terça-feira, 10 de março de 2015

Capítulo 6 - Revolução: Pasine (Cont.)

O meu coração palpitava aceleradamente no meu peito e os meus lábios estavam secos. A minha missão era encontrar o meu tio e aquilo me deixava extremamente nervoso, embora eu tenha veementemente me voluntariado para liderar o grupo que procurava por Conde Rafael, a despeito dos pedidos de Bernardo para me juntar ao grupo dele no ataque aos guardas na entrada do reino. Naquele momento, apesar de todo o nervosismo, eu sentia que o meu lugar era no grupo que iria encarar Conde Rafael e dizer que a caça aos homossexuais iria acabar naquele dia.
Desse modo, eu deixei Bernardo partir com um beijo apaixonado e uma promessa de que nós nos veríamos em breve. O grupo dele iria na direção oposta ao nosso, já que eles iria voltar para a entrada do reino. Enquanto isso, os outros três grupos seguiram em direção ao castelo, no qual foi demasiadamente fácil entrar, o que nos deixou muito cautelosos. Assim, o meu grupo percorreu os corredores do lugar em busca do quarto do meu tio e os outros dois grupos se encarregaram da dominação dos servos dentro do castelo, um dos quais nos informou a exata localização do quarto que nos interessava. Porém, no momento em que eu adentrei o quarto, uma dor aguda e excruciante tomou conta da minha cabeça e eu perdi a consciência.
Eu abri os olhos novamente devido à dor no meu braço direito, o qual estava sendo cortado por alguém que eu nunca tinha visto. A minha cabeça também doía e eu não conseguia me mover, já que os meus braços e pernas haviam sido atados à cama na qual eu estava deitado. Quando a pessoa notou que eu estava acordado, disse:

- Olá primo! Eu acho que nós nunca fomos apresentados, mas eu já odeio você!

Ele continuou a ferir o meu braço por alguns segundos, então ele me mostrou o que havia feito: no meu braço direito estava escrito "sujo". A dor no meu braço era terrível, mas eu não conseguia parar de pensar no que havia acontecido com as outras pessoas que estavam comigo. Eles estavam bem? Eles teriam fugido e, inevitavelmente, me deixado para trás? Onde estava Bernardo? Raul?

- Você deve estar tentando entender o que aconteceu, certo?
- Sim... o que aconteceu com as pessoas que estavam comigo?
- Só para a sua informação, eu não sou obrigado a te dar nenhuma informação. Mas eu me sinto regozijado em te dizer que a maioria foi dizimada pelo meu pai e o resto está na cadeia! Você acha mesmo que conseguiria entrar no reino do meu pai sem ser notado? Você é muito burro mesmo! Em primeiro lugar, nós sabíamos do plano de vocês há semanas, já que nós tínhamos um espião no seu triste vilarejo! Desse modo, nós monitoramos qualquer entrada massiva de pessoas desconhecidas neste vilarejo durante as últimas semanas. Uma vantagem do meu pai ser antissocial é que nós conhecemos cada pessoa que entra por aqueles portões! Assim, eu só precisei esperar você chegar neste quarto e te atingir com um bastão na cabeça, enquanto a maior parte dos seus amigos imundos era atacada e assassinada pelos oficiais do meu pai!

Uma dor ainda maior do que aquela presente no meu braço se instalou no meu peito e eu tive um ataque de pânico: a minha respiração se tornou extremamente acelerada e eu comecei a chorar copiosamente. Além disso, eu não conseguia acreditar que uma pessoa ligada a mim por laços de sangue podia ser tão cruel. O rapaz que estava na minha frente aparentava ter a minha idade, o que significava que nós poderíamos ter sido amigos em algum momento, mas ele estava rindo do fato de que várias pessoas haviam sido assassinadas e acabara de violar o meu corpo pela simples vontade de se referir a mim como "sujo". Eu realmente não queria chorar em frente a uma pessoa tão cruel, pois eu sabia que, como de fato aconteceu, ele iria se alegrar com a minha dor. O rapaz riu durante todo o tempo que eu levei para conseguir articular uma frase sem interrompê-la com o meu choro.

- Você é patético!
- Irmão, o que você está fazendo?
- Eu estou punindo o nosso primo! Ele se comportou mal e eu precisei puni-lo! Você quer me ajudar Davi?
- Mas o que foi que ele fez Rafael?
- Ele beijou um rapaz Davi!
- Mas isso é ruim?
- Claro Davi! Você lembra o que o nosso pai fez com aquelas pessoas por esse mesmo motivo?
- Elas foram... para o fogo?
- Isso mesmo! Elas foram para a fogueira!
- O papai vai fazer a mesma coisa com o nosso primo?
- Por enquanto não Davi! Mas... quem sabe em breve!

