sexta-feira, 30 de junho de 2017

Capitulo 8 - Aqueles que Amam (Cont.)

- Oi Enzo... - disse ela, olhando para a cadeira de rodas - como você está?
- Vivo - respondeu ele, sem acrescentar mais nada.
- Isso é bom...
- A Frida estava perto do local do acidente - Interpôs-se Pedro - Ela foi a primeira a chegar aqui.
- Que conveniente! - disse Enzo.
- Como assim? - perguntou Frida, confusa.
- Nada... bem, você se importa de nos dizer que tipo de carro você estava dirigindo? - respondeu Enzo.
- Um Uno vermelho, por quê?
- Esquece, só curiosidade.
- Espera, você está insinuando que Frida poderia ter algo a ver com isso Enzo? - perguntou Pedro, perplexo.
- Sinceramente Seu Pedro, eu poderia esperar qualquer coisa dela... - respondeu Enzo - Mas isso não vem ao caso! Como está o Daniel?
- Ele está bem meu filho... - respondeu Pedro - Mas... você não acha que essa é uma acusação muito forte de se fazer?
- Bem, vamos lá: a Frida, caso o senhor não saiba, era a minha melhor amiga na faculdade, mas, desde que eu comecei a namorar com o Daniel, ela já me expôs a uma humilhação pública na universidade, já enviou mensagens com teor falso para o Daniel a meu respeito e, mesmo sabendo que algo estava errado quando o Daniel reatou com ela, não fez nada para saber o porquê. Então, com todo respeito seu Pedro, quando eu digo que espero qualquer coisa dela, eu realmente quero dizer isso e, respondendo à sua pergunta, eu não acho que a minha acusação seja tão absurda, quando se trata dela. Mas, como ela mesma já disse, o carro dela é um Uno vermelho e não bate com a descrição do carro da pessoa que fez isso.
- Olha aqui Enzo... - iniciou Frida.
- Nem começa, eu não quero ouvir - interrompeu Enzo - Seu Pedro, nós podemos vê-lo ou precisamos esperar?
- Disseram na recepção que precisamos esperar e, assim que ele tiver condições de receber visitas, nós seremos avisados.
- Entendi. Bem, eu peço que o senhor me desculpe Seu Pedro, mas eu preciso dar uma volta. Eu não conseguirei ficar aqui sentado, esperando! Mas, por favor, se o médico chegar e eu não estiver aqui, me avise! - dito isso, Enzo saiu manobrando a sua cadeira de rodas.
- Err... Frida - disse Pedro, assim que Enzo saiu - Você fez tudo isso mesmo?
- Sim... mas eu estou arrependida... eu juro! - Frida começou a lagrimar.
- Tudo bem minha filha, eu acredito em você - respondeu Pedro, abraçando a garota.

Enquanto Enzo percorria os corredores do hospital, ouviu o celular tocar e na tela identificou que era Pietro:

- Oi Enzo! Eu vi a sua mensagem sobre o Daniel! É muito grave? Como ele está?
- Eu ainda não sei - respondeu o rapaz - Eles ainda não deixaram ninguém vê-lo, mas, aparentemente, eles está bem. Isso me deixa muito nervoso, porque preciso muito ver como ele está por mim mesmo! Pra piorar tudo a Frida está aqui!
- O que?! - Exclamou Pietro - O que ela está fazendo aí?!
- Aparentemente, ela estava no local do acidente ou algo assim... Eu não quis nem escutar o que ela tinha a dizer! Essa garota me tira do sério só de olhar pra ela! Eu não consigo nem acreditar que nós já fomos melhores amigos! Como as coisas podem mudar tão drasticamente assim?
- Eu sei como você se sente! Não tem nada mais importante do que amizade para mim, exceto minha família, é claro! A traição de um amigo, pra mim, seria mais dolorosa do que a do meu próprio namorado!
- Exato! Eu sei que as coisas foram meio complicadas, mas eu nunca planejei "roubar" o Daniel dela! Eu pedi desculpas inúmeras vezes... Mas, de qualquer forma, um garoto não deveria ficar entre a nossa amizade e, principalmente, uma amiga de verdade nunca faria as coisas que ela fez... Bem, isso são águas passadas... obrigado por me fazer companhia pelo celular, eu estava precisando de alguém pra conversar!
- Você sabe que sempre pode contar comigo! Você quer que eu vá até aí pra te fazer companhia ao vivo? O HIB é bem perto de casa!
- Não precisa Pietro! Está tarde e eu não incomodar!
- Deixa disso! É muito perto! É 5 minutos de carro!
- Você tem certeza? 
- Já estou até me arrumando aqui. Te vejo daqui a pouco!

Ao desligar o celular, Enzo se surpreendeu ao notar que Frida estava atrás dele.

- O que você está fazendo aqui? - disse Enzo - Você ouviu a conversa?
- Eu vim conversar com você e... bem, eu não quis interromper...
- Não me surpreende que você ouça a conversa alheia... bem, não importa, o que você quer?
- Conversar... eu só não sei como...
- Olha, não precisa fazer isso! Nós podemos estar no mesmo lugar e não nos falarmos! Sério!
- Eu, realmente, era sua melhor amiga, né?
- Era... era sim... e eu agradeço pelo tempo que passamos juntos. Mas eu não te conheço mais, você era uma pessoa legal no passado, mas... bem, não mais...
- Eu...
- Olha, eu estou passando por muita coisa ultimamente, não que isso seja do seu interesse, mas eu, de verdade, não quero ter essa conversa agora... - Enzo, simplesmente, seguiu de volta para a sala de espera com Pedro.

Os três trocaram poucas palavras, esperando para saber mais notícias de Daniel. Pouco tempo depois, Pietro chegou, cumprimentando todos, exceto Frida. 

- Oi Pietro! Como você soube que estávamos aqui? - indagou Pedro.
- Eu avisei Seu Pedro. Nós estávamos conversando pelo celular e ele se ofereceu para vir me fazer companhia enquanto esperamos por alguma notícia.
- Isso mesmo! Eu moro aqui pertinho e eu sei que essa espera pode ser massacrante, então vim fazer companhia até darem alguma notícia.

Cerca de uma hora se passou até que o médico de plantão viesse falar com eles.

