quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Capítulo 8 - Aqueles que Amam (Cont.)

- Be...bem, então chegamos ao carro e já terminamos nossa conversa – disse Enzo, manobrando a cadeira de rodas na direção contrária – Agora eu vou voltar... – antes de Enzo terminar a frase, sentiu um braço pressionado contra o seu pescoço, a apertar cada vez mais forte, até que ele perdeu a consciência.

 

Ao retomar a consciência, Enzo se sentia confuso e indisposto. Ele percebeu que suas mãos estavam atadas e ele estava amarrado em uma cadeira. Olhando ao redor, não reconhecia onde estava, porém, ao focar um pouco mais a atenção, percebeu duas vozes vindas de outro cômodo, as quais ele prontamente reconheceu:

 

- ... limites? eu não sei como pretendes sair dessa... mas eu não quero ter nada a ver com isso! Cumpra a sua parte do acordo! – disse a pessoa que Enzo supunha ser Lucas.

-  Mas eu ainda preciso da sua ajuda! – respondeu Frida. Enzo reconheceria aquela voz em qualquer lugar, seja porque antes tinham sido muito amigos ou porque, atualmente, era a sua maior inimiga - Eu só quero dar um susto nele e depois vamos deixa-lo no mesmo lugar! – Naquele momento, Enzo estava muito confuso, afinal os dois estavam trabalhando juntos este tempo todo?

- Não foi isso que combinamos! – Exclamou Lucas - Eu quero que apague definitivamente a gravação e que nunca mais nos falemos! Eu já cumpri a minha parte! Dei aquele “recado” no dia do noivado dos dois e hoje trouxe o Enzo até você! Daqui pra frente você está por conta própria! – Espera... então Lucas tinha sido o autor do incidente no dia do seu noivado, mas Frida tinha sido a mentora? Enzo estava cada vez mais confuso.

- Ah sim?! E se eu não apagar a gravação e ao invés disso mandar para o amigo do meu pai que trabalha na polícia?! O que ele vai achar da sua confissão de que intencionalmente deixou que alguém quase se afogasse?

- Olha, eu me arrependo profundamente disso e quando confessei isso para ti eu achei que fossemos amigos... não podia estar mais enganado! Mas eu não vou me deixar envolver ainda mais nos teus planos ou eu temo que coisa pior possa acontecer com um dos dois!

- O que você quer dizer? Então eu posso enviar esta gravação para a polícia?

- Faça o que quiser! Se me entregar para a polícia, eu te entrego também! Eu posso muito bem provar onde eu estava ontem à noite! Mesmo que o seu plano fosse me incriminar! – disse Lucas, decididamente - Quando me pediu para usar o meu carro, eu imaginei que iria fazer alguma loucura, então me certifiquei de estar em algum lugar com várias testemunhas! Mas eu nunca imaginei que fosse fazer isso ao Guilherme! O que você tem na cabeça? – Esta foi a parte que mais surpreendeu Enzo. Então o carro era mesmo o do Lucas, mas era a Frida quem estava ao volante! Ela, de fato, tem um Uno vermelho, por isso não teve problemas em responder à pergunta sobre o seu carro na frente de todos!

- Então é assim que vai ser? Tudo bem, pode ir embora então! Eu resolvo essa situação sozinha! Mas eu não vou esquecer dessa traição! E mais uma coisa, você não é ninguém para falar de loucuras! Afinal, ias deixar o Enzo se afogar por puro ciúme! O que te diferencia de mim? Nada!

- Você não sabe do que está falando... foi um momento de fraqueza...

- Olha, eu não posso te julgar! O Enzo é extremamente irritante, eu também faria o mesmo e...

- Não é nada disso! – interrompeu Lucas – Eu não tenho nada contra o Enzo, ele é uma pessoa amável e gentil, por isso eu estou realmente arrependido do que fiz e, se eu soubesse que isso me levaria a ter que te ajudar a raptá-lo hoje, eu teria ajudado ele a sair daquele piscina... mas, naquele momento, tudo o que eu conseguia pensar era que, se ele não estivesse ali talvez eu tivesse uma chance...

- Uma chance de que?

- De ter uma segunda chance com o Daniel... – ao ouvir isso, tudo fez sentido para Enzo. Todo o comportamento errático, as mudanças extremas de humor e a obsessão em ir ao encontro de Daniel, mesmo quando ele já tinha sido rejeitado múltiplas vezes.