Davi aparentava ter cinco anos e a conversa dele com o irmão me deixou bastante preocupado e ao mesmo tempo esperançoso. A naturalidade com que ele descreveu a morte de outras pessoas me preocupou bastante, porque ele parecia acreditar que aquilo era o correto. Porém, ele questionou o irmão sobre o fato de dois homens se beijarem ser errado e aquilo me fez refletir que talvez nem todos naquele reino fossem um caso perdido.

- Olá Davi! Meu nome é Felipe!
- Oi... você é meu primo!
- Sim Davi! Isso é verdade!
- Cala a boca! Não fale com o meu irmão! Não quero que você o influencie com o seu jeito sujo!
- Rafael II! O que você está fazendo aqui?
- Eu estava dando uma lição nele pai! Como o senhor disse que deveria ser feito!
- Não deste jeito! Assim ele vai morrer! Por que você sempre faz as coisas de forma tão impulsiva?!

Conde Rafael parecia estar influenciando os filhos a serem tão cruéis quanto ele e, aparentemente, o filho mais velho estava indo além do esperado. Era muito estranho assistir os dois discutirem o melhor modo de punir alguém por ser homossexual e, principalmente, alguém que era um familiar.

- Onde estão os meus amigos?!
- Não seja insolente! Eu não preciso responder qualquer pergunta que venha de você!
- Eu sei, mas... por favor... eu estou implorando...
- Tudo bem! Talvez isso te faça sofrer ainda mais! Dezenas dos seus amigos estão mortos e os corpos foram queimados há algumas horas atrás! Os que sobreviveram estão feridos e presos no calabouço, o que significa que muitos também morrerão em breve! Você falhou sobrinho e eu vou garantir que você viva muitos anos para lidar com essa dor! Eu vou chamar alguém para curar as suas feridas e garantir que você esteja aqui para ver todas as pessoas que você gosta morrerem diante dos seus olhos! Venham rapazes, eu não quero ver vocês neste quarto novamente! Entendido?

Depois daquele momento, eu fiquei amarrado àquela cama pelo que pareceram dias, durante os quais uma pessoa vinha diariamente cuidar dos meus ferimentos. Além disso, vários servos de Conde Rafael vinham ao meu quarto para me alimentar e ajudar com outras necessidades básicas. Certo dia, o meu tio voltou ao meu quarto:

- Olá sobrinho! Eu vim aqui lhe trazer boas notícias: mais dois dos seus amigos morreram esta manhã! Eles estavam muito doentes e não resistiram às péssimas condições do calabouço! Foi melhor para eles, eu lhe garanto!
- Conde Rafael... deixe-me ver os meus amigos! Por favor!
- Tudo bem!
- O que?! Isso... Isso é sério? Você vai me deixar vê-los?
- Na verdade eu vou deixar você ver apenas um deles! Mas não fique animado, porque eu não estou fazendo isso por você! Este rapaz se voluntariou para provar um método que um dos meus servos desenvolveu para curar essa doença que se instalou em vocês. Aparentemente, ele está cansado dessa vida, então quer ser curado e depois se juntar ao meu exército. A única condição dele é que eu te deixasse livre e que ele pudesse conversar com você por alguns instantes! Ele parece ser uma ótima aquisição!

Eu não conseguia acreditar no que eu estava vendo: Bernardo adentrou o meu quarto trajando um uniforme do exército de Conde Rafael.

- Oi Felipe! Vejo que você está melhor!
- Bernardo! O que está acontecendo?
- Eu estou cansado de lutar a favor de algo tão errado! A homossexualidade precisa ser exterminada!
- Do que você está falando? Por que você está vestido assim? Onde estão os nossos amigos?
- Eu não tenho nenhum amigo entre aquelas pessoas?
- Como assim? Bernardo, o que aconteceu com você?
- Eu simplesmente percebi que a vida que nós estávamos levando está errada!
- Isso não faz o menor sentido! Bernardo, eu te a...

Inesperadamente, Bernardo desferiu um golpe em meu rosto, o que causou um corte e me fez sangrar. Depois disso, Bernardo virou as costas e caminhou em direção à porta, então, a despeito da dor, eu continuei o que eu havia começado a dizer:

- BERNARDO! EU TE AMO!

Infelizmente, quando Bernardo virou para me responder, eu vi uma expressão totalmente vazia em sua face e a minha resposta foi diferente do que eu esperava:

- Eu não te amo Felipe!

Assim, o amor da minha vida saiu pela porta do quarto e deixou o meu coração em pedaços em frente à pessoa que eu mais odiava no mundo.