- Boa noite! Eu sou o Dr. Mário Gomes, eu peço desculpas pela demora, mas nós estamos no meio de uma noite, surpreendentemente, mais agitada que o normal. Vocês são familiares de Daniel Santos Galvão?
- Oi! - Pedro praticamente pulou da cadeira - Eu sou o pai dele e estes são amigos do meu filho! Como eles está?
- Bem, o paciente está estável e não houve dano grave. Entretanto, houve fratura em 3 costelas e um hematoma na cabeça, causados pelo trauma, por isso nós pretendemos mantê-lo em observação por 24h para ter certeza de não haver hemorragia interna ou qualquer dano aos órgãos internos. Como ele está estável e consciente, eu vou liberar a entrada de duas pessoas, porém, de antemão, aviso que ele pode estar experimentando inchaço, dor no peito e dor na cabeça, portanto eu peço que sejam breves, para que ele não se esforce demais e para que possa descansar e se recuperar. Então, quem irá entrar?
- Vamos eu e você, certo Enzo? - disse Pedro.
- Vamos sim Seu Pedro! Mal posso esperar pra vê-lo!

Os dois seguiram o médico até a sala onde estava Daniel. Quando chegaram no local, o rapaz disse, com voz fraca:

- Pai... Enzo... Que bom ver vocês!!
- Meu filho!! Como isso foi acontecer?!
- A última coisa que... eu lembro é... estar falando com você e o carro... bem, o carro que estava... me seguindo... bateu na minha lateral... Eu... Eu não sei o que aconteceu depois disso...
- Você deve ter batido a cabeça meu amor! - disse Enzo, aproximando-se de Daniel e pegando a mão direita do rapaz - Parece que o seu carro capotou, então você deve ter batido a cabeça e ficado inconsciente! Eu fico tão feliz que nada de pior aconteceu com você!
- Eu estou... bem, certo Doutor?
- Sim Daniel! A priori, não encontramos nada de grave nos seus exames, mas vamos manter você aqui sob observação por, pelo menos, 24h!
- Tudo bem... eu acho... - Daniel estava, visivelmente, muito cansado.
- Bem meu filho, nós só queríamos ver e falar com você, para saber como você estava se sentindo - disse Pedro - Mas vamos deixar você descansar e, mais tarde, estaremos aqui novamente, quando você acordar, tudo bem?
- Parece b... - Daniel bocejou lentamente - ...bom! Parece bom!
- Descanse meu amor! De manhã nos vemos novamente! - acrescentou Enzo.

Quando saíram da sala, Enzo notou que Pedro estava com uma expressão distante.

- Vai ficar tudo bem Seu Pedro - disse o rapaz.
- Eu sei... É só que... Ele parecia meio confuso, você não achou?
- Sim, eu notei... Mas, provavelmente, ele ainda está se recuperando do acidente, ou então está sob efeito de algum remédio, afinal o médico disse que ele pode estar sentido dores. Vamos deixar para nos preocupar amanhã, quando ele estiver mais descansado.
- Você está certo Enzo! Agora eu vejo o porquê do Daniel sempre dizer que você é o mais calmo da relação! Só mais uma coisa - Pedro parou Enzo e falou em tom mais baixo: - Você realmente acha a Frida tem algo a ver com isso?
- Aparentemente não...
- Mas, por que você falou aquilo quando chegou?
- Eu não confio mais na Frida! Ela já fez coisas que eu nunca imaginaria contra mim, então eu sempre me mantenho alerta quando ela está por perto! Mas, neste caso, parece que ela não tem nada a ver com o acidente... Eu peço desculpas por levantar essa suspeita, eu devia estar cansado, irritado, com medo... eu não sei... talvez eu tenha sido injusto com ela neste caso...
- Bem, nesse caso vamos voltar para a sala de espera e avisar a ela como o Daniel está.

Após Enzo e Pedro contarem sobre a breve conversa com Daniel, os quatro decidiram que era hora de irem para casa.

- Você precisa de uma carona Enzo? Eu sei que a sua casa é longe daqui! - disse Pedro.
- O senhor deve estar cansado, talvez seja melhor que o Enzo durma em casa, assim mais tarde ele pode vir direto pra cá! Acho que seria bem menos cansativo pra todos - propôs Pietro.
- Eu concordo. Obrigado por oferecer Seu Pedro, mas a proposta do Pietro, realmente, parece menos cansativa pra todos!
- De acordo então. De fato, estou muito cansado. Bem, nos vemos amanhã, certo?
- Sim, estarei aqui assim que acordar! Caso o senhor chegue primeiro, me avise sobre como ele está e eu farei o mesmo, caso chegue primeiro.

Assim, Enzo seguiu com Pietro para a casa do rapaz. No carro, ele indagou sobre a vida do amigo:

- Nem tive tempo de perguntar, mas como estão as coisas entre você e o Gui?
- Ah amigo, elas estão ótimas! Mas ele anda agindo meio diferente...
- Diferente como?
- Eu não sei... Ele fica muito pensativo em alguns momentos, quando estamos juntos, mas sempre diz que não é nada. Ontem, por exemplo, ele estava em casa e nós... você sabe...
- O que? Estavam transando? Como foi?
- Enzo!! - exclamou Pietro, fortemente corado.
- O que?! Você precisa se soltar! Somos amigos e eu tenho direitos de amigo sobre qualquer fato quente da sua vida! - disse Enzo rindo.
- Olha, não lembro de ter assinado nada que lhe dê tais direitos - respondeu Pietro rindo - Mas, sim, nós estávamos fazendo isso e, depois, quando estávamos deitados, ele ficou vários minutos olhando pra mim e eu tive a sensação que ele ia dizer algo, mas desistiu. Eu fico preocupado! Será que ele vai terminar comigo? Você que já namorou com ele, o que acha disso?
- Em primeiro lugar, quando nós namoramos, ambos éramos pessoas completamente diferentes! Mas uma coisa é certa, o Gui sempre foi uma pessoa muito direta! Acredite, se ele quisesse terminar com você ele simplesmente o faria, sem enrolação! Afinal, ele tem muita prática de término de namoro! Em compensação, o Gui tem, surpreendentemente, pouca experiências com relações mais duradouras, então talvez ele não saiba muito bem como agir em determinadas situações. Em segundo lugar, você é louco? Quem em sã consciência terminaria um namoro com você?! Sério, você é uma pessoa incrível! Ninguém te deixaria escapar e o Gui sabe disso, por isso ele já te fisgou - finalizou Enzo, imitando a ação de pescar.
- Bem... você me deixou até sem palavras! - disse Pietro rindo - Obrigado amigo, eu vou levar isso em consideração e tentar não pensar besteiras.

