domingo, 16 de março de 2014

Capítulo 1 - A Benção dos Imortais (Cont.)

06 DE NOVEMBRO DE 2012, 08:25

Há nove dias, Ethan não imaginava que estaria atravessando os Estados Unidos sozinho e nem que ele não teria para onde voltar depois que a sua jornada terminasse. Aquelas imagens ainda vinham à sua cabeça intermitentemente e nem mesmo o cansaço que o seu corpo sentia conseguia mudar o rumo dos seus pensamentos.
No dia 28, um domingo de outubro como outro qualquer, o garoto estava tendo bons momentos ajudando o seu pai, um dono de restaurante que adorava passar as horas vagas cozinhando com o filho, o qual tinha um jeito especial de ajudá-lo a preparar a comida: esquentando, tostando, torrando, assando e até mesmo flambando, a partir do poder sobre o fogo que ele descobrira possuir aos dez anos de idade. Porém, algo diferente aconteceu naquele dia, quando ao tentar acender a churrasqueira o garoto a explodiu com uma grande bola de fogo. Isto, com certeza, surpreendeu o pai, que exclamou:

- Ethan! O que...foi isso?!!
- Pai...eu não queria...eu não sei...
- Tudo bem, eu sei que você não queria. Você não se machucou, certo? - o pai o inspecionou de cima a baixo, e, exceto por cinzas vindas da churrasqueira em chamas, o garoto não tinha sofrido nenhum tipo de queimadura.
- Não pai, relaxa! Eu não me queimo, lembra?
- Tá certo, mas eu não posso deixar de me preocupar! Agora...Ethan, será que você poderia dissolver o fogo meu filho? Os vizinhos não vão gostar de ver essa fumaça toda!
- Ah...claro pai - O garoto ergueu ambas as mãos em direção ao objeto incinerado e as chamas que ainda estavam ativas voaram em sua direção e então se esvaíram.

Segundos depois um triângulo incandescente surgiu no chão próximo ao garoto, que já o conhecia e, de modo muito familiarizado, esperou por uma mensagem, que veio em seguida: Se você não seguir as minhas recomendações, coisas como essas se tornaram ainda mais frequentes. Um elemental do fogo sem treinamento pode ser um perigo para si e para aqueles que o cercam! Pense nisso. Flamus.
Quando tinha doze anos, Ethan vira o mesmo simbolo se materializar na sala de sua casa, enquanto ele assistia televisão, porém, naquela época, a usual mensagem lhe instruía a ir procurar pelo imortal que lhe concedera os seus poderes. Confiante de que ele conseguiria, com o auxilio do pai, controlar os seus poderes, o garoto não respondeu à mensagem, que aparecia sempre na mesma hora e local, com a mesma mensagem, desde aquele dia. Por isso, o fato do triângulo, simbolo de Flamus, mostrar outra mensagem, em horário e local diferentes, deixou Ethan e o pai preocupados. Diante disso, o pai do garoto imediatamente comentou:

- Ethan...eu acho que você realmente precisa ir...
- Não pai! Relaxa, eu só perdi o controle um pouco...preciso treinar mais meu autocontrole...mas não é necessário! - O garoto parecia decidido sobre aquilo, pois, de fato, o que lhe impedira de seguir as orientações de Flamus foi o pensamento de deixar o pai sozinho, já que este sempre dedicou a vida somente a ele quando a esposa morreu após o parto.
- Eu sei que você não quer me deixar sozinho meu filho, mas você viu o que Flamus escreveu...os seus poderes podem ser perigosos para você se não tiver treinamento!
- Mas pais...
- Não meu filho - o pai dele também estava decidido - É necessário! Amanhã, quando a estrela aparecer de novo, você vai segui-la até Flamus, conseguir treinamento e controle sobre os seus poderes, só depois você poderá retornar a essa casa, que sempre vai estar te esperando!

Mesmo após a afirmativa do pai, Ethan ainda tentou argumentar contra a partida de sua casa, porém foi veementemente convencido de que isto seria o melhor para ele. Naquela noite, ambos arrumaram mantimentos, roupas e outros artigos indispensáveis à jornada que o garoto enfrentaria, entretanto, quando tudo indicava que a viagem ocorreria bem, Ethan resolveu fazer um último apelo:

- Pai, eu não quero te deixar sozinho aqui! Não tem ninguém pra olhar por ti! O senhor passa o tempo todo no restaurante...quem vai cuidar dessa casa? Quem vai te ajudar?
- Calma filho - o pai do garoto pousou a mãe suavemente no seu ombro e afirmou decidido: - Eu vou saber me virar...eu também não quero que você vá meu filho...mas eu fui imprudente em te apoiar quando decidistes não seguir Flamus da primeira vez...você precisa ir...
- NÃO É JUSTO! - o garoto bradou - EU NÃO QUERO IR! POR QUE ESSE IMORTAL QUER AFASTAR DE VOCÊ PAI?

