que você goste desse que a Zuleica preparou para nós!
Os rapazes passaram o jantar conversando sobre as novidades na vida de cada um e outras trivialidades. No fim da noite, Enzo estava satisfeito pelo delicioso strogonoff preparado por Zuleica e pelo modo como a vida tinha mudado o pensamento de Pedro, o qual parecia realmente feliz em tê-lo presente em sua casa como namorado de Daniel, sendo que alguns meses antes ele o tinha tratado com indiferença e hostilidade. Naquele momento, ele estava pensando que, apesar de estar momentaneamente em uma cadeira de rodas, a sua vida estava seguindo um bom curso.
Depois do jantar, os três seguiram para a sala de estar e continuaram conversando, enquanto desfrutavam de um bom vinho. Porém, em certo momento, Enzo disse:
- Seu Pedro, eu adorei o jantar! Muito obrigado por ter me convidado! Mas está ficando tarde e eu preciso ir para casa.
- Eu vou te levar em casa - disse Daniel, porém ele reconsiderou: - Ou você pode dormir aqui, eu acho... tudo bem pra você pai?
- Claro! - respondeu Pedro - Por mim não tem o menor problema!
- Então tá certo! Você quer dormir aqui hoje?
- Eu adoraria! - respondeu Enzo, animado - Mas você pode me levar à clínica amanhã de manhã?
- Eu posso fazer isso! - respondeu Daniel.
Desse modo, os três ainda passaram mais algum tempo conversando na sala de estar, até que Daniel disse:
- Gente, a conversa está boa, mas eu cheguei ao meu limite! Eu preciso dormir!
- Tudo bem meu filho! Eu também vou dormir em alguns instantes! Mas Enzo, você se importa de esperar um momento antes de ir dormir? Eu queria conversar algo bem breve com você!
- Ah, bem - disse Enzo, incerto - Eu acho que sim!
- Por que o senhor quer conversar só com ele pai? - perguntou Daniel, confuso.
- Não é nada de mais meu filho! Eu apenas quero conversar algo com ele! Pode subir e, em alguns instantes eu lhe chamo para nós subirmos o Enzo até o seu quarto.
- Tudo bem, eu acho... eu vou... arrumar o colchão pra ele.
- Bem Enzo - disse Pedro, depois que Daniel havia subido para o quarto dele - Antes que você pense qualquer coisa, eu só queria te agradecer! Eu não tive a devida oportunidade, mas eu queria deixar claro que depois do dia em que eu fui até a sua casa lhe pedir ajuda e você me estendeu a mão sem nenhuma ressalva, apesar do modo como eu havia lhe tratado antes, eu pude realmente perceber o tipo de pessoa que você é! Com certeza, esse tipo de caráter é o que eu espero para alguém que está namorando o meu filho! Eu não ligo, de verdade, para o que as outras pessoas pensam sobre a relação de vocês! Eu estou orgulhoso da escolha que ele fez e quero deixar claro o meu mais sincero apoio a essa relação! Você estendeu a mão ao meu filho quando ele mais precisou de você e isso eu jamais vou esquecer!
- Ah... - Enzo estava sem palavras. Ele realmente não esperava ouvir algo tão positivo de Pedro, mas estava feliz que aquilo tivesse acontecido - Muito obrigado Seu Pedro! É muito importante para mim a sua aprovação e eu fico muito feliz que o senhor tenha uma boa impressão de mim! O que mais eu posso dizer? Muito obrigado, de verdade!
- De nada! - respondeu Pedro - Só mais uma coisa, diz para o Daniel que não é nenhum sentido em vocês dormirem em camas separadas, até porque vocês já dormiram na mesma cama antes!
Assim, Pedro ajudou Daniel a levar Enzo para o andar de cima em sua cadeira de rodas e depois todos foram para as suas respectivas camas. Os dois rapazes, de fato, dormiram na mesma cama e, no dia seguinte, partiram para a UFTU, onde Enzo ficou esperando pela consulta no setor de Terapia Ocupacional da Clínica de Reabilitação e Daniel foi para a aula no Instituto de Ciências Jurídicas da UFTU.