Pouco tempo depois de chegarem na casa de Pietro, os dois rapazes estavam dormindo, visto que ambos estavam bastante cansados. Na manhã seguinte, Enzo acordou se sentindo mais relaxado e, quando olhou a hora no celular, viu que eram 9:00 da manhã e que havia uma mensagem de Pietro, o qual não estava no quarto.

"Oi amigo, eu tinha aula hoje cedo e não quis te acordar. Espero que tenha conseguido descansar. Provavelmente não vai ter ninguém em casa quando você acordar, pois todos saem cedo, mas fique à vontade para atacar a geladeira e pegar uma roupa limpa no armário (vou querer de volta, viu?! haha) ;). Deixei minha chave pra você, depois da aula eu pego, quando for ao hospital"

Também havia uma mensagem de Pedro, enviada 6:00: "Oi Enzo. Estou no hospital! O Daniel... algo aconteceu com ele! Eu não entendi direito, mas ele está em cirurgia agora!

Enzo, rapidamente, leu e respondeu às mensagens, tomou banho e saiu. O rapaz, literalmente, correu até o hospital. Quando chegou no local, encontrou Pedro na sala de espera, conversando com o médico.

- O que aconteceu Seu Pedro?
- Ah Enzo! Que bom que você chegou - disse Pedro abraçando o rapaz - O médico estava a ponto de me explicar o que aconteceu!
- Bem... - disse Dr. Mário Gomes - algo aconteceu durante a noite. Notamos que Daniel estava... lento, até mesmo um pouco desorientado quando vocês o visitaram... com ações
- Sim! Nós notamos também! - respondeu Pedro - O que isso quer dizer?
- A princípio, achamos que ele só estava cansado, mas decidimos pedir uma tomografia computadorizada e identificamos algo... uma pequena hemorragia no cérebro do paciente! Precisávamos realizar uma cirurgia para interromper o sangramento e, felizmente, conseguimos. Porém, no momento, precisamos esperar para saber se houve algum dano decorrente dessa hemorragia. Ainda não temos como saber algo mais preciso, até que ele acorde. Isso pode levar algum tempo.
- Espera, ele está em coma? - perguntou Enzo.
- No momento não, mas essa é uma possibilidade... O corpo dele precisa se recuperar do dano causado pelo acidente e da cirurgia em si. Mas eu posso lhes afirmar, que, felizmente, nós detectamos a hemorragia bem cedo. Estamos muito confiantes de que o Daniel não sofrerá grandes danos! Eu preciso ver outros casos, mas tenham certeza de que lhes manterei bem informado - dito isso, o médico se retirou.
- Enzo, diga a verdade, isso é grave ou não? O médico não foi muito claro! - indagou Pedro.
- Seu Pedro, é como ele disse, não temos como saber até que o Daniel acorde. Mas eu espero que não! Uma hemorragia no cérebro é algo complicado, mas o fato de ter identificado logo é um bom indicador de que o Daniel possa ficar bem, sem sequelas.
- É tão frustrante ter que esperar!
- Se quiser, eu posso ficar aqui! Eu sei que o senhor pode ter coisas pra resolver e, de qualquer forma, precisamos esperar. Então, pode ir trabalhar e eu fico aqui! Eu prometo que aviso sobre qualquer novidade!
- Você tem certeza? Você não precisa de companhia? Eu sei que tudo isso deve ser estressante pra você!
- É uma situação muito estressante sim, mas eu vou ficar bem. Além disso, o Pietro vem ficar comigo depois que sair da aula!
- Então tudo bem. Mas me avise se precisar de algo ou se tiver alguma novidade!
- Com certeza Seu Pedro!

As horas passaram devagar para Enzo. Enquanto esperava por uma novidade no quadro de Daniel, muitas coisas passavam pela sua cabeça. A despeito de todos os seus esforços para se manter calmo, o turbilhão de pensamentos lhe levou ao choro, pois temia perder Daniel.

