sábado, 9 de agosto de 2014

Capítulo 5 - Revolução: A Homorevolta (Cont.)

Os túneis pareciam um labirinto sem fim, porém, depois de algum tempo correndo, Bernardo conseguiu nos guiar de volta à casa de Maria, que ficou surpresa em nos ver novamente:

- O que vocês estão fazendo aqui rapazes?
- Nós sentimos muito Maria, mas precisaremos usar da sua boa vontade mais uma vez! Precisamos de abrigo, para que possamos planejar o nosso próximo passo!
- Bem...eu realmente não tenho nada a perder! Eu fico feliz de poder ajudar aqueles que uma vez estenderam a mão ao meu filho! Fiquem à vontade!
- Muito obrigado novamente Maria!

O nosso plano inicial era fugir do vilarejo e montarmos outro refúgio, conforme sugerido por Raul, porém, eu senti que precisava de uma atitude mais drástica:

- Eu não sei quantos de vocês vão me apoiar...mas eu quero montar uma frente de resistência aqui neste vilarejo!

- Do que você está falando?! Esse vilarejo está cheio de guardas do Conde Rafael! Nós precisamos fugir!
- Raul, você esteve me treinando há algum tempo e sempre me disse que eu precisava ser uma pessoa mais forte! Bem, essa é a nossa chance! Pense bem, essa é a base mais fraca de Conde Rafael! Como Hugo disse, o fluxo de pessoas aqui é bem menor do que em outros locais, então, se vamos começar uma revolução, que seja aqui!
- Ele tem razão Raul! Eu estou orgulhoso de você Felipe! Esse tipo de raciocínio é digno de um general e eu aprecio muito a sua coragem de querer levar isso a frente! Eu te apoio plenamente e estou ao seu lado nisso!
- Obrigado irmão! Você com certeza também contribuiu muito para que eu desenvolvesse esse senso de batalha! Mas então, o que você acha Raul? Este ainda é o seu grupo de refugiados!
- Bem...posso dizer que também estou orgulhoso de você Felipe! Eu confesso que, quando chegastes ao acampamento, eu te via mais como um empecilho, mas te provastes mais útil que muitos outros e, nesse momento, também te mostrastes bem mais corajoso do que a maioria! Por mim, este grupo se organiza agora e executa uma revolta neste vilarejo contra os guardas de Conde Rafael! Quem está a favor?

Haviam cinquenta e seis pessoas para votar, mas apenas quarenta e quatro delas levantaram as mãos em assentimento. Para aqueles que se omitiram, Raul disse:


- Bem, então é aqui que este grupo se divide! Vocês podem sair a hora que quiserem, porém não poderão voltar a este grupo caso tenhamos sucesso em dominar os guardas deste vilarejo! Eu sinto muito, mas assim como não posso obrigá-los a lutar, também não posso pedir àquelas pessoas que arriscarão as suas vidas para aceitá-los novamente.


Imediatamente, dez pessoas saíram pela porta, murmurando agradecimentos e votos de boa sorte para os que ficaram. Duas outras pessoas acabaram ficando, desculparam-se por hesitar e se comprometeram com a causa.

Assim, o grupo restante permaneceu na casa de Maria, que fez o possível para nos acomodar em sua casa e nos oferecer uma refeição completa. Nós sabíamos que não tínhamos muito tempo, por isso tentamos planejar e implementar o plano de ação o mais rápido possível.
Cerca de uma hora depois, saímos da casa de Maria divididos em três grupos que atacariam diferentes partes do vilarejo de maneira sistemática e simultânea. Eu e Bernardo conduzimos o maior grupo para o centro do vilarejo, Hugo e Raul conduziram outro para a fronteira leste e Tomás e William o último para a fronteira oeste. Nossas armas consistiam em algumas armas de fogo, mas havia uma predominância de espadas e arcos-e-flechas. Eu nunca fui uma pessoa violenta e, a princípio, odiei a ideia de matar pessoas sob a premissa da liberdade, porém, a indignação que eu sentia pelo fato de Conde Rafael matar os homossexuais pelo simples prazer de eliminar algo que ele não aceita ou não entende me motivou a assumir a liderança do maior grupo, que estava marchando em direção à estalagem onde nós achávamos que o meu tio estava.
O meu grupo era o maior porque provavelmente encontraríamos mais pessoas em nosso caminho, o que de fato ocorreu nos nossos primeiros minutos de caminhada pelo vilarejo. Porém, nós conseguimos neutralizar, do modo menos violento possível, muitos dos guardas de Conde Rafael e fomos bem sucedidos em avançar pelas ruas, até que chegamos à estalagem, onde estavam Conde Rafael e um grupo enorme de guardas. O meu tio, assim que nos viu, gritou:

- EU TENHO QUE ADMITIR QUE VOCÊ TEM CORAGEM SOBRINHO! Eu achei que você estivesse a quilômetros de distância daqui, porém tivestes a audácia de vir me enfrentar, mesmo sabendo que não tem a menor chance!

