No outro dia, Roberto estava decidido a ligar para a casa de Daniel, a fim de "compartilhar a sua opinião" sobre o que acontecera no dia anterior. Enquanto isso, Enzo estava tendo grande dificuldade em dissuadi-lo da ideia:
- Pai, o senhor não pode ligar para a casa dele! o Seu Pedro não sabe que Daniel e eu namoramos!
- Eu não me importo! Quem esse rapaz, ou melhor, esse moleque pensa que é pra ir e vir da sua vida quando quiser, fazer e acontecer desse jeito? - Respondeu Roberto decidido.
- Pai - Enzo pôs as mãos nos ombros do pai - Deixa isso comigo tá? Eu estou aqui, inteiro e de bem com vida! Eu não quero mais nada com o Daniel e a melhor forma do senhor me ajudar é me ajudando a esquecer completamente dele. Pode ser?
- Eu não gosto disso...mas tudo bem, se é o que você quer... - Disse Roberto resoluto.
Enzo, de fato, se empenhou em se afastar de Daniel e, de certa forma, este contribuiu para isso, na medida em que não buscou mais Frida na porta da sala e nem se fez presente nos mesmos locais frequentados por Enzo.Além disso, o semestre logo chegou ao fim, assim como as aulas na UFTU, o que deu ao rapaz um tempo livre do local em comum com o ex-namorado. Desse modo, seja por intencionalidade de Daniel ou por pura "sorte" de Enzo, passou-se dois meses nos quais Enzo seguiu com sua vida e cultivou uma amizade forte com Pietro, que se tornou um grande confidente e um porto-seguro para os momentos em que Enzo sentia qualquer dificuldade. Os dois inclusive viajaram juntos para o Rio de Janeiro, a fim de aproveitar as férias na casa dos pais de Pietro, que adoraram conhecer Enzo.
Em contrapartida, Daniel tentou continuar o namoro com Frida, porém, depois da interrupção das aulas na UFTU, ele perdeu o interesse no relacionamento e passou a permanecer horas no quarto, simplesmente deitado. Certo dia, o pai do rapaz, preocupado com a situação, indagou:
- Daniel, meu filho, você precisa sair desse quarto! - disse o homem em tom preocupado - Por que você não liga para um dos seus amigos e o convida para sair ou fazer alguma coisa?
- A maioria está viajando pai - respondeu o rapaz, que estava com a barba por fazer, cabelos desgrenhados e com feições de sono - E eu também não quero sair daqui...
- Mas por que? Aconteceu alguma coisa?
- Sim...eu não tenho mais motivação para sair de casa...foi isso que aconteceu...
- Mas e a Frida?
- Nós terminamos... - respondeu o rapaz desleixadamente - agora, se o senhor não se importar, eu vou voltar a dormir....
- Ah, eu me importo! - disse Pedro com firmeza - Arrume-se e venha comigo...eu quero te levar a um lugar...
- Eu não quero ir pai...
- Por favor Daniel, faça isso por mim!
- Ahh...tudo bem...estarei na sala em dez minutos! - respondeu Daniel contrariado.
Depois de tomar banho, fazer a barba, colocar roupas limpas e pentear o cabelo, Daniel partiu com o pai para um local que foi mantido em segredo até que o rapaz avistou um local familiar da estrada no qual ele lembrou já ter estacionado na companhia dos pais, então ele perguntou:
- Por que você me trouxe aqui pai?
- Por que eu quero que você lembre de uma coisa... - respondeu o pai do rapaz - Mas precisamos fazer aquela velha trilha...então, topa?
- Tudo bem...
- Que bom, então vamos.
Os dois seguiram uma trilha dentro de uma floresta por quinze minutos, até que chegaram na beira de um riacho, no qual havia uma pequena cascata, onde eles se sentaram. Nesse momento, Daniel, impacientemente, perguntou:
- Agora você pode me dizer o motivo pai?
- Posso sim meu filho! Na verdade eu quero que você me diga uma coisa - disse Pedro com um tom de voz calmo - Você se lembra do que me disse na última vez em que nós estivemos nesse lugar?
- Ah pai, eu devo ter dito muita coisa! Eu não sei...