- Bem, continuo a não poder julgar... – respondeu Frida, mais calma – tudo o que eu estou fazendo, no fundo, é porque eu ainda amo o Daniel... se ele não quer ficar comigo...

- Então ele não vai ficar com ninguém, certo? – completou Lucas – Eu sei como se sente, mas eu não acho que seja o melhor caminho...

- Como assim?

- De fato não há chance para nenhum de nós dois, pois o Daniel é perdidamente apaixonado pelo Enzo. Eles já passaram por tantas coisas juntos, que eu não acho que ele vá ter esse tipo de sentimento por mais ninguém. Portanto, no meu caso, o que eu estou tentando fazer é participar da vida dele de alguma forma, mesmo que não seja como o companheiro dele. O Daniel foi o meu primeiro amor e ele já era incrível como criança, mas ele cresceu para se tornar uma pessoa ainda mais impressionante! Será que é justo acabar com a vida dele? Ou, pior ainda, acabar com a vida do Enzo, que não tem culpa do fato de o Daniel não nos amar?

- Você não entende o que esses dois fizeram comigo! – respondeu Frida, contrariada.

- Você já me contou a história...

 

Enquanto Frida e Lucas conversavam no outro cômodo, Enzo estava com a cabeça cheia de pensamentos e memórias eliciadas pela conversa que acabara de ouvir. Muitas das coisas que estavam acontecendo nos últimos tempos faziam muito mais sentido agora e ele, surpreendentemente, estava feliz em saber que Lucas afinal parecia não estar totalmente convencido em prejudicar a ele e a Daniel. Adicionalmente, Enzo estava mais consciente do ambiente ao seu redor e começou a perceber que ele já havia estado ali há muito tempo atrás. Ele agora reconheceu o quarto de Frida e agora só precisava pedir ajuda, portanto, tentou alcançar o celular que estava no seu bolso esquerdo. Era difícil alcançar o celular com a corda a pressionar o seu tronco e com as mãos atadas, entretanto ele continuava a tentar, pois precisava avisar alguém onde ele estava.

 

- ... afinal, vai me ajudar ou não?! – disse Frida, no outro cômodo.

- Se você não fizer nada com ele, eu te ajudo a levar ele a algum lugar onde possam encontra-lo, sem que descubram quem o tinha raptado – caso queira fazer algo de mal a ele, eu não quero me envolver e saio daqui com as minhas mãos lavadas.

- Por que, de repente, você ficou tão preocupado em não machucar o Enzo?

- Pra começo de conversa, eu nunca tive interesse em machucar ele! Eu já disse que o que aconteceu na piscina foi um erro, mas não é como seu eu tivesse empurrado ele! Ele escorregou das minhas mãos e eu fiz uma escolha errada de não o ajudar!

- Tanto faz, eu já me arrependi desse plano. Vamos fazer isso então... deixamos ele em algum lugar, depois avisamos alguém para... – Neste momento, Enzo estava no meio da sua tentativa de alcançar o celular no bolso, mas o aparelho acabou escorregando do seu bolso e caindo no chão, alertando os demais de que algo se passava no quarto – O que foi isso?

- Eu não sei, parece que veio do quarto. Acha que ele acordou?

- Vamos verificar – disse Frida, dirigindo-se para o quarto. Ao entrar e ver o aparelho no chão e Enzo consciente, este disse: - Viu do que eu estava falando? Extremamente irritante!

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Capítulo 7 - Revolução: A Nova Finnel

- Inicialmente, é necessário dizer que esta foi uma decisão difícil e não-unânime...

- Não! Não é justo! – gritou Hugo, em meio à multidão.

- Companheiro Hugo, por favor, deixe-me terminar de informar a decisão.

- Pedimos desculpas, ele só está muito nervoso. Pode prosseguir conselheiro! Certo Hugo?

- Sim, eu peço desculpas... pode continuar...