- Olá tio! Se eu fosse você não estaria tão certo disso! Nós viemos decididos a vencer!
- Então vença disso aqui!

A cena foi rápida, porém eu senti como se tudo ocorresse extremamente devagar e eu não pudesse fazer nada, pois os meus pés estavam pesados e lentos. Bernardo me empurrou para o lado e foi atingido por uma bala disparada por Conde Rafael. Eu permaneci deitado, enquanto Conde Rafael fugia para dentro da estalagem, os guardas do meu tio e os meus companheiros começavam um combate e, por fim, o meu marido rolava no chão, provavelmente agonizando de dor.

Depois de me recuperar do choque, eu corri em direção a Bernardo, rezando para que o pior não tivesse acontecido. Por sorte, a bala havia atingido parcialmente o seu ombro, de modo que havia muito sangue e ele gritava de dor, mas pelo menos nenhum órgão havia sido atingido e, felizmente, eu não iria perder o meu grande amor por ter sido estúpido o suficiente para avançar com a guarda baixa em direção a Conde Rafael. Eu definitivamente não me sentia um guerreiro naquele momento, mas, com certeza, eu me sentia alguém inclinado a terminar a minha missão, então rasguei um pedaço da minha roupa e amarrei ao braço de Bernardo para diminuir a perda de sangue, o movi levemente para o colocar em meu colo e acariciei a cabeça dele, dizendo:

- Eu sinto muito! Isso não deveria ter acontecido! Eu fui estúpido e agora você está ferido...desculpa meu amor!

- Felipe, isso não foi nada! Eu sempre vou estar disposto a pular na frente de uma bala por você, por que eu te amo!
- Eu também te amo! Mas não quero que você pule na frente de balas por mim! Imagina se você tivesse morrido! O meu mundo não faz sentido em você!
- Nem o meu sem você! É por isso que eu sempre vou estar disposto a fazer isso por você!

Eu o beijei brevemente e, quando olhei ao redor, eu percebi que os meses de treinamento no acampamento e a refeição que Maria havia nos forneceu para recuperar as forças, capacitou os meus companheiros a dominar a guarda do meu tio. Assim, em poucos minutos, todos os guardas haviam sido neutralizados e o meu grupo demandou novas ordens, ao que eu respondi:


- Conde Rafael entrou na estalagem! Precisamos ir atrás dele! Mas eu preciso que alguém continue cuidando do ferimento de Bernardo!


Duas pessoas que afirmaram ter experiência com ferimentos se ofereceram para cuidar de Bernardo, porém, antes de ir, eu disse a ele:


- Você se importa?

- É claro que não! Vá dar uma lição naquele crápula do seu tio!
- Tudo bem, então eu voltarei o mais rápido possível! Por favor, levem-no com cuidado até a casa de Maria e cuidem dele lá! Voltaremos assim que possível!

Dito isso, eu deixei o meu marido aos cuidados daquelas pessoas e corri em direção à estalagem, onde não encontramos ninguém em qualquer quarto. Quando fomos olhar o porão e vimos os túneis abertos, uma ideia horrível me passou pela cabeça: Conde Rafael não saiu daquela estalagem pelas portas da frente, porque eu estava lá e não o vi fazer isso, então ele poderia ter pego os túneis e agora estava em qualquer parte do vilarejo, inclusive na casa de Maria, para onde eu acabara de mandar o meu marido ferido. Tentando conter ao máximo o pânico e parecer centrado, eu compartilhei as minhas deduções com o meu grupo, então instrui todos a, cuidadosamente, vasculhar as casas do vilarejo e, principalmente, instrui alguns a irem diretamente para a casa de Maria, a fim de reforçar a segurança, caso o meu tio aparecesse lá.

Aparentemente, os poucos guardas que acompanharam o meu tio o abandonaram no meio do caminho, pois encontramos muitos deles separados em várias casas durante a nossa busca pelo vilarejo. Entretanto, o meu tio continuava foragido e eu começava a me preocupar que o pior tivesse acontecido e ele estivesse realmente na casa de Maria e preferiria que ele tivesse fugido ao invés de imaginá-lo perto do meu marido, que estava ferido e de Maria, que parecia tão indefesa.
Quando chegamos à casa de Maria, por alguns momentos, eu não consegui acreditar no que os meus olhos viam. Apesar de saber que Conde Rafael organizava caçadas de "homossexuais", eu não tinha consciência do quão brutal ele poderia ser, até que eu vi o meu tio com uma faca pressionada ao pescoço de Bernardo, que estava sendo usado como um escudo humano, e seis cadáveres no chão, sendo um deles de Maria, a doce senhora que nos acolheu em sua casa e morreu por ter se envolvido em nossa luta.

- Olá sobrinho! Estava procurando por mim?