- Ei! Tudo vai ficar bem - disse Pietro, o qual tinha chegado sem que Enzo percebesse - Eu vi a sua mensagem! Houve complicações no quadro do Daniel, mas, de qualquer forma, ele ficará bem! Vocês dois ainda tem muito tempo juntos pela frente! Tenho certeza que vão poder concretizar esse casamento!
- Obrigado pelo apoio Pietro! Eu já estava pirando aqui sozinho! - respondeu Enzo, abraçando Pietro.
- Ei, assim eu fico com ciúmes! - disse Guilherme, abraçando os dois.
- Gui! Você veio! - exclamou Enzo, surpreso.
- É claro que eu vim! Você acha que eu ia deixar meu melhor amigo sozinho em uma situação dessa? - respondeu Guilherme - Eu só não vim ontem porque acabei dormindo muito cedo e só vi a sua mensagem de manhã!
- O importante é que você está aqui! Vocês dois! Nossa, eu não aguentava mais nenhum segundo sozinho com os meus pensamentos! É horrível! Eu queria ter um bloqueador de pensamentos!
- Você sabe que... - iniciou Guilherme.
- ... o melhor remédio para pensamentos ruins é ir pra cama com alguém! - interromperam Pietro e Enzo em uníssono.
- Sim, todos sabemos da sua teoria de que não há nada que não se resolva com sexo - respondeu Enzo, rindo - Mas, infelizmente, o meu parceiro está, momentaneamente, impossibilitado!
- Bem, eu estou sempre à disposição para uma boa causa! - disse Guilherme, com um sorriso malicioso.
- Ei!! - exclamou Pietro indignado - Como assim?
- Pietro, você precisa ser mais generoso! É por uma boa causa - respondeu Guilherme com uma expressão cínica no rosto.
- Se você quer outra pessoas, por que está comigo? - indagou Pietro.
- Por que eu... - Guilherme iniciou a frase.
- Você o que Gui? - Enzo encorajou.
- Eu te amo - finalizou Guilherme, com um sorriso no rosto.
- Você... espera... era isso o que você queria me dizer ontem? - perguntou Pietro.
- Sim! É que... - Guilherme estava corando - Eu não tenho muita experiência com essas coisas!
- Espera! Gui, você está corando?! - exclamou Enzo - Ele está corando Pietro! Meu deus, em todos esses anos eu nunca vi o Gui corar!
- Você é tão idiota! Eu não sei o que fazer com você! - respondeu Pietro.
- Eu tenho algumas ideias - respondeu Guilherme, recompondo a sua expressão maliciosa e puxando o namorado para si.
- Vocês dois foram, realmente, feitos um para o outro! - disse Enzo - Um é a pessoa mais descarada que eu já vi e o outro a pessoas mais tímida que eu conheço! Fico tão feliz por vocês!
- E devemos tudo a você! Afinal, você nos deu um pé na bunda e fomos afogar nossas mágoas juntos! Então uma coisa leva à outra e cá estamos - respondeu Guilherme, rindo.
- Tudo bem, precisamos seriamente trabalhar na sua descrição de como vocês se conheceram! - disse Enzo - Em primeiro lugar, me tirem da história! - completou ele rindo.
- Mas é verdade! - interveio Pietro - Foi assim mesmo que aconteceu!
- Tudo bem, mas ninguém precisa saber! Além disso, parece que vocês são o prêmio de consolação um do outro e isso não é verdade! Vocês se amam porque se deixaram conhecer um ao outro e acabaram se apaixonando! Eu sou testemunha de tudo e é assim que eu vou contar a história para os meus afilhados!
- Que afilhados?! - exclamaram Guilherme e Pietro.
- Ora, os filhos de vocês! Os quais, obviamente, serão meus afilhados! - respondeu Enzo, decididamente.
- Com licença - disse Lucas, o qual, para a surpresa de todos, tinha acabado de entrar na sala de espera do HIB.
- Lucas?!! - respondeu Enzo, surpreso - O que você... como você?... Quem?
- O que o meu amigo está tentando dizer - interrompeu Pietro - é: o que vocês está fazendo aqui? Como você soube que estávamos aqui? Quem lhe disse que estaríamos aqui? Que horas você vai embora?
- Eu estou certo de que ele não disse essa última parte - disse Guilherme.
- Bem, mas ele estava a ponto de dizer, certo Enzo?
- Err... Eu acho que sim - Enzo olhava fixamente para Lucas - Mas eu acho que já sei o que ocorreu! Eu ainda não contei para o Seu Pedro sobre o "incidente" na piscina, então ele deve ter avisado o Lucas, pois, aparentemente, ele é um "amigo" da família!
- Foi isso mesmo - respondeu Lucas, propositalmente desviando o olhar dos demais.
- Olha, você pode ficar, desde que não faça ou diga algo estranho... - disse Enzo.
- O que?! - exclamou Pietro.
- Eu não quero fazer escândalos e, bem, ele já sabe que o Daniel está aqui mesmo.
- Eu vou ficar quieto... eu prometo... - respondeu Lucas - Como ele está?
- Ele está em recuperação! - disse Guilherme - Agora fique quieto e pare de nos dirigir a palavra!
- Por que vocês estão sendo tão rudes comigo? - questionou Lucas - Bem, eu sei que houve o "incidente" da piscina, mas eu já me desculpei por isso! Achei que estivesse tudo bem conosco!
- Lucas, não é assim que funcionam as relações! Você não pode quase deixar alguém morrer e no outro dia esperar que essa pessoa, que por sorte sobreviveu, fale com você normalmente! - disparou Guilherme - Viu?! É disso que estamos falando! Isso é estranho cara!
- Isso foi um erro, eu vou embora! - disse Lucas, levantando-se - Mas, primeiro eu gostaria de falar com você a sós Enzo... Posso?
- Você está louco! - respondeu Guilherme - É claro que não! O Enzo não vai ficar sozinho com você de novo!
- Espera Gui! Eu já sei o que fazer! - disse Enzo - Eu vou deixar ele na saída e ele pode conversar comigo enquanto isso!
- Enzo! - disse Guilherme - Tem certeza?
- Sim! - respondeu o rapaz - É melhor! Assim ele me deixa em paz! Vamos - concluiu ele, tocando a cadeia de rodas.
- Olha, eu vou ser breve - Lucas começou a falar, assim que os dois se afastaram de Pietro e Guilherme - Eu quero me desculpar de novo! Na verdade eu preciso pedir desculpas tanto a você como ao Daniel... eu pensei que ele estivesse consciente... ele deve ter te contado que eu reagi exageradamente à nossa conversa outro dia...
- Ele me contou sim... Olha Lucas, eu já canse de tentar te entender! Eu só não me sinto à vontade perto de você! Então eu agradeceria se você pudesse manter distância de nós! Espera, onde você está indo - perguntou ele ao ver Lucas dobrando para o estacionamento do hospital.
- Pegar o meu carro...
- Eu achei que você não tivesse carro! - disse Enzo, com expressão desconfiada - Pelo menos foi isso que você disse quando fomos à dos Seu Pedro!
- Ele é novo! Acabei de comprar...
- Que interessante... posso vê-lo?
- Claro... - Lucas conduziu Enzo até o carro, o qual, quando o rapaz viu o modelo e a cor do veículo, prontamente sacou o celular do bolso e enviou a seguinte mensagem para Pietro: SOS no estacionamento! Lucas tem um Corsa preto!

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Capítulo 7 - Revolução: A Nova Finnel (Cont.)