- Não meu filho - continuou Pedro - Você me disse da última vez que estivemos aqui, há mais de dois anos, que você queria ser educador físico, porque o seu sonho era ser como o seu instrutor de natação e eu lhe disse que desistisse disso...lembra?
- Err...lembro... - disse Daniel incerto - Mas por que o senhor resolveu me trazer aqui só para me lembrar disso?
- Por que não foi só para isso! Eu queria te mostrar que você é como aquela cascata, segue o seu próprio fluxo e eu não posso tentar te conter...eu fui insensível e ignorante por tentar controlar a sua vida em todos os aspectos possíveis!
- Isso não tem importância pai, eu estou gostando de cursar Direito!
- Mas eu não estou me referindo somente a isso...meu filho, eu sei sobre o Enzo!
- Do que você está falando pai - respondeu Daniel apreensivo.
- Não precisa ter medo filho! Eu sei de tudo desde antes da morte da sua mãe!
- É mesmo? Mas por que nunca me disse nada?
- Eu não sabia como tocar no assunto e, para falar a verdade, eu não sabia, ou melhor, ainda não sei como me sinto em relação a isso!
- Como assim? - perguntou Daniel confuso e ainda apreensivo com a possibilidade de decepcionar o pai - o senhor também está decepcionado comigo?
- Também?
- Sim, também estava decepcionando a minha mãe... - respondeu Daniel em tom quase inaudível.
- Do que você está falando? Você nunca nos deixou decepcionados! Na verdade sempre foi o nosso maior orgulho!
- Ela queria que eu tivesse uma boa esposa, mas eu não consigo pai! Eu...eu gosto do Enzo... - Daniel começou a chorar.
- Calma meu filho - disse Pedro ao abraçar Daniel - Eu preciso te contar uma coisa que talvez te faça se sentir melhor - ele respirou fundo, então continuou: - A sua mãe também sabia do Enzo e nunca desaprovou isso, na verdade, ela me disse antes de morrer que te amasse independente de qualquer coisa! Por isso...meu filho, por isso que eu quero que você faça da sua vida o que você quiser a partir de agora, sem pensar se vai me decepcionar ou não! Desde que você não faça nada ilegal, eu nunca vou te dizer que você está errado, pois eu só quero que você tenha um motivo para viver... - Pedro começou a chorar - Não desista da vida, por favor meu filho!
- Pai... - Daniel abraçou o pai bem apertado e os dois permaneceram desse modo por longos minutos, até que Daniel quebrou o silêncio: - Eu não desisti da vida, é só que o fato de perder o amor da minha vida estava me deixando sem vontade de fazer qualquer coisa.
- Eu entendo meu filho...mas eu quero lhe dar um conselho muito valioso também: Não deixe a sua vida depender de outras pessoas! Ame, ame intensamente, mas sempre se permita existir além desse amor, pois quando a relação acabar, você sempre terá as sua próprias razões para viver! É por isso que eu falei da Educação Física...se esse é realmente o seu sonho, vá atrás dele!
- Mas eu vou começar o quinto semestre pai! Isso é metade do curso!
- E dai? Você é jovem! Ainda tem tempo de sobra para ir atrás dos seus sonhos! Eu acho que você precisa e algo novo no que focar para sua vida! Eu sei que a sua mãe faz muita falta, acredita, mas a vida, infelizmente, tem que seguir sem ela.
- Realmente, ela faz muita falta e o fato de achar que eu talvez pudesse tê-la decepcionado deixou as coisas ainda piores, mas eu...eu não sei, estou me sentindo um pouco mais leve.
- Desculpe por ter omitido isso filho...eu não entendia a profundidade do que você sentia por esse rapaz até o momento em que te vi definhar diariamente por não estar com ele e...desculpe por isso, mas outra noite eu passei perto do seu quarto e ouvi você rezando e pedindo perdão por ainda gostar do Enzo, quando a sua mãe não aprovaria isso. Isso cortou meu coração e me fez repensar a minha decisão de omitir isso de você e, mais ainda, fez-me repensar os meus conceitos. Portanto, se é ele que você ama, quem sou eu para dizer que você está errado?! Apenas não esqueça de você mesmo tá?
