- Eu já lhe disse que não posso permitir isso! Pare de ser inconsequente! Nós estamos em guerra!
- Mas não tivemos qualquer notícia dele e já se passaram várias semanas!
- Irmão, eu sei que você está preocupado com o Bernardo, mas ele vai ficar bem! Eu tenho certeza!
- Você só diz isso porque o amor da sua vida está bem aqui, onde você pode vê-lo!
- Bem... talvez não por muito tempo...
William se retirou da reunião. Eu sabia que tinha ido longe demais e fui atrás dele para consertar o que eu havia feito.
- Espera William! Eu sinto muito!
- Está tudo bem Felipe...
- Não, eu sinto muito mesmo! Eu estava sendo egoísta quando disse aquilo! Eu sei que a situação do Tomás é crítica!
- Eu sei e eu estou com tanto medo!
Aquela era a primeira vez que eu via William chorar. Eu não sabia muito bem o que fazer, então permaneci em silêncio.
- Desculpa! Eu deveria ser mais forte, mas eu não sei o que eu faria se o pior acontecesse!
- Não vai acontecer! Ele vai ficar bem!
- Você sabe que isso não é verdade... Ele vai ter que perder a perna direita se quiser sobreviver! Eu não posso tomar essa decisão por ele e nem quero! Mas ele insiste que só vai tomar uma decisão com base em minha opinião! Isso está me consumindo, porque, obviamente, eu não quero que ele morra, mas ele é um guerreiro e eu tenho medo que, se perna for retirada, ele definhe por não poder andar como anteriormente!
- Eu entendo a sua aflição. Mas, se você quer a minha opinião, você deveria aconselhá-lo a deixar que cortem a perna, já que essa é a única maneira de conseguir com que ele fique vivo e depois vocês podem encontrar uma maneira de fazê-lo voltar a andar.
- Você tem razão! Eu não sei o porquê de tanta hesitação! Eu deveria me manter calmo, mas vê-lo doente por tanto tempo está acabando comigo!
- Isso é normal William! Ouça, se você quiser nós podemos ir agora conversar com ele e ajudá-lo a tomar a melhor decisão! Eu vou lhe oferecer suporte enquanto você explica o que decidiu para ele!
- Mas eu pensei que você queria ir atrás do Bernardo!
- Eu acho que isso pode esperar mais um dia! Além disso, essa é a minha forma de pedir desculpas por falar besteira durante a reunião!
Aproximadamente, cinco semanas haviam passado desde a fuga de Pasine. Do grupo que havia partido para atacar o reino do meu tio, apenas nove pessoas haviam retornado. Bernardo e Hugo haviam, voluntariamente, ficado para trás, a fim de se infiltrarem no exército de Conde Rafael, já que ambos haviam conquistado a confiança do meu tio. O restante das pessoas, infelizmente, havia morrido ao longo do tempo em que permanecemos prisioneiros em Pasine.
Quando retornamos a Finnel, o vilarejo que havíamos lutado tanto para construir estava completamente devastado e não havia qualquer sinal das pessoas que haviam ficado para trás. Nós sabíamos que Conde Rafael viria atrás de nós, então continuamos a nossa caminhada para outro local no qual pudéssemos nos esconder. Inicialmente, nos alojamos de forma precária em uma floresta muito densa nas proximidades de Finnel, tal como havia ocorrido depois da minha fuga de Heliópolis. Cada noite naquele local fazia-me lembrar de Bernardo, pois ele fora meu porto seguro enquanto eu ainda era um principezinho fraco e assustado que havia acabado de ser expulso de seu próprio reino. Porém, as coisas agora eram diferentes e eu precisava me manter calmo, já que, tecnicamente, eu ainda era o líder daquelas pessoas que haviam sobrevivido ao massacre em Pasine. Mesmo que o meu coração estivesse partido pela distância e pela incerteza que permeavam a minha vida com Bernardo naquele momento, eu tentei me manter centrado na missão de conduzir os meus companheiros a um local seguro.