- É tão bom vê-los junto novamente!
- Nossa, eu quase esqueci que vocês estava aqui! Mas não se engane! Eu estou muito feliz por ter o Bernardo de volta ao meu lado, mas nada vai me impedir de expressar a minha indignação por você ter contado ao Raul sobre a sua... relação... com o Rafael! Por que você fez isso?
- Você contou a ele?! Nós já havíamos conversado sobre isso Hugo!
- Bem, eu não consegui mentir para o Raul! Depois de todo o mal que eu fiz, o mínimo que ele merecia é a verdade!
- Você tem bons motivos! Não gosto quando vou brigar com alguém e a pessoa tem argumentos!
- Eu sei bem!
- Olha, você deveria ficar calado e descansar! Quanto a você Hugo, eu entendo os seus motivos e até concordo com eles. Mas agora nós temos um problema enorme nas mãos! O Rafael será julgado pelos moradores de Arlyston e não há nada que eu possa fazer para protegê-lo! Você só piorou as coisas revelando ao Raul o envolvimento de vocês, pois ele tem uma grande influência sobre os outros! Você sabe que, apesar de ser bruto, ele tem carisma e as pessoas passam a considerá-lo uma referência! Ele não vai conseguir ser imparcial na votação sobre o que fazer com o Rafael.
- Eu sei... mas também não há nada que eu possa fazer para ajudar o Rafael! Se algo de ruim acontecer com ele, vai ser por coisas pelas quais, de fato, ele é culpado! Não haverá injustiça! Infelizmente, ele tem sido uma pessoa horrível!
- Ele tem razão Felipe...
- Sim... eu sei que ele tem... mas, surpreendentemente, eu estou preocupado com o futuro do Rafael. Quero dizer, eu quero que ele pague pelos erros que cometeu, mas eu não quero ter nada a ver com a morte dele!
- Bem, ele não necessariamente vai ser condenado... vai?
- Eu sinto muito Hugo, mas... sim... a probabilidade é muito alta!


- Não! Eu já disse que preciso ver o meu irmão!
- Por favor Davi, eu já expliquei que não podemos lhe levar ao seu irmão, pois ele...
- Mentira! Vocês não querem me levar! Eu pensei que vocês fossem pessoas boas!
- Não! Eu juro que não podemos! Nós lhe levaríamos até ele, mas o seu irmão está...
- Ele está preso Davi... É isso o que o Tomás quer dizer!
- Mas... por quê?
- Eu prefiro não ter que lhe dizer isso... Você pode pensar que eu estou mentindo! Portanto, eu vou pedir ao Felipe que você possa ser levado até o seu irmão e, assim, poderá obter as respostas diretamente dele! Está bem assim?
- Vocês prometem?
- Definitivamente!
- É claro que nós prometemos!


- Nós temos tanto a conversar! Mas eu preciso ir para o julgamento!
- Eu sei Felipe, você pode ir! Eu estarei aqui lhe esperando!
- Eu sei... mas eu fiquei tanto tempo sem você ao meu lado... eu...
- Você está com medo de me deixar e não tornar a me ver, certo?
- Sim...
- Eu estou bem! Vá fazer o que precisa ser feito e quando você estiver livre venha correndo me ver, pois eu estarei aqui ansiosamente esperando para ter você a meu lado novamente!
- Eu vou com você Felipe! Eu já estou me sentindo bem!
- Você tem certeza que é uma boa ideia? Você, o Rafael e o Raul no mesmo espaço não me parece tão promissor!
- Eu sei, mas eu preciso estar lá...
- Lá vamos nós! Você está sendo impulsivo novamente! Olha, eu concordo que você vá, com uma condição: diga o que você vai fazer e nós vamos pensar JUNTOS se isso seria uma boa ideia ou não!
- Certo...Bem, eu estou pensando em contar aos outros o modo como eu me sinto em relação ao Rafael... Eu sei que parece a pior coisa a se fazer nesse momento, mas eu não vejo outra pessoa que possa falar melhor sobre arrependimento e mudança! De fato, foi isso o que me fez me interessar pelo Rafael! Lá no fundo, ele é somente alguém que está muito perdido... como eu...
- Não acredito que vou dizer isso, mas pode vir para o julgamento...
- Sério?!
- É claro! Eu não posso te impedir de dizer às outras pessoas o que você acabou de me dizer! É uma linda declaração e eu acho que, acima de todos, o Rafael deveria ouvi-la! Quem sabe isso toque o coração dele...
- Então vamos! Eu estou pronto!
- Hugo, só um conselho, procure não estar certo novamente na frente do Felipe nos próximos dias, ou ele pode ser bastante perigoso!
- Ei! Eu sou perfeitamente compreensivo quando as pessoas estão certas!
- Tem certeza?
- Sim! Bem... eu posso ficar um pouco incomodado... Mas... Olha Hugo, faça o que o Bernardo disse!

Desse modo, enquanto Bernardo e Hugo gargalhavam, eu deixei o local e me dirigi ao julgamento de Rafael. De certa forma, eu estava muito apreensivo sobre o destino do meu primo, pois, apesar de todas as coisas terríveis que ele havia feito, incluindo me torturar, eu não desejava a sua morte. A declaração de Hugo só reforçou esse sentimento.
Por outro lado, eu estava muito preocupado com Raul, pois, continuamente, as coisas pareciam dar errado para ele.
No caminho, eu percebi que as ruas estavam lotadas de pessoas, aparentemente esperando a decisão que seria tomada. Além disso, quando cheguei à sede de reuniões do conselho, todos os membros,  incluindo Raul, já estavam esperando para deliberar sobre o futuro de Rafael, o qual estava no centro da sala.

- Muito bem, agora que meu primo está aqui, nós podemos começar!
- Se eu fosse você, não estaria tão feliz com a minha presença. Não há muito que eu possa fazer para te defender. De fato, se os conselheiros me permitirem, gostaria de fazer algumas considerações antes de começarmos a votação.
- Eu acho que não há problema Felipe.
- Obrigado. Bem, para começar, gostaria de dizer que escolho me abster de voto neste caso, visto que há uma ligação com o Rafael que poderia deixar o meu voto menos objetivo e, assim, desqualificar a seriedade da decisão a ser tomada por este conselho. Segundo, eu gostaria que o nosso companheiro Hugo tivesse a oportunidade de falar, antes da votação, pois há algumas informações que ele escolheu compartilhar conosco, caso vocês concordem. Por fim, eu gostaria de falar um pouco sobre a minha experiência pessoal com o acusado, com o objetivo de lhes mostrar a minha perspectiva sobre o assunto. Estou ciente de que eu e Hugo pretendemos compartilhar informações que podem influenciar os seus votos, portanto peço a sua permissão.

O conselho deliberou a minha requisição e, surpreendentemente, Raul foi mais uma vez o porta-voz.