- Você viu como esse tal amor que vocês dizem ter uns pelos outros é somente uma mentira? Duas pessoas do mesmo sexo não se amam verdadeiramente! Isso é apenas uma doença que atinge o corpo e adoece os sentimentos de vocês!
- Não! Nós nos amamos!
- Este rapaz é o seu suposto "marido", correto? Ele me disse que nunca lhe amou, pois você somente afastou o rapaz das pessoas que ele ama! Que tipo de amor é esse?
- O que?! Eu...
- O rapaz quer rever a família! Ele concordou em me servir por um ano e depois eu vou liberá-lo para que veja a família! Isso sim é se importar com as pessoas! Além disso, eu ainda vou oferecer um tratamento para a doença dele! Eu não sei o porquê, mas ele também me pediu para que não te matasse, pois, aparentemente, ele tem pena de você! É claro que eu não te mataria! Você ainda precisa sofrer muito por ter organizado um exército contra mim!
- Eu...
- Cale a boca! Eu ainda não terminei de falar! Eu vou soltar você dessa cama e a partir deste momento, você será um servo deste castelo! Não há como escapar daqui e, por mais que eu queira deixar você livre para sofrer, eu vou mandar executá-lo na primeira tentativa de fuga! Se você se comportar, eu prometo que trarei o seu velho pai aqui, para ele poder ver no que você se transformou, ainda que isso vá trazer muito vergonha para ele!

Depois daquele dia, eu nunca mais vi Bernardo ou qualquer um dos meus amigos, já que eu não tinha permissão de sair do castelo. Servir Conde Rafael, em outro momento, pareceria irracional, porém, naquela situação, a perspectiva de ver o meu pai era a única coisa que me mantinha vivo. O meu tio também me ofereceu a referida "cura" para a homossexualidade, porém eu recusei. Ele protestou inicialmente, mas esqueceu o assunto depois que ele percebeu que eu não sairia do castelo e obedeceria as suas ordens.

- Você é um caso perdido! Eu queria te curar para quando o seu pai chegar! Mas talvez até seja melhor que você continue doente, assim eu posso culpá-lo por isso!

Várias semanas se passaram e a minha única fonte de informação sobre o que estava acontecendo fora das paredes do castelo era o meu desprezível tio.

O seu amigo está tendo ótimos resultados! Um dos meus servos reportou que o viu cortejando uma donzela outro dia! Além disso, ele está incentivando outras pessoas do seu grupo a se juntarem a ele nesse caminho de cura! Se isso der certo e eu conseguir curar todas essas pessoas, eu vou conseguir o trono de Heliópolis, assim como várias alianças com outros reinos.
- Ele estava?
- É claro! A cura que eu estou usando é milagrosa e ele está seguindo em frente! Você deveria fazer o mesmo! A cura está disponível, ainda que eu prefira ter um motivo para alegar a incompetência do seu pai!
- O que aconteceria se eu me submetesse a essa tal cura?
- Você voltaria à sanidade e eu poderia até lhe considerar como parte da família novamente! Você não precisaria mais ser um mero servo e poderia fazer o que quisesse dali para a frente! Mas como você se recusa, eu não tenho outra escolha a não ser te prender aqui dentro! O que é muito gentil da minha parte, considerando-se o que aconteceu com alguns dos seus amigos depois da invasão ao castelo!
- Eu posso lhe dar uma resposta amanhã?
- Sim. Mas essa será a sua resposta definitiva! Eu não tenho paciência e tampouco obrigação de ficar oferecendo uma coisa que eu sei que lhe fará muito bem! Se a sua resposta for não, então você estará definitivamente condenado a me servir!

Naquela noite, eu refleti sobre o que o meu tio disse. Eu não entendia o porquê de Bernardo ter me agredido há várias semanas atrás, quando eu estava preso a uma cama, totalmente indefeso. Eu entendia ainda menos o fato de ele ter sido visto cortejando alguém. Eu sabia que não havia de fato uma cura, porque homossexualidade não era uma doença, então aquele comportamento não fazia sentido. Talvez, fazer a vontade de Conde Rafael fosse melhorar a minha possibilidade de tentar descobrir o que havia acontecido com Bernardo, já que eu poderia, segundo as próprias palavras do meu tio, fazer o que eu quisesse. Durante todo aquele tempo, eu não tive coragem de perguntar ao meu tio sobre os meus outros amigos íntimos, pois eu não conseguiria suportar ouvir que Raul, Hugo, Tomás e William estavam mortos. Porém, se eu conseguisse permissão de sair do castelo, eu também poderia conseguir averiguar essa informação. Assim, no fim da noite, a ideia de me submeter à "cura" pareceu ser uma opção razoavelmente boa.