Durante o atendimento, Enzo referiu o evento ocorrido quando ele tentava realizar a transferência entre as suas duas cadeiras, então o seu terapeuta abordou esta habilidade no atendimento, assim como estimulação sensório-motora de membros inferiores e fortalecimento de membros superiores, entre outros componentes.
Depois do atendimento, Enzo aproveitou que Lucas estava sem nenhum paciente em atendimento e pediu para conversar rapidamente com ele. O rapaz o levou para fora da sala de atendimento e disse:
- Pode falar Enzo!
- Lucas, eu falei com o Daniel e ele tem uma possível ideia de quem é você! Mas isso ainda não me ajuda a entender o porquê de você não me atender, então, para esclarecer essa situação, você gostaria de almoçar conosco hoje?
- Ah, eu não vejo problema! - respondeu Lucas em tom hesitante - Mas, eu não sei se vou me sentir à vontade com o Daniel lá!
- Por que? - perguntou Enzo, surpreso.
- Você vai entender!
- Nossa! Você é muito misterioso! Espero que você possa desfazer todo esse mistério hoje, por favor!
- Eu prometo que farei isso!
- Então está combinado! Eu e o Daniel vamos esperar na "Snacks" da UFTU por volta do meio dia! Tudo bem?
- Tudo bem! Eu estarei lá!
Ao meio dia, Enzo e Daniel estavam na "Snacks", esperando por Lucas. Ao ouvir o que o rapaz dissera para Enzo mais cedo naquele dia, Daniel comentou:
- Mas que mal eu posso ter feito a ele, para ele dizer que não se sentir à vontade comigo?
- Eu vou explicar em alguns instantes - disse Lucas, que havia acabado de chegar à lanchonete - Eu posso me sentar?
- Claro Lucas - disse Enzo - Desculpa, mas nós ficamos um pouco incomodados com esse comentário que você fez hoje cedo! Eu estava comentando com o Daniel o que nós conversamos!
- Você definitivamente é o filho da Rita! Meu Deus, quanto tempo!
- Ah, então você realmente tinha ideia de quem eu era?
- É claro Lucas! - disse Daniel, em tom amigável - Nós éramos tipo melhores amigos no passado! Por isso mesmo eu não entendo o porquê de você se sentir desconfortável comigo!
- Bom, eu acho que o que eu tenho a dizer vai explicar esse sentimento - disse Lucas, em tom sério - Enzo, você sabe o que aconteceu entre nós o no passado?
- Sim, o Daniel me contou!
- Ótimo! - disse Lucas, ainda em tom monótono - Isso vai nos poupar algum tempo! - Então, dirigindo-se diretamente a Daniel, ele continuou: - Caso você não saiba Daniel, depois do que aconteceu entre nós, a minha mãe fez da minha vida um inferno! Eu tive que confessar para o eu pai o que havia ocorrido e ele me puniu severamente! Eu estou falando de agressão física e psicológica! Depois daquele dia, eu fui obrigado a ir todos os dias à igreja e era continuamente punido em casa. Então, certo dia, a minha mãe teve uma ideia que talvez pudesse me "curar"... uma coisa que durou alguns anos, até que eu pudesse fazer algo em relação a isso!
- Eu não sabia... O que ela fez Lucas? - Disse Daniel, com um aperto no peito.
- Ela... ela me fez ter relações com ela, de modo que eu pudesse "aprender" o que era de fato que eu deveria desejar em outra pessoa... - Lucas não olhava nenhum dos outros rapazes nos olhos. Com a cabeça baixa e os olhos encarando a mesa, ele continuou: - Primeiro ela me fez tocá-la e, com o passar dos anos, ela me obrigou a manter relações sexuais, de fato, com ela.
- Isso é terrível Lucas - exclamou Enzo.