- Todos concordamos que tanto você como o Hugo contribuíram muito com as pessoas deste vilarejo, portanto, se vocês acham que precisam compartilhar tais informações sobre este caso, nós ficaríamos honrados em ouvi-las. Confesso que, pessoalmente, a sua decisão de abdicar do seu voto me fez refletir e decidir que também preciso abdicar do meu, pois há alguns aspectos deste caso que podem influenciar a objetividade do meu julgamento. Além disso, caso seja possível, gostaria que este conselho me dispensasse desta reunião.
- Se você se sente desta forma, você está dispensado Raul. Quanto a você Felipe, gostaríamos de ouvi-lo primeiro e, em seguida, ouviremos o companheiro Hugo. Somente após os seus discursos nós prosseguiremos com o julgamento.
- Eu agradeço! Bem, como eu imagino que todos saibam, o Conde Rafael é meu tio e, portanto, o acusado é meu primo. Entretanto, nunca houve muita aproximação entre as nossas famílias, tanto que eu nunca soube da existência dos meus dois primos até o incidente em Pasine, o qual, como também é de conhecimento geral, foi um verdadeiro massacre. Eu fui... fui torturado durante vários dias enquanto estive em Pasine e Rafael II estava presente em muitos momentos. O meu primo jamais transpareceu qualquer arrependimento em qualquer uma das vezes. Ele, sem dúvida, é uma pessoa com valores extremamente pervertidos. Além disso, eu sei que ele está envolvido na morte e tortura de familiares e amigos de muitas pessoas deste vilarejo. Com base nestas informações, eu e vocês poderíamos, sem dúvida, concluir que o meu primo merece ser executado como punição por seus crimes. Porém, eu gostaria de ressaltar duas coisas: a primeira, na verdade, é uma história que pertence ao passado de Rafael II e que, portanto, cabe somente a ele revelar, de modo que eu deixo a critério dele lhes contar como todo o ódio que ele sente por "pessoas como nós" começou, pois eu acho que isso pode explicar muito do comportamento que ele vem apresentando. Segundo, gostaria de ressaltar o quão difícil eu imagino que deva ser a convivência com alguém cuja mente é tão deturpada como o meu tio. Eu juro que cheguei a pensar que enlouqueceria durante o tempo que passei em Pasine, pois eu não conseguia acreditar nas loucuras que eu ouvia aquele homem falar. Eu consegui entrar na cabeça dele por algum tempo e isso quase me enlouqueceu, pois ele, de fato, tem uma mente doentia. Porém, isso foi por apenas algumas semanas e eu, sinceramente, não me surpreendo que alguém que passou a vida toda com ele tenha construído valores pessoais tão podres. Dito isso, eu peço que reflitam sobre o que eu disse antes de julgarem o acusado, pois eu acredito em segundas chances, mesmo para alguém como ele. Ressalto que não estou pedindo perdão e nem arranjando desculpas para o que ele fez, pois não há qualquer modo de reverter todo o dano que ele causou e todas as suas ações foram indesculpáveis, mas eu gostaria que ele pudesse ter um recomeço para poder construir valores melhores.
- Nós agradecemos a informação, conselheiro Felipe. Vamos levar em consideração o que foi dito. Agora podemos passar para o discurso do companheiro Hugo.
- Muito obrigado por essa oportunidade conselheiros. Eu sei que a maioria de vocês mal me conhece, portanto agradeço o voto de confiança em um assunto tão delicado. Entretanto, sem querer abusar da sua boa-fé, eu gostaria de pedir que o acusado pudesse contar a sua história antes de revelar o que eu tenho a dizer.
- Bem... acho que não há problema... acusado, você deseja compartilhar conosco a sua história? deseja se defender? se é que isso é possível...
- Não...
- Felipe, por favor!
- Eu já disse que não!
- Felipe, eu preciso que você faça isso... por favor!
- Nã... Por quê? Não há esperança!
- Você não sabe disso! Talvez... de alguma forma...
- Eu sei que não há esperança para mim! Então pare! Ouçam bem, pois eu só vou falar disso uma vez e não espero ser questionado depois de terminar.
- Você não acha que está fazendo muitas exigências para alguém na sua condição?
- Pode ser, mas seu eu vou morrer, o que eu tenho certeza que vai acontecer, o mínimo que eu posso fazer é morrer com honra e alguma dignidade.
- Honra?!Olha aqui... Quer saber, esqueça. Prossiga com a sua história para podermos acabar com isso de uma vez.
- Bem, meu nome é Rafael Carlos Francisco Miguel Xavier Leopoldo Gonzaga Almeida, Visconde de Pasine. Eu sou casado... fui casado com um plebeu do vilarejo de Gorgi de nome Pierre. Sim, caso estejam se perguntando, eu sou homossexual e me casei com um homem... o homem dos meus sonhos... alguém que eu amava... Desde quando eu era criança, sempre gostei de andar disfarçado pelas ruas de Pasine, pois fazia de tudo para passar o mínimo possível de tempo com o meu pai dentro do castelo. Eu mantive este hábito quando estava mais velho e, em uma dessas ocasiões, quando estava andando pelo mercado de trocas, esbarrei em Pierre, o qual estava vendendo produtos que trouxera de Gorgi. Infelizmente para ele, eu me apaixonei no momento em que ele pediu desculpas por ter esbarrado em mim. Eu nunca tinha estado com outro homem até então e sempre fiz de tudo para esconder os meus desejos, mas Pierre, simplesmente, parecia enxergar através de todos os meus esforços, de modo que, de alguma forma, ele me convenceu a acompanhá-lo até a saída da cidade, para que pudéssemos nos conhecer melhor. Quando eu percebi, já estávamos nos beijando em uma floresta ao redor de Pasine e eu percebi que já estava perdidamente apaixonado por ele. Pierre partiria no dia seguinte e, para minha surpresa, ele disse que gostaria que eu lhe acompanhasse. Eu solicitei ao meu pai que pudesse viajar sob o falso pretexto de conhecer outras partes do nosso reino e, no dia seguinte partira em direção a Gorgi na companhia de Pierre. Diferentemente do meu pai, a família de Pierre não via nada de anormal em dois homens se amarem e me acolheram muito bem. Eu costumava ir até Gorgi para visitar Pierre e vice-versa, de modo que a nossa relação floresceu e, finalmente, decidimos que queríamos nos casar. A família dele adorou a ideia e fui convidado a morar com eles em Gorgi, onde eu seria aceito e amado. Nunca