- Então você quer se submeter à cura? Eu sabia que você, eventualmente, iria enxergar o erro que você cometeu ao se juntar a esse bando de pessoas doentes.
- Certo... Nós podemos acabar logo com isso? Onde está a cura?
- Vá para o seu quarto, eu irei em seguida com os meus servos e a cura.

Eu não fazia a mínima ideia do que seria a tão falada cura, mas ainda estava decidido a me submeter a ela, se isso significasse que eu poderia ver Bernardo e os meus amigos novamente. A porta do meu quarto se abriu e, infelizmente, não era o meu tio.

- Olá primo! Como você está?
- Rafael, o que você está fazendo aqui?
- Eu preciso te perguntar uma coisa antes que você seja curado! E eu exijo uma resposta!
- Eu não vou te responder nada com essa atitude!
- Eu exijo que você me responda!
- Eu não sou obrigado a te responder nada! E fique grato que eu não vou me vingar por você ter me torturado daquela forma! Agora saia daqui!
- Mas eu preciso saber como é! O que você sente quando ama alguém do mesmo sexo?
- É tão maravilhoso quanto amar uma pessoa de outro sexo, a diferença é que, atualmente, se você ama alguém do mesmo sexo as pessoas te fazem isso...

Eu mostrei a ele o meu braço, onde haviam várias cicatrizes, as quais formavam uma palavra: sujo. Ainda assim, Rafael não mostrou qualquer sinal de arrependimento.

- Você mereceu isso! Por que você precisava se expor dessa maneira?
- Porque eu não sou covarde como você!
- O que? Eu não sou covarde!
- Não? Então por que você está escondendo isso?
- Eu não...
- Rafael II?! O que você está fazendo aqui? Ainda não é seguro! Já disse que não quero que você seja afetado por essa doença! Vá para o seu quarto!
- Err... tudo bem...
- Você está pronto sobrinho?
- Eu acho que sim... qual é o procedimento?
- Olá, meu nome é Walter! Eu vou realizar o procedimento para lhe curar! Isso é muito simples! Eu vou drenar o seu sangue com esses animais por algum tempo e você se sentirá curado ao fim de tudo!

Sentir os dentes das sanguessugas penetrando a minha pele me dava calafrios e me fazia querer vomitar. Eu queria tirá-las do meu corpo e atirá-las o mais longe possível! Aqueles animais eram repugnantes e eu estava começando a me sentir tonto. Porém, eu mantive a minha motivação para me submeter àquele procedimento em primeiro lugar: eu sairia daquele castelo e poderia reaver os amigos que me foram tirados por Conde Rafael, ou pelo menos aqueles que ainda estavam vivos.
Depois de algumas horas, as sanguessugas foram retiradas e as pessoas se retiraram do meu quarto. Eu adormeci, devido ao cansaço resultante do procedimento, e acordei somente no dia seguinte. Como o meu tio havia prometido, eu pude sair do castelo e a primeira coisa que eu fiz foi procurar por Bernardo. Depois de alguns minutos procurando, eu o encontrei em uma rua do reino.

- Bernardo!
- Felipe! O que você está fazendo aqui?! Você... você se submeteu ao que eu estou pensando?
- Às sanguessugas? Sim! Agora, eu...
- Shh! Não podemos conversar agora! Eu vou te esperar na saída do reino, naquela lagoa que nós vimos quando vínhamos para cá, no fim da tarde! Lá nós conversaremos melhor!

No fim da tarde, eu estava esperando ansiosamente por Bernardo no local que ele havia dito, onde havia uma pequena lagoa e muitas árvores. Quando ele chegou, eu o abracei intensamente e ele, brevemente, retribuiu o gesto. Porém, ele rapidamente me afastou e disse:

- Eu sinto muito! EU ACHO QUE ELE PRECISA DE UMA SEGUNDA DOSE!

De repente, quatro homens saíram de trás das árvores, os quais ataram as minhas mãos com cordas e me conduziram, provavelmente, de volta para o castelo do meu tio. Em meio aos vários sentimentos que afloraram naquele momento, o mais forte era o de tristeza, pois eu acabara de ser traído pelo homem que eu amava. Eu não ofereci qualquer resistência quando os homens me mandaram andar em direção ao castelo, porque, naquele momento, uma dor terrível irradiava no meu peito e eu queria, desesperadamente, desistir de tudo.

7 comentários:

  1. Respostas
    1. #chocado com o Bernardo
      Ele deve ter ficado louco, so pode isso
      aff
      da nem mais vontade de ler essa historia :(

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  2. Quando vai postar outro capítulo?

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  3. Puxa!! Adorei o conto, mas e o final? Triste em saber que está desde 2013 sem resposta

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  4. Puxa!! Adorei o conto, mas e o final? Triste em saber que está desde 2013 sem resposta

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  5. Quero o 7 capítulo ��������

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