A minha maior demanda era encontrar um local adequado para tratar Tomás, o qual havia sido atingido na perna direita por um dos guardas de Conde Rafael. Nós estancamos o sangramento, porém a ferida não se curou e foi progressivamente piorando. Além disso, a situação foi agravada pelo fato de nossa alimentação e asseio terem sido bastante precários durante as primeiras semanas, tanto por falta de recursos como pela necessidade de continuarmos escondidos dos guardas do meu tio que, provavelmente, estavam nos procurando.
Na segunda semana, William saiu para procurar outro local, visto que a situação de Tomás vinha piorando muito e não poderíamos mais permanecer naquela floresta ou ele certamente morreria. Felizmente, o meu irmão retornou com ótimas notícias: Carlos, um jovem rapaz que fazia parte do grupo que atacou Pasine, conseguiu escapar da emboscada e avisar ao nosso povo para que fugissem com algumas horas de antecedência do ataque que dizimou Finnel, o qual aparentemente não deixara vítimas. Posteriormente à fuga do nosso vilarejo, o nosso povo foi recebido nos vilarejos que faziam parte do então "quase reino de Finnel". Conde Rafael havia destruído a sede do nosso poder, a Finnel original, mas os vilarejos que nos apoiavam ainda existiam e, naquele momento, eles eram a nossa esperança.
Nós fomos muito bem recebidos no vilarejo para onde Carlos nos levou, o qual ficava ao sul do nosso antigo vilarejo e, portanto, ainda mais longe de Pasine, o que era perfeito para a nossa estratégia de fugir do alcance de Conde Rafael. As pessoas que faziam parte da antiga Finnel nos reverenciaram e nos trataram como heróis de guerra, mas eu não poderia ter me sentido menos heroico, pois muitas daquelas pessoas haviam perdido os seus entes queridos e eu não consegui impedir aquilo.
Outras três semanas decorreram, estranhamente sem nenhum sinal dos homens de Conde Rafael, embora tenhamos recebido notícias de ataques a outros vilarejos ao norte, os quais faziam parte da antiga Finnel. Durante esse período, eu e meus outros oito companheiros nos adaptamos à vida no nosso novo vilarejo, cujo nome era Arlyston. O vilarejo era consideravelmente menor do que Finnel e, considerando-se que muitas pessoas haviam mudado para lá recentemente, eu não fiquei surpreso quando fui designado a dividir um alojamento com outras três pessoas. Felizmente, Raul, Tomás e William concordaram em ficarmos no mesmo alojamento, de modo que a transição não foi tão difícil. Arlyston era um vilarejo predominantemente rural, de modo que a principal atividade era cuidar de bois e vacas, bem como lidar com derivados de leite e abate dos animais. Também havia porcos, ovelhas e galinhas em menor quantidade. O vilarejo tinha um conselho para realizar decisões importante e, mesmo sem ter pedido, fui incluído no grupo de conselheiros. Eu estava bastante à vontade com a função e vinha me sentindo muito bem com a vida no vilarejo, até que a saudade de Bernardo ficou insuportável e eu agi como idiota na frente de todos, bem como ofendi ao meu irmão.
Porém, depois do surto, eu percebi que estava errado e, para me redimir com William, eu ofereci o meu suporte para ele contar ao seu marido que o mesmo iria ter que abrir mão da perna direita, a qual piorou drasticamente desde que ele fora ferido em Pasine, mesmo com a ajuda de curandeiros e outras pessoas que estavam acostumadas a tratar de feridas. Segundo essas pessoas, o tempo na floresta não fez bem ao ferimento e quando Tomás chegou a Arlyston era tarde demais para remediar o estrago. A única medida efetiva seria cortar a perna dele, pelo menos até a altura do joelho, a fim de evitar que a gangrena se alastrasse para as outras partes do corpo.
- Você tem certeza?
- Eu sinto muito! Eu gostaria que houvesse outra solução, mas... eu não quero te perder Tomás, você tem sido meu companheiro há tantos anos! Eu nem imagino a minha vida sem você! Eu sei que eu estou sendo egoísta, mas... por favor, não me deixe! Permita que eles façam o que for necessário para te salvar!