Sem perceber o garoto balançava os braços energicamente em meio ao seu acesso de raiva, porém, repentinamente, uma fagulha surgiu da ponta da sua mão direita, a qual começou a irradiar ao longo do braço até atingir todo o corpo. Ethan nunca se machucou com o fogo, afinal ele era um elemental, porém ele sentiu como se sua pele começasse a ser consumida pelas chamas e, no minuto seguinte, tudo ficou fora de foco até sumir.
Ethan acordou sobressaltado e as coisas ainda estavam fora de foco, porém, pelo som ensurdecedor de sirene, ele deduziu que estava em uma ambulância e havia alguém debruçado sobre ele. Ele tentou balbuciar algo, mas não conseguiu, pois antes de conseguir falar tudo sumiu novamente.
Na segunda vez em que acordou, novamente sobressaltado, ele já conseguia distinguir as formas ao seu redor e verificou que estava em um leito de hospital. Como se lembrasse de algo urgente, ele olhou a sua pele e constatou que ainda estava integra, apesar de recordar de uma dor excruciante antes de desmaiar. Este pensamento remeteu a outra questão: onde estava o pai?
A sua resposta veio em seguida, através de uma enfermeira, que parecia bastante satisfeita ao vê-lo consciente, já que, segundo ela, o garoto tinha dormido por três dias. Ao indagar sobre o pai, o Ethan teve o maior choque da vida ao saber que ele morrera em um incêndio acidental, cuja fonte ainda estava sendo investigada. Isto o levou a outro desmaio.
Quando voltou à consciência, Ethan não teve tempo de pensar sobre o que a enfermeira havia lhe dito, pois ele se deparou com uma figura bem incomum de pé ao lado do seu leito: um homem alto, aparentemente forte e com traços faciais rústicos, o qual vestia um sobretudo amarelo ouro e, o mais impressionante, o garoto poderia jurar que havia uma aura de energia ao seu redor, porém poderia ser algum efeito colateral do acidente ou de alguma medicação, pois as pessoas não saem brilhante por ai quando querem, pensou ele. A despeito da sua surpresa, o homem falou calmamente:

- Olá Ethan! Vejo que está...melhor!
- Err...quem é você? - perguntou o garoto, confuso pelo modo familiar com que o homem o tratava.
- Ora, você não reconhece aquele que lhe fez um elemental? - Falando pausadamente, o homem finalizou a frase com uma piscada.
- Você...você é Flamus?! - o garoto passou do choque à raiva em pouco segundo, então completou: - O QUE VOCÊ QUER AQUI? JÁ NÃO BASTA TER CAUSADO A MORTE DO MEU PAI?
- Ethan - retrucou o homem, ainda muito calmo - não fui eu quem causou a morte do seu pai - ele fez uma pausa, então continuou: - eu sinto muito por lhe dizer isso...mas você mesmo causou isso minha criança!
- CALA A BOCA! - Ethan iniciou um choro incontrolável, porém continuou bradando - EU NÃO SOU CRIANÇA! VAI EMBORA...ENFERMEIRA, ESSE HOMEM ESTÁ ME IMPORTUNANDO!
- Sinto muito Ethan, somente os elementais podem ver e falar com os Imortais. Nesse exato momento, as demais pessoas deste hospital, inexplicavelmente, tem um sensação de que não devem vir aqui!
- O que? - Ethan pensou sobre isso, então disse rispidamente: - O que queres? Vais me matar por não ter ido para o seu estúpido "treinamento"?
- Mas é claro que não - Flamus não perecia nem minimamente afetado pelas palavras de Ethan - Você foi o meu escolhido...veja bem, os elementais são escolhidos por predisposições que nós Imortais percebemos nas crianças que abençoamos, sendo que cada um é escolhido por possuir características dos elementos com os quais são escolhidos.
- E o que isso tem a ver comigo? - perguntou o garoto ainda irritado.
- Bem, olhe só pra você! Intenso, incontrolável e determinado, tal como o elemento com o qual foi abençoado, porém, por esse mesmo motivo, os elementais do fofo acabam sendo, digamos assim, "problemáticos". Bom, deixe-me ir direto ao assunto, é muito incomum que os elementais sejam visitados pelos Imortais antes de se provarem dignos de tal glória, porém o jeito usual, através dos nosso simbolo-guia, pelo visto não deu certo com você, então eu tive que vir até aqui para lhe advertir, novamente - Flamus ressaltou a última palavra - de que um elemental sem treinamento é muito perigoso para si mesmo e para aqueles ao seu redor! Infelizmente, quando eu cheguei à sua casa, no dia do acidente, eu não pude fazer nada pelo seu pai, porém consegui lhe salvar de ser consumido pelas chamas.
- Ah - Ethan lembrou da dor que sentiu no dia do incêndio - Mas eu pensei que eu não poderia ser machucado pelo fogo!
- Oh, não é bem assim. Preste atenção, vocês elementais são apenas abençoados pelos nossos poderes, porém ainda são mortais e não tem total controle sobre os seus elementos! Bem, é aqui que entra a importância do treinamento, pois através dele nós os ensinamos a ter o máximo controle possível sobre eles!
- Mas por que aconteceu aquilo? - Ethan parecia mais tranquilo, embora ainda preservasse o ar hostil.
- Há uma única situação que pode causar a morte de um elemental pelo seu próprio poder Ethan: Falta de energia causada por cansaço, fadiga e/ou estresse físico ou mental!
- Mas eu não...
- Você ia dizer que não estava cansado no momento do acidente? - interrompeu o Imortal - bem, vamos recapitular, você não queria deixar aquela casa e, por mais que seu pai lhe dissesse para fazer aquilo, você ainda se sentia angustiado por deixá-lo, não foi isso?
- Bem sim...mas...
- Deixe-me terminar Ethan! A angústia causa um estresse emocional tão grande que é como se, aos poucos, fosse cansando a nossa mente aos pouco! Por que você acha que há tantos casos de pessoas que viram casos de psiquiatria devido ao estresse e às elevadas demandas cotidianas da sociedade? Você sucumbiu ao medo de perdeu o seu pai e, eu lamento em dizer, que foi isso que o fez perdeu o controle...
- Mas, como você me salvou então?
- Bem, quando um elemental perde o controle ele sucumbe aos efeitos do seu elemento, como qualquer mortal, porém em um ritmo mais lento, então, quando eu, para sua sorte, cheguei à sua casa, você estava no...meio do processo...digamos assim. Mas afinal eu sou o Imortal do fogo, então consegui reverter o processo a tempo, mas devo lhe advertir que, se você estivesse em um nível mais avançado, não haveria nada que eu pudesse fazer, então seja mais cuidadoso.
- Cuidadoso? - Ethan estava indignado.
- Sim, cuidadoso - Flamus falou de modo indiferente à indignação do garoto - vou lhe contar algo que deveria lhe ensinar só depois, mas não estamos em um caso tipico certo? Bom, eu vou lhe dizer como os seus poderes funcionam: cada Imortal insere um pouco da sua energia junto com a energia vital dos elementais, então elas trabalham juntas para você possam viver normalmente, com o aditivo de poder controlar um elemento especifico. Porém, esta é uma relação estável e, ao mesmo tempo, frágil, pois, caso a energia vital seja abalada por algum motivo, vocês irão sucumbir à energia elemental, tal como aconteceu com você!
- Ah, então isso funciona como Yin e Yang?
- Bem...esse é um jeito interessante de ver as coisas, mas, sim, pode-se dizer que elas funcionam dessa maneira. Agora preste bastante atenção ao que eu vou dizer, pois isso é o mais importante, a energia vital dos mortais pode ser perturbada quando há um esgotamento físico ou mental, e é isso o que pode causar a morte e um elemental! Entendeu agora?
- Sim, você injetaram um veneno em nosso organismo, que vai nos matar se nos ficarmos cansados!
- Ora, não seja bobo! Uma grande dádiva como a benção de um imortal não pode vir sem alguma fraqueza...ser um elemental é uma grande honra! Mas, se você não souber como usá-la a seu favor, realmente, uma grande maldição! Portanto, se você vier ao meu encontro,  eu prometo que posso tornar a sua momentânea perda em algo que seu pai iria se orgulhar?
- Como?
- Apenas venha ao meu encontro e você verá! Eu já passei muito tempo aqui, alias muito além do que deveria, mas eu repito: venha ao meu encontro e se torne grandioso, como o seu iria querer.

Flamus desapareceu bem diante dos olhos de Ethan em um labareda de fogo que deixou uma fumaça residual, a qual permaneceu alguns segundos no ar até desaparecer também. Em seguida, um triângulo incandescente, algo familiar a Ethan, apareceu em seu colo e, como esperado, mostrou uma mensagem:  Ethan, espero que reflita sobre o que eu disse. Se quiser me encontrar, mostre ao triângulo um prova do seu poder e ele lhe guará. Flamus.
Ethan passou alguns minutos pensando sobre o assunto, durante os quais o triângulo, estranhamente, permaneceu em seu colo, o que lhe chamou a atenção, já que ele usualmente desaparecia em questão de segundos. Após longos minutos de reflexão, Ethan pensou o que eu tenho a perdeu?, então mostrou uma pequena chama ao triângulo que brilhou intensamente e deixou a seguinte mensagem: Vulcão Yellowstone.
No dia 06 de novembro, às 08:25 da manhã, Ethan chegou ao parque de Yellowstone, no estado de Wyoming, perguntando-se o porquê de Flamus o ter levado até aquele lugar e pensando se isso, realmente, era o que o pai dele iria querer, o que lhe causou uma forte sensação de aperto no peito e o fez desviar os seus pensamentos para a procura pela próxima pista que Flamus daria para lhe conduzir até o seu tão controverso treinamento.

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