tive coragem de contar a Pierre quem eu realmente era... Mal sabiam eles do que estava por vir... Como muitos sabem, Gorgi era conhecido por realizar casamentos entre homossexuais há muitos anos e, há algum tempo atrás, foi devastado pelo exército de meu pai. O que não deve ser de seu conhecimento é que meu pai só descobriu este vilarejo e o devastou porque eu decidi me casar com Pierre e vir morar com ele. A família de Pierre, a qual me acolheu, foi sumariamente executada bem diante dos meus olhos e, pouco tempo depois, o meu pai fez a seguinte proposta para o meu marido: Pierre teria uma hora para decidir entre ficar comigo - neste caso nós morreríamos juntos - ou fugir para bem longe na direção oposta de Pasine ou qualquer outro reino aliado - neste caso nós nunca mais teríamos contato e minha vida seria poupada para que eu pudesse viver com a culpa e a vergonha. Adivinhem qual foi a opção que o meu marido escolheu... Ele nem hesitou...
- Então Gorgi... Foi por sua causa... Mas... por que você odeia os homossexuais e compactua com as ações do seu pai, sendo que você mesmo já amou um homem?
- Veja bem, depois que Pierre fugiu eu caí em desespero profundo. Como prometido, eu vivi para sentir a dor, a culpa, o ódio e a vergonha... Porém, no fundo, eu não sentia nada... No início, o meu pai me mantinha trancado no meu quarto para definhar. Porém, na maior parte do tempo, eu estava desligado daquilo que acontecia ao meu redor. Eu acordava quando algum servo deixava uma porção minúscula de comida e água, ou então quando estava sendo examinado pelos homens de confiança do meu pai, o qual queria me manter minimamente vivo para que eu pudesse sofrer ainda mais. Fora essas duas ocasiões, eu passava os dias dormindo, tentando permanecer nos dias em que eu fora feliz... ainda que eu soubesse que não eram reais, era melhor do que aquilo que eu estava passando. Um dia, o meu pai adentrou o meu quarto e me submeteu a um tratamento que vocês conhecem muito bem... a inestimável "cura". O meu pai acha que há uma "cura" porque, aparentemente, ela funcionou comigo... Mas a grande verdade é que eu não sentia nada por ninguém... Ninguém me interessava... Nenhum amigo ou amor... Eu não precisava fingir...
- Foi aí que você começou a torturar os seus iguais...?
- Não exatamente... Ouça, mesmo sem querer, o fato de estar "curado" melhorou o modo como o meu pai me tratava e, pouquíssimo tempo depois, ele me apresentou à sua mais nova atividade favorita: as caçadas. Segundo o meu pai, ele nunca pretendeu deixar Pierre viver. O que ele realmente queria era me mostrar o quão fraco era o amor dele por mim. Bem... funcionou. Meu pai me contou que, de fato, ele deu uma vantagem de uma hora para que Pierre pudesse fugir, mas logo em seguida ele e seus homens partiram em seu encalço. Ele foi encurralado e violentamente torturado dois dias depois em uma floresta ao sul de Gorgi. Este processo deu tanto prazer ao meu pai que ele teve a ideia de fazer isso com todos os homossexuais nas áreas próximas a Pasine e, principalmente, com as pessoas em Gorgi que ainda tivessem a ousadia de se declararem homossexuais. Isso deu origem ao reino de terror que meu pai vem expandindo nos últimos tempos e eu sempre estive ao seu lado, tanto em caçadas como em invasões a outros vilarejos. Eu assisti a tudo. Porém, por mais surpreendente que isso possa parecer, eu nunca matei ou torturei uma única pobre alma. Eu confesso que assisti e nunca me mobilizei pelo sofrimento das pessoas durante tais eventos e disso eu sou culpado, mas eu jamais feri diretamente uma pessoa. Bem, exceto Felipe, o qual eu realmente torturei e feri deliberadamente, mas isso é porque eu... eu... eu o invejo... Inveja foi a única coisa que realmente eu consegui sentir em muito tempo e isso foi tão avassalador que me fez agir do modo como eu agi...
- Inveja?
- Ah, vamos lá! É só olhar para ele e Bernardo! A relação deles é tão perfeita que chega a ser irritante! O Felipe conseguiu, de uma só vez, despertar inveja, raiva e nojo! Sério, ele me irrita muito e eu tenho vontade de socar a cara dele! Mas este é um caso isolado! Quanto aos demais, em minha defesa, eu fui apenas um cúmplice nas ações doentias do meu pai! Como eu disse, eu sou culpado de omissão e eu sei que nunca poderei ser perdoado por isso, mas eu nunca feri alguém.  Pelo menos não fisicamente...
- Algo mais que você gostaria de dizer?
- Acho que isso foi suficiente...
- Muito bem... Hugo, é a sua vez.
- Eu serei breve. Eu pedi ao Felipe que me deixasse falar por dois motivos: o primeiro é porque eu tive ou tenho... na verdade eu não sei direito ainda... uma relação com o acusado. Portanto, conheço o Rafael em um nível mais pessoal e já ouvi estas mesmas histórias que ele acaba de lhes contar. Durante o tempo que passamos juntos em Pasine, eu pude perceber que ele já sofreu bastante e, por mais que ele insista em manter uma postura autoritária e esnobe, eu sei que ele só está procurando paz e algo que o faça sentir algo significativo de novo. Ressalto que o Rafael sabe por experiência própria que a cura não funciona, portanto sabia que eu e Bernardo nunca tínhamos sido "curados", mas ele nunca nos delatou ou armou para que nós fôssemos apanhados enquanto planejávamos a nossa fuga de Pasine. O segundo motivo de estar aqui é porque eu mesmo já cometi muitos erros no passado e posso, com toda propriedade, dizer que estou arrependido e regenerado atualmente. Dito isso, gostaria de pedir aos senhores que considerem olhar para esta pessoa e tentar enxergar os motivos que o levaram a fazer o que ele fez. Assim como o Felipe, eu também acredito em segundas chances, pois eu mesmo já fui beneficiado por isso e consegui melhorar quem eu sou, portanto acredito que o Rafael também merece esse benefício. Isto era tudo o que eu tinha a dizer, eu agradeço a sua atenção!
- Bem, eu acho que já ouvimos todos e agora podemos prosseguir com a votação para decidir o futuro do acusado. Eu peço ao conselheiro Felipe, o qual abdicou do seu direito de voto, que se retire da sala e leve o companheiro Hugo consigo. Procederemos à votação e, assim que finalizarmos, vocês serão informados do veredito.