- William... eu não sei se seria capaz de sobreviver dessa forma! Nós estamos em guerra e eu não quero ser um peso morto, caso vocês tenham que lutar ou mesmo se vocês tiverem que fugir! Eu não suportaria viver dessa forma!
- Eu sei Tomás! Eu conheço muito bem o homem com quem eu me casei! Eu não estaria te pedindo isso, se eu não tivesse refletido inúmeras vezes sobre o assunto! Eu sei que não posso decidir isso por você, mas já que você demanda a minha opinião, então saiba que eu prefiro te carregar nas minhas costas por todos os lugares, caso você não consiga andar, ao invés de ter que carregar o seu corpo morto para uma cova.
- William... Eu te amo! Eu não tenho certeza de como vai ser o resto da minha vida sem parte da minha perna, mas já que você está tão decidido a permanecer do meu lado, eu aceito me submeter ao procedimento. Mas eu preciso que você esteja comigo, o tempo todo! Eu não vou mentir William, eu nunca tive tanto medo na minha vida!
- É claro que eu vou ficar ao seu lado! Não se preocupe!
Eu não quis fazer parte da conversa porque me pareceu que aquele momento pertencia a eles e não a mim, então eu discretamente me retirei do alojamento. O amor que existia entre William e Tomás era reconfortante e, ao mesmo tempo, doloroso, porque eu adorava ver o quanto eles se amavam, mas isso me lembrava de Bernardo e toda a saudade que eu sentia naquele momento.
Raul ainda estava na reunião e eu havia saído sem muita explicação, então eu resolvi voltar ao local onde todos estavam reunidos, para me desculpar com os demais. Como esperado, as pessoas do vilarejo foram muito gentis e receptivas ao meu pedido de desculpas. Todos na cidade sabiam do sacrifício de Bernardo, então não era segredo para ninguém que eu estava passando por um momento muito difícil. Antes do meu surto, a reunião daquele dia estava pautada na possibilidade de enviar pequenos grupos para outros vilarejos, em busca de novas informações sobre os avanços de Conde Rafael, afinal nós não tínhamos sido atacados ainda, mas vivíamos todos os dias com a certeza de uma iminente nova batalha contra o meu tio. Eu me voluntariei para ir até os vilarejos do norte, os quais eram mais próximos de Pasine, mas os meus companheiros sabiam que as minhas reais intenções eram ir até o reino do meu tio para ter certeza de que o meu marido estava vivo. No fim, eu desisti de participar das missões de busca e me voluntariei para ficar em Arlyston cuidando do povo que me acolheu.
Raul resolveu se juntar a um dos grupos de exploração. Ele vinha exercendo uma forte influência sobre as pessoas do vilarejo, pois, ao contrário de mim, ele estava bastante focado em sua nova função como conselheiro. Nós continuávamos conversando bastante, mas eu ainda não tinha conseguido definir o estado emocional dele. Segundo William, o rapaz que Raul tinha acabado de conhecer antes de sairmos de Finnel, cujo nome era Paulo, havia morrido durante a batalha em Pasine. Porém, Raul não parecia desconfortável com o assunto e não demonstrava estar sofrendo por isso. Entretanto, ele não gostava de tocar no assunto de Hugo ter ficado para trás, o que me fazia suspeitar que ele, na verdade, não o tinha superado. De qualquer modo, Raul era a pessoas mais visivelmente equilibrada do nosso grupo no momento. Quando a reunião acabou, nós voltamos juntos para o nosso alojamento.
- Então vocês partirão em dois dias?
- Sim, nós precisamos de mais informações o mais breve possível! Eu não sei o que o seu tio está preparando, mas deve ser bem grande! Ele já deveria ter nos atacado, afinal este vilarejo não é tão fora de rota e estava claramente ligado a Finnel! Se ele ainda não nos atacou, é porque está planejando algo muito bem elaborado!
- Eu concordo! Nós precisamos estar preparados!