- Obrigado! Continuando, esta decisão é controversa, porém representa a opinião da maioria dos conselheiros. Peço a todos os presentes que se comprometam a respeitar a decisão de... bem... conceder anistia ao acusado... – neste momento, várias pessoas na multidão começam a gritar em desaprovação, mas são prontamente contidas pelo porta-voz  - ATENÇÃO! Como eu disse anteriormente, sabemos que esta é uma decisão controversa, mas pedimos que confiem na decisão dos vossos conselheiros e, para aqueles que ainda tiverem problemas com esta decisão, estaremos abertos para ouvi-los a seguir. Entretanto, gostaríamos de ressaltar alguns pontos importantes acerca desta decisão: quanto ao irmão mais novo, visto que não teve participação direta no que ocorreu em Pasine e por se tratar meramente de uma criança, não será realizado julgamento, embora ambos não estão livres para partir, de modo que devem permanecer em Arlyston sob supervisão direta do conselheiro Felipe, o qual foi nomeado como guardião dos dois a partir de agora. Caso algum dos dois tente sair do vilarejo sem supervisão, os demais moradores estão autorizados a tomar as medidas necessárias. O acusado está em período probatório por prazo indeterminado, de modo que deve provar o seu valor ao povo de Arlyston, contribuindo ativamente para o bem do vilarejo. Caso, seja apanhado em qualquer atividade que prejudique o vilarejo ou não contribua da mesma forma que os outros, este conselho fará nova avaliação para reavaliar a decisão de anistia. Por fim, o acusado está obrigado a se desculpar pessoalmente com as famílias de cada pessoa que foi afetada pelas suas ações. Caso Rafael II e o conselheiro Felipe estejam de acordo com essas condições, podemos dar por encerrada a deliberação deste caso e iniciar o período probatório, no qual o ex-visconde deve tentar se integrar a este vilarejo e tentar se redimir dos seus erros.

 

- Eu aceito estes termos e admiro a objetividade do conselho nesta decisão – prontamente respondi – responsabilizo-me pelos cuidados de Rafael II e Davi, fazendo o possível para que se integrem ao nosso vilarejo e sejam dignos da misericórdia que estão demonstrando para com eles.

- Muito bem, que assim seja – respondeu o porta-voz – Tragam Rafael II! – ordenou ele. Assim que o meu primo saiu à rua, a multidão iniciou novamente a gritar – SILÊNCIO! Repito que, qualquer pessoa que esteja descontente com a decisão pode conversar conosco a seguir. Por ora, vamos confirmar se o acusado aceita os nossos termos, em cujo caso será escoltado até o alojamento do conselheiro Felipe. Então, o que tem a dizer em relação ao que foi decidido? – finalizou ele, dirigindo-se a Rafael.

- Eu... bem... – podia-se ver que pronunciar aquelas palavras estava a ser uma tortura para ele – Eu agradeço a oportunidade... vou fazer tudo... tudo para provar que me deixar viver não foi um erro...

- Sendo assim, dou por encerrado este veredito e peço que todos voltem às suas atividades. Como eu disse, quem não se sentiu representado por esta decisão pode vir conversar com o conselho agora – Assim, a multidão dispersou-se, embora muitas das pessoas estivessem visivelmente incomodadas e descontentes.

- Então eu acho que podemos ir – disse eu, depois que a multidão havia se dispersado, dirigindo-me a Rafael, o qual estava sendo contido por dois conselheiros.

- Rafael! – disse Hugo, abraçando-o – Ainda bem que, no fim, deu tudo certo!

- Podes parar com... – respondeu Rafael, corado, visivelmente desconfortável e tentando se desvencilhar de Hugo – isso... sabes que eu não gosto...

- Bem, pois pode começar a se acostumar – respondeu Hugo, determinado – Boa parte da mudança que precisa ocorrer contigo diz respeito a te aceitares! És um de nós agora e aqui nós demonstramos afeto sempre que nos apetece!

- Sim... é que...

- Nem adianta, este aqui quando põe algo na cabeça, é extremamente persistente!

- Sou mesmo! – confirmou Hugo - Agora vamos andando, afinal, com certeza, precisas urgentemente descansar! No momento estás com uma aparência péssima, que não faz jus à tua beleza!

- Está bem! Está bem! Desde que pares com estas coisas de abraços e elogios – respondeu Rafael, visivelmente desconcertado – Será que podem me levar de uma vez ao alojamento... por... favor? – finalizou ele, dirigindo-se aos conselheiros, os quais assentiram e começaram a conduzi-lo, enquanto eu me mantive um pouco atrás, junto com Hugo.

- Bem, parece que as mudanças já começaram – disse eu, sussurrando e rindo – Já até ouvimos um “por...favor?”

- Espero que sim – respondeu Hugo em um tom mais sério – Sabes tanto quanto eu que ele ainda não está fora de perigo e, com aquele temperamento, não sei se ele conseguirá mostrar que mudou... e se eles voltarem atrás na decisão? E se...