- Então...então o senhor está dizendo que aprova isso? - perguntou Daniel animado.
- Bem...sim, eu estou dizendo isso!
- Nossa, o senhor não sabe o quanto isso me faz feliz!
- Bom, eu posso imaginar!
Dessa forma, finalmente, Daniel tomou conhecimento do que a sua mãe pensava a respeito do seu relacionamento com Enzo e isso o deu um novo motivo para se alegrar com a vida. Enquanto voltavam de carro para casa, o pai do rapaz perguntou:
- E agora, você vai voltar a err...se relacionar com aquele rapaz? - Pedro tinha um tom reservado e um pouco desconfortável.
- Relaxa pai - disse Daniel rindo - não precisa ficar tenso! Bom, eu não sei pai...eu pensei no que o senhor disse e talvez eu precise me reestruturar antes de iniciar qualquer relacionamento! Além disso, eu já fiz muito mal ao Enzo e já o fiz sofrer demais sabe? Acho que ele merece ser deixado livre para seguir a vida sem mais sofrimento, mas quem sabe quando eu estiver melhor, nós possamos pelo menos voltar a ser amigos!
- Eu entendo! Bem, seja lá o que você decida fazer, saiba que tem todo o meu apoio!
- Obrigado pai!
- E quanto à faculdade?
- Bem - respondeu Daniel em tom calmo e firme - Eu realmente não quero largar direito a essa altura do campeonato, mas pensar novamente em Educação Física me trouxe boas lembranças do quanto eu gosto disso...portanto, se o senhor puder pagar o curso, eu ficaria muito feliz em conciliar os dois!
- Você acha que consegue?
- Eu acho que sim pai - respondeu Daniel com segurança - o meu curso tem horários predominantes em um turno a partir de agora, então posso fazer o outro curso no contra-turno.
- Sendo assim, eu ficarei muito feliz de pagar o curso para você! Mas já lhe aviso que eu exijo um rendimento muito bom em ambos os cursos, para me provar que você consegue conciliar os dois, ok?
- Tudo bem pai!
Enquanto isso, no Aeroporto Internacional João Ribeiro Barros, em São Patrício, Pietro e Enzo estão desembarcando de um avião vindo do Rio de Janeiro. Enquanto andavam pelo salão de desembarque, Enzo é surpreendido por alguém batendo em suas costas e dizendo:
- Oi Enzo! - disse Guilherme, outro ex-namorado de Enzo, com a sua habitual irreverência.
- Guiherme! - respondeu Enzo abraçando o recém-chegado - O que você está fazendo aqui?
- Ah, eu vim passar uns dias com os meus pais antes de retornar às aulas. Mas e você, por que está aqui no aeroporto? Está chegando de onde?
- Ah, eu viajei para o Rio com o meu amigo, que, a propósito, chama-se Pietro - disse Enzo apontando para Pietro que tinha se mantido calado durante os cumprimentos dos dois rapazes.
- Ah, ta! Oi Pietro, prazer em te conhecer! - respondeu Guilherme analisando o rapaz dos pés à cabeça e estendendo a mão direita.
- Eu digo o mesmo! - replicou Pietro apertando a mão de Guilherme.
- Vocês estão tipo...namorando? - perguntou Guilherme.
- Não! - respondeu Enzo prontamente - Será que dois rapazes não podem viajar juntos e ainda serem amigos?
- Não com um pedaço de mal caminho como você! - disse Guilherme apertando a bochecha de Enzo.
- Você não muda mesmo não é?! - perguntou Enzo.
- Claro que não! E você me ama assim mesmo certo? - respondeu o rapaz rindo.
- Claro...perdidamente!
- Mas então onde está o seu namorado Enzo?
- Ah...é uma longa história...você tem tempo?
- Claro! Para você todo o tempo do mundo!
- Ótimo! Então você pode vir fazer um lanche conosco! - disse Enzo - Tudo bem para você Pietro?
- Claro, sem problemas!
- Certo, então vamos logo!
Dessa forma, uma figura muito importante da vida de Enzo retorna para a vida ele em um momento no qual ele está tentando "reconstruir" a sua vida sem Daniel, com a ajuda de Pietro, que se tornou o seu melhor amigo.