- Sim! Escuta, está tudo bem com você? Tem certeza que não quer que eu fique para te ajudar a lidar com todas essas pessoas?
- Não Raul, eu estou bem! Eles precisam de alguém com a sua liderança para guiá-los nessa missão! Eu... você sabe... estou sentindo falta do Bernardo e não resisti à possibilidade de poder ir vê-lo! Mas eu preciso agradecer o fato dessas pessoas terem me acolhido através da priorização da necessidade coletiva ao invés da minha necessidade egoísta de ver o Bernardo!
- Eu entendo! Você tem toda razão de se sentir assim, já que o seu marido ainda está naquele lugar! Não se preocupe, ele é um rapaz forte e muito corajoso! Você deveria ter visto o modo como ele organizou a operação que nos permitiu fugir de lá!
- Infelizmente, esse é um lado do Bernardo que eu ainda não vi... mas espero poder ver algum dia!
- Ele te ama! Esse sentimento foi o que moveu todas as ações dele e veja o que ele conseguiu! Ele nos tirou de lá! Não subestime a capacidade de uma pessoa apaixonada de fazer de tudo para poder voltar para o alvo da sua paixão! Ele vai voltar para você!
Raul havia me contado tudo o que acontecera naqueles mais de dois meses nos quais nós tínhamos sido prisioneiros de Conde Rafael. Conforme o meu tio havia dito, a maioria das pessoas que partira de Finnel morrera durante a emboscada do meu tio. Os sobreviventes, exceto eu, foram trancafiados no calabouço, sem receber qualquer tipo de assistência. Dessa forma, inevitavelmente, muitas pessoas acabaram morrendo de sede nos primeiros quatro dias. Posteriormente, quantidades mínimas de água foram fornecidas aos prisioneiros, porém muitos ainda morreram de desnutrição e por complicações devido a feridas mal curadas. Depois de mais alguns dias, apenas quinze pessoas haviam resistido ao tempo no calabouço.
Certo dia, o meu tio foi ao calabouço e ofereceu o tal tratamento para a homossexualidade aos prisioneiros, alegando que queria fazer deles exemplos, para que as pessoas pudessem ver a efetividade do seu tratamento. Para a surpresa de todos, Bernardo se voluntariou e foi submetido às sanguessugas. Ele foi devolvido ao calabouço, embora pudesse desfrutar de comida e água, os quais ele dividia com as outras pessoas. Dois dias depois, ele foi levado à presença do meu tio novamente, o qual informou a Bernardo que ele seria deixado a sós em um quarto com uma serva, para que ele pudesse demonstrar a efetividade do tratamento.
Posteriormente, Bernardo contou a Raul que pensava que seu plano estava fadado ao fracasso, já que ele não conseguiria manter relações sexuais com a serva. Porém, milagrosamente, a moça implorou a Bernardo que ele não fizesse aquilo, pois ela estava apaixonada por outra pessoa e queria se manter virgem até o casamento. Desse modo, ele fingiu que a estava poupando e que, entretanto, ela deveria contar a todos que ele havia mantido relações sexuais com ela. A serva fez como pedido e, felizmente para Bernardo, a partir daquele dia o meu tio passou a exibi-lo como um troféu e uma prova de que existia uma cura para a homossexualidade. Não demorou muito para que Bernardo ganhasse ainda mais a confiança de Conde Rafael, o qual havia sido cegado pela própria soberba. Bernardo ascendeu ao posto de guarda e, frequentemente, ia ao calabouço com a desculpa de torturar os outros prisioneiros, a fim de "convertê-los" para o bom caminho. Ele, de fato, teve que ferir superficialmente alguns de seus companheiros, a fim de dar veracidade à sua desculpa para estar no calabouço e inclusive levou Hugo para ser submetido ao tal tratamento, o qual também conquistou rapidamente a confiança de Conde Rafael e passou a fazer parte da equipe que cozinhava para o meu tio. Porém, na verdade, todos os dias em que Bernardo foi ao calabouço, ele levava comida para os nossos companheiros, a fim de fortalecê-los, bem como estava planejando uma fuga junto com as outras dez pessoas que haviam sobrevivido a todo o tempo que permanecemos em Pasine.