- Quando eu completei doze anos - continuou Lucas, ainda sem fazer contato visual com Enzo ou Daniel - Eu contei isso para a minha professora e ela disse que poderia me levar a uma pessoa que faria isso parar! Eu aceitei, mas não sabia que a próxima coisa que eu veria era a minha mãe sendo presa! Depois disso, a família da minha mãe nunca mais falou comigo, pois eles diziam que eu era um mentiroso e um filho ingrato, além disso, eu passei a viver sozinho com o meu pai, o qual começou a beber muito, a ponto de se tornar um alcoólatra! Ele me agredia quase todos os dias e, logo, também passou a abusar sexualmente de mim dos doze aos quatorze anos, quando eu fui hospitalizado devido a lesões causadas por uma das mais violentas agressões físicas que ele havia me infringido naqueles dois anos. Depois disso, o meu pai perdeu a minha guarda e eu nunca mais o vi. O Serviço Social da cidade tentou me colocar junto com os meus familiares, mas nenhum deles me queria, então eu acabei em um abrigo para adolescentes que sofreram abuso! Lá, eu conheci uma terapeuta ocupacional que trabalha com esse público e ela me contou sobre a profissão dela! Desde então eu sonho em ser um terapeuta ocupacional e é por isso que eu estou aqui agora! Mas, como você pode ter percebido Daniel, a minha vida se tornou um inferno, só porque você queria "brincar" no banheiro!
- Lucas... - Daniel estava sem palavras. Ele não conseguia imaginar o que dizer para alguém que havia sofrido tanto e que, aparentemente, o culpava por isso - Eu sinto muito que você tenha passado por isso! Mas eu não fazia a menor ideia do que tinha acontecido com você desde que a Rita foi embora de casa!
- Eu também sinto muito Lucas! - disse Enzo - Isso que você passou deve ter sido muito difícil, assim como deve ser difícil para você falar sobre isso!
- Não, eu não tenho mais problema para falar disso! - disse Lucas com firmeza - Isso faz parte da minha história e as psicólogas e terapeutas ocupacionais do abrigo me ajudaram a elaborar isso de um jeito saudável.
- Bem... - disse Enzo, sem saber o que mais dizer - Já que você está bem com isso, então pode explicar, porque isso influenciou o seu atendimento comigo?
- É simples! - disse Lucas, encarando Enzo - Nesses anos de terapia, eu nunca realmente falei do Daniel, então nunca elaborei a raiva que eu sinto por ele! No primeiro dia de atendimento, eu estava muito animado por que tinha finalmente te conhecido! Sabe, você é uma inspiração para mim! Ousar daquele jeito em frente de toda a universidade, mesmo sabendo que estava sujeito a preconceito! Mas depois, eu percebi que a pessoa com que você protagonizou o beijo que tanto me inspirou era a pessoa que, praticamente, arruinou a minha vida! Então, eu não posso te atender Enzo, porque eu não tenho certeza se vou ser totalmente imparcial durante as nossas sessões! Eu ainda te admiro, mas realmente o fato de você estar ligado ao Daniel não é um bom fator para uma possível relação terapeuta-paciente entre nós! Isso é tudo o que eu tinha para falar, eu espero que tenha esclarecido as coisas entre nós.
Assim, Lucas saiu da "Snacks" sem dar nenhuma chance para Daniel ou Enzo fazerem qualquer outra pergunta. Enzo havia ficado chocado com o que havia ocorrido na vida de Lucas e ele podia ver nos olhos de Daniel que ele estava devastado com as acusações que o rapaz havia feito. Naquele dia, Enzo havia descoberto o mistério por trás de Lucas, mas ele estava incerto se ele realmente queria estar ciente de todos os fatos que o rapaz compartilhou com ele. Ele e Daniel estavam perplexos com o modo como Lucas conversara com eles, tanto que, depois de saírem da lanchonete, os dois seguiram para a casa de Enzo em completo silêncio dentro do carro, pois, na verdade, não sabiam como elaborar o modo como se sentiam em relação à série de atrocidades que acontecera com Lucas.