- O QUE VOCÊ FEZ! POR QUE?
- Por que eu posso! Por que essas pessoas querem defender essa prática antinatural! Elas merecem morrer, assim como você! Mas essas mortes, especificamente, são sua culpa, por ter envolvido estas pessoas nessa sua ideia ridícula de que poderia medir forças comigo! Agora é a vez do seu...com eu posso dizer..."companheiro"!
- Não, por favor...deixe ele em paz! Eu...por favor!
- Você aceitaria ser a minha próxima "presa" se eu deixar o seu namorado em paz?
- Sim! Eu aceito! Eu aceito! Mas deixe ele livre!
- Não Felipe! Eu não quero!
- Cala a boca camponês! Isso aqui é entre a realeza!
- Bernardo...é o único jeito!
- Então vamos logo! Eu não quero mais ficar aqui nesse vilarejo!
- Eu tenho outra condição! Deixe esse lugar livre! Você perdeu o poder sobre ele!
- Você não está em posição de fazer exigências! Eu não vou prometer nada, mas realmente não me interesso por este fim de mundo!

Conde Rafael trocou Bernardo de posição comigo e me usou de escudo enquanto, para minha surpresa, dirigia-se em direção ao porão. Quanto a isso eu indaguei:

- Por que estamos indo para o porão?
- Porque eu não confio nos seus amigos e nem no seu namoradinho, que já posou de herói hoje! Então vamos por estes túneis, o que vai dificultar que eles saibam onde estamos e, eventualmente, impeçam a nossa partida! Caso alguém tente fazer alguma coisa ou nos seguir pelos túneis, eu te mato na mesma hora! Todas estão ouvindo? Acho bom ninguém tentar nada!

Conde Rafael caminhou, comigo a sua frente, até o porão, abriu a porta e me fez entrar primeiro, dizendo, enquanto apontava uma arma para as demais pessoas:

- Desça! Esteja pronto para entrar nos túneis e eu descerei em seguida! Se alguém tentar alguma coisa, eu juro que vou matá-lo!

Eu desci as escadas ouvindo o meu tio murmurar algumas outras coisas para os meus companheiros. Porém, quando cheguei ao chão do porão, eu ouvi um murmúrio e, sem seguida, vi dois corpos rolando pela escada. Um deles era Conde Rafael e o outro era José, um dos meus companheiros, que ainda no chão, depois da queda, disse:

- Corra Felipe! Não existe uma revolução sem você!

Eu prontamente fui até ele e o ajudei a levantar, depois subimos os degraus lentamente. Porém, quando estávamos no topo da escada, houve um disparo que atingiu as costas de José, o qual caiu no chão, enquanto os outros me puxavam para longe da porta do porão. Nós permanecemos afastados da porta algum tempo antes de percebermos que Conde Rafael não viria mais até nós e que poderíamos ajudar José, o qual agonizava no chão durante o tempo em que nos mantivemos esperando pela volta do meu tio. Infelizmente, as pessoas experientes em ferimentos, declararam que não poderiam mais salvar José, então nós apenas o movemos até o sofá, onde ele declarou suas últimas palavras:

- Viva...a...homorevolta! Você...você conseguiu Felipe! Nós ga...ganhamos essa...batalh...

A bala havia perfurado as costas de José na altura dos pulmões, então ele simplesmente sufocou até a morte. Entretanto, as suas palavras em eu leito de morte me inspiraram ainda mais a continuar com a nossa revolução, que começou com o que ele denominou de "homorevolta". José era um senhor cujo filho havia morrido nas caçadas de Conde Rafael, e ele resolveu nos ajudar porque queria evitar que isso se repetisse. Isso me lembrou de Maria, que agora jazia morta no chão, outra pessoa que nos ajudou para evitar que Conde Rafael machucasse os filhos de outras pessoas.
Inspirado pela vida e pela morte destas pessoas eu me dirigi aos meus outros companheiros, dizendo:

- Companheiros! Não vamos deixar as mortes destas pessoas serem em vão! Vamos continuar lutando! Vamos transformar esse vilarejo no nosso primeiro local de resistência contra o Conde Rafael, como havíamos idealizado! Como vocês podem ter ouvido, ele é sim meu tio, porém não há ninguém que eu despreze mais do que ele! O meu nome é Felipe, eu sou o príncipe de Heliópolis, o meu pai é o Rei Otávio, que também abomina as práticas do meu tio, e, se vocês me deixarem, eu quero levar vocês à vitória contra a caçada dos homossexuais!

Depois disso, seguiram-se gritos e palmas de incentivo. Além disso, Bernardo me olhava de modo conivente, então eu finalizei:

- Nesse caso, vamos encontrar os nossos outros companheiros e começar a agir neste vilarejo, porque nós temos muito trabalho a fazer! E, acima de tudo, nós temos uma revolução para continuar!

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