- Calma – pus minhas mãos nos ombros dele – Te importas de verdade com ele, não é? Dá para perceber!

- Sim! Como eu disse, que sei que ele foi parte de coisas horríveis... que ele te torturou... e eu sinto muito! Mas eu sei que ele não é tão mau quanto parece!

- Eu também já comecei a perceber isso, embora não possa perdoá-lo completamente por ora...

- Eu imagino...

- Mas não se engane, eu realmente espero que isso dê certo! Afinal, ele é meu primo! A única diferença entre ele e eu é que o meu pai não era um monstro! Olha, eu vou fazer de tudo para que ele consiga se integrar aqui e tentarei convencer o conselho a manter a decisão, mas vou precisar da tua ajuda para ter certeza de que  Rafael vai fazer a parte dele.

- Quanto a isso, pode ficar tranquilo, pois eu estarei todos os dias de olho nele! Fazendo de tudo para que a adaptação seja mais fácil!

- Eu tenho certeza de que sim! – neste momento os conselheiros, que estavam logo à frente, chegaram ao meu alojamento, então eu finalizei – Eu fico muito feliz de ver o quanto crescestes emocionalmente Hugo, a ponto de poderes ajudar outra pessoa que também está perdida a encontrar o próprio caminho! – dito isso, dirigi-me aos conselheiros – Eu assumo daqui. Muito obrigado! – Assim que conduzi Rafael para dentro do alojamento, Davi veio ao nosso encontro e abraçou o irmão, enquanto Tomás e William expressaram com olhar grande surpresa e confusão.

- Irmão! É tão bom te ver de novo! Eu pensei que eles fossem...

- Está tudo bem agora, eu acho… - respondeu Rafael, olhando para mim.

- Ótimo! Quando podemos ir para casa?

- Bem, quanto a isso... Davi, esta é sua a nova casa! O conselho aceitou libertar o Rafael, com a condição de que os dois fiquem aqui em Arlyston... não, se preocupe, pois ninguém os fará mal, isto eu garanto! Mas vocês precisarão executar tarefas, assim como todos neste vilarejo!

- Mas eu nunca fiz nenhuma tarefa... e se não gostarem e quiserem me punir!

- Ninguém vai te punir Davi! Além disso, não se preocupe, pois nós vamos ajudar!

- Prometem?!

- É claro! Nós gostamos muito de você e vamos fazer de tudo para que consiga se sentir em casa aqui!

- Exato! Nós vamos cuidar de você! Isso é uma promessa! E assim que eu estiver melhor eu prometo que vamos te levar para ver as partes mais bonitas do vilarejo!

- Eu gostaria muito! Obrigado Tomás!

- Claro, porque aqui todos vivem felizes para sempre… – resmungou Rafael.

- E… quase! – respondeu Hugo – Quase ficamos uma conversa inteira sem comentários…bem, comentários como só você sabe fazer! – Finalizou ele rindo – Eu peço desculpas, ele ainda é um trabalho em andamento!

- Bem, eu vou dar crédito a ele por ter ficado tanto tempo sem fazer os seus comentários, mas realmente a atitude precisa melhorar! De fato, nós aqui em Arlyston, ultimamente, não temos trabalhado com a perspectiva de “felizes para sempre”, pois, como você mesmo sabe, os nossos entes queridos podem desparecer de nossas vidas de uma hora para outra. Mas temos tentado trabalhar com a perspectiva de fazer tudo uns pelos outros e tentar tirar o melhor do tempo que temos com aqueles que amamos. Talvez essa seja a maior lição que podes aprender conosco e nós... bem... eu, pelo menos, estou disposto a recomeçar do zero e te ajudar no que for possível. Mas eu preciso que estejas disposto a trilhar esse caminho junto comigo.

- Bem…

- Não precisa responder agora, até porque eu preciso ir ver o Bernardo. Mas pensa sobre isso! E digo mais, caso você melhore a sua atitude, eu não vou ser o único a te oferecer ajuda! Aqui em Arlyston, assim como na antiga Finnel, nós estamos abertos a receber todos aqueles que estejam de coração aberto para fazer parte da nossa família – dito isso, eu saí e direção ao local onde estava Bernardo, com o coração um pouco mais leve, por ter momentaneamente resolvido o problema do julgamento de Rafael. Agora, o que eu mais queria era finalmente ter Bernardo nos meus braços, sem pressa... apenas nós dois...depois de tanto tempo.