O plano envolvia, discretamente, entrar no castelo para me resgatar e fugir em seguida. O plano foi elaborado durante vários dias e, conforme informações de Bernardo, o qual estava infiltrado nas reuniões de meu tio, poderia ser operacionalizado quando Conde Rafael fosse a outro reino para outra de suas famosas "caçadas", pois ele geralmente levava boa parte dos seus homens consigo nessas ocasiões. O plano realmente iniciou como esperado, mas alguns guardas do meu tio flagraram os prisioneiros entrando no castelo e isso deu inicio a toda a confusão que eu vira e ouvira no dia da fuga de Pasine. Dessa forma, houve mais luta do que esperado e dois dos nossos companheiros morreram, incluindo Paulo. Além disso, Hugo e Bernardo decidiram que ficariam para trás, a fim de atrasar o meu tio. Segundo Raul, os dois haviam conquistado a confiança de Conde Rafael e iriam fingir que foram atacados, assim como os outros guardas. Desse modo, eles poderiam continuar usufruindo da confiança do meu tio, monitorar os seus avanços e nos avisar de qualquer perigo, se fosse o caso. Porém, mais de um mês havia passado sem qualquer notícia deles, o que enchia a minha cabeça com os piores pensamentos e teorias possíveis.
- Mas e você Raul, está tudo bem?
- É claro! Por que não estaria?
- Você perdeu duas pessoas importantes durante a fuga de Pasine e eu não vejo qualquer tipo de sofrimento! Eu estou apenas me certificando se você não precisa de alguém para conversar sobre isso!
- Felipe, isso é muito gentil da sua parte, mas eu já aceitei o fato de que as pessoas que eu amo morrem! Na verdade, eu e o Paulo mal nos falávamos quando ele morreu, pois estar em um calabouço acabou com todo o clima para o romance! Talvez ele não me amasse de verdade, mas ele foi importante pra mim e estar ao meu lado o fez morrer!
- E quanto ao Hugo?
- Eu não...
- Você ainda gosta dele?
- Eu reaprendi a gostar dele... assim como Bernardo, ele nunca abandonou o nosso grupo e ajudou o seu marido a nos manter fortes! Eu o admiro muito...
- Espera, você ainda o ama! Por que está negando isso?
- Ele mudou em Pasine! Sim, eu acho que ainda o amo! Mas eu tenho certeza que ele não sente o mesmo! Ele mesmo disse isso lembra?
- Eu entendo! Mas se Pasine o mudou tanto, talvez ele tenha amadurecido sobre como amar alguém, certo?
- Bem, talvez nunca saibamos...
- O que?!
- Nada! Esquece isso Felipe! Vamos ver como está o Tomás!
A partida do grupo de exploração na verdade foi adiada por mais dois dias, pois Raul queria partir depois de se certificar que o procedimento na perna de Tomás tinha dado certo. De fato, a perna dele foi cerrada na altura do joelho, o que causou um sangramento intenso. Felizmente, tudo foi controlado e dois dias depois o estado de Tomás era, aparentemente, estável. William, entretanto, estava em seu limite e eu tentei oferecer todo o suporte que eu consegui. Depois de se certificar que eu, Tomás e William ficaríamos bem, Raul partiu com o grupo de exploração. Fiquei muito feliz de ver que nós quatro realmente havíamos estabelecido um laço forte de amizade, mas eu acho que nós não poderíamos passar por tanta coisa juntos, sem que se formasse uma ligação forte. Após a partida, eu fui ver como Tomás e William estavam, já que eles não puderam vir se despedir do grupo que partia.
- Obrigado por todo o seu apoio irmão! Eu precisava de alguém ao meu lado nesse momento! Foi muito difícil ver aquele cara cortar a perna do meu marido!
- Eu tenho certeza que foi! Fico feliz de poder ser útil!
- Também foi muito difícil para mim!
- Eu não sabia que você estava acordado!