Eu e Hugo nos retiramos da sala e, assim que saímos, encontramos William, o qual estava na companhia do meu outro primo. Estranhamente, Hugo saiu correndo, sem dar explicações.

- Primo! Eles disseram que o meu irmão está preso! É verdade?
- Sim Davi... É verdade...
- Mas eles disseram que eu poderia ver o meu irmão! Eu vou poder ver ele?
- Eles disseram isso? Que interessante!
- Em nossa defesa, ele é tão voluntarioso quanto o primo! Não havia alternativa!
- Tudo bem irmão, eu acho que você fez a coisa certa! Mas neste momento não vai ser possível, pois eles estão votando...
- William é seu irmão?
- Sim Davi! Bem, meio-irmão na verdade, mas isso não faz muita diferença pra mim!
- Então ele é meu primo também?!
- Eu acho que sim! Na verdade você é meu primo por laços maternos e William não compartilha a mesma mãe comigo, mas, de novo, essas questões não fazem muita diferença já que vocês estão se dando tão bem! Portanto, você pode considerá-lo seu primo!
- Eu não tinha atentado para isso! É verdade Davi, nós somos primos! Viu só? Você não precisa mais duvidar da minha palavra! Afinal, um primo mentiria para você?
- Eu acho que não!
- Eu também penso que não! Quanto ao seu irmão Davi, você só vai poder ver ele depois que as pessoas decidirem se ele é culpado ou não.
- Mas, o que o meu irmão fez?
- Bem... eu...
- Nós combinamos que ele mesmo iria lhe contar, não foi Davi?
- Ah! Essa é uma ótima ideia! Obrigado William!
- Sem problemas! Felipe, você se importa de ficar com o Davi por enquanto? Eu gostaria de ir ficar com o Tomás, afinal ele ficou só enquanto eu vim trazer o Davi para falar com o irmão.
- É claro William! Eu agradeço muito você ter ficado com ele todo esse tempo! Há tanta coisa que eu preciso resolver! Bernardo acordou, mas eu nem pude ficar muito tempo ao lado dele!
- Ele acordou? Então eu vou fazer uma visita e ver como ele está antes de ir encontrar o Tomás!
- Ele vai ficar muito feliz de ver você!

Assim que William saiu, percebi que outras pessoas estavam silenciosamente se aproximando de nós. Finalmente, uma delas indagou:

- Qual foi o veredito?
- Ainda não temos um veredito. Eu abdiquei do meu voto, pois assim não haveria dúvidas de que essa será uma decisão imparcial. Estou esperando para saber o que foi decidido, assim como vocês.
- E quanto a essa criança? Também não é filho de Conde Rafael?
- Sim... este também é meu primo...
- O que vai acontecer com ele? Ele não deveria estar sendo julgado também? Afinal, ele é filho daquele homem vil! Deveríamos infligir dor a Conde Rafael por meio do filho dele! Isso seria uma boa retribuição por tudo que ele já nos fez!
- Primo! Eles querem me ferir!
- Vejam! Ele é só uma criança e está extremamente assustado! Não vamos esquecer de que somos as vítimas e não os vilões aqui! Eu imagino toda a revolta e dor que vocês estão sentindo, mas ferir esta pobre criança não vai deixar nada melhor!
- Ele tem razão! Não vamos nos comportar como selvagens e esquecer de que lutamos contra a violência de Conde Rafael! O próprio fato de pensar em ferir esta criança já enfraquece a nossa causa, pois isso nos faria semelhantes a ele! Seriamos pessoas doentias!
- Sábias palavras Raul!

Depois do que Raul disse, ninguém mais se pronunciou. Mas várias pessoas continuaram esperando do lado de fora da sala de reuniões do conselho para saber o que havia sido decidido. Aparentemente, Hugo e Raul tinham se encontrado e rumado para o local. Ou será que Hugo tinha ido, imediatamente, atrás de Raul quando saíamos da sala de reuniões?

- Está tudo bem entre vocês?
- Sim. O Hugo é meu amigo acima de tudo! Se ele ama outra pessoa, eu deveria pelo menos ser capaz de aceitar isso... Embora eu não goste...
- Obrigado Raul! Eu sinto muito...
- Podemos deixar isso para trás? Eu realmente quero seguir em frente Hugo...
- Claro...
- Você foi atrás dele? Foi por isso que saiu correndo tão de repente?
- Sim! Eu estava tentando ajudar o Rafael, mas não queria magoar o Raul! Eu fui atrás dele e nós tivemos uma breve conversa, então eu o convenci a estar presente quando derem o veredito, pois ele é parte do conselho e tem o direito de estar aqui. 
- Eu expliquei a ele que não estou magoado dessa vez! Na verdade ele foi sincero comigo e eu aprecio muito o modo como ele vem lidando com essa situação. Eu apenas estou triste e um pouco frustrado... Mas isso vai passar! Ainda continuamos amigos!
- Com certeza Raul! Todos vocês são muito importantes para mim! Eu nem sei se estaria vivo sem a ajuda de vocês!
- Ei, você é amigo do meu irmão, certo?
- Eu sou sim Davi! Você se lembra de mim?
- Claro! Eu vi você beijando meu irmão e...
- Atenção! A quem interessar, nós já temos o veredito sobre o acusado Rafael II!

A decisão, finalmente, tinha sido tomada. Eu tinha me eximido da responsabilidade de decidir o futuro do meu primo e ainda não estava totalmente certo do quão bom isso tinha sido. Caso ele fosse condenado à morte, eu não seria culpado por omissão? Afinal, eu era a única família que poderia intervir por ele no meio de tantas pessoas que ele magoou! Agora nada disso tinha importância, pois, em alguns instantes, os conselheiros iriam revelar o futuro de Rafael e já não havia mais nada que eu pudesse fazer por ele.