- É claro! Você me acha tão fraco assim?
- Eu te acho muito forte, mas você precisa descansar!
- Eu sei! Mas você deveria ter ido se despedir do Raul! Eu iria ficar bem!
- Eu não queria te deixar sozinho! O Raul sabe que eu desejo sucesso para ele nessa missão!
- Vocês querem que eu saia? Eu posso ir fazer alguma coisa para que vocês possam ter mais privacidade!
- Claro que não! Esse também é o seu alojamento!
- Eu sei, mas eu não me importo de dar algum espaço a vocês!
- Pode ficar irmão! O Tomás está se fazendo de forte, mas ele vai cair no sono em breve! Afinal, ele ainda está muito fraco!
- É verdade! Eu só estou tentando manter a pose de forte e destemido para o seu irmão, já que foi isso que fez ele se apaixonar por mim!
- Tomás! O Felipe não precisa saber dessas coisas!
- Na verdade, eu adoraria ouvir a história de vocês! Um pouco de romance seria ótimo para o momento que estamos vivendo!
- Está certo! Então, tudo começou quando estávamos em uma missão!
Tomás, brevemente, revelou que ele e William sempre realizavam missões em grupo, de modo que nunca tinham tido a oportunidade de conversar a sós, embora, eventualmente, flagrassem um olhando para o outro. Certo dia, meu tio os designou para uma missão simples em outro reino, de modo que não seria necessário um grupo naquela ocasião. Nesta oportunidade, os dois puderam se conhecer melhor e acabaram confessando que estavam mutuamente atraídos. Assim, a missão foi o ponto de partida para a relação deles e, desde então, eles se apaixonavam cada dia mais um pelo outro. Tudo convergiu para que eles conseguissem se casar em Gorgi, o vilarejo que fora dizimado por Conde Rafael por realizar casamento homoafetivos. Pouco tempo depois de começar a contar a história, Tomás de fato se sentiu cansado e caiu no sono. Ele estava, milagrosamente, se recuperando muito bem e, após dois dias, já aparentava estar muito melhor do que tinha estado durante todo o tempo que estivemos em Arlyston.
Na manhã do terceiro dia desde que o grupo de exploração partira, nós fomos acordados com gritos vindos da entrada do vilarejo. Eu, prontamente, alcancei a minha espada e saí para verificar o que ocorrera e encontrei Raul, o qual correu em minha direção e disse:
- Ele está bem! Não se preocupe!
- Do que você está falando?
A minha resposta foi a imagem de Bernardo inconsciente em um cavalo, no qual estava montado Hugo. Para completar, eu vi os meus dois primos com as mãos e pés amarrados e sendo carregados por dois outros homens que estavam montados em cavalos.
- O que eles estão fazendo aqui?
- Eu não tenho certeza! Mas precisamos nos preparar para uma guerra!
- Mas não tivemos qualquer notícia dele e já se passaram várias semanas!
- Irmão, eu sei que você está preocupado com o Bernardo, mas ele vai ficar bem! Eu tenho certeza!
- Você só diz isso porque o amor da sua vida está bem aqui, onde você pode vê-lo!
- Bem... talvez não por muito tempo...
William se retirou da reunião. Eu sabia que tinha ido longe demais e fui atrás dele para consertar o que eu havia feito.
- Espera William! Eu sinto muito!
- Está tudo bem Felipe...
- Não, eu sinto muito mesmo! Eu estava sendo egoísta quando disse aquilo! Eu sei que a situação do Tomás é crítica!
- Eu sei e eu estou com tanto medo!
Aquela era a primeira vez que eu via William chorar. Eu não sabia muito bem o que fazer, então permaneci em silêncio.
- Desculpa! Eu deveria ser mais forte, mas eu não sei o que eu faria se o pior acontecesse!
- Não vai acontecer! Ele vai ficar bem!
- Você sabe que isso não é verdade... Ele vai ter que perder a perna direita se quiser sobreviver! Eu não posso tomar essa decisão por ele e nem quero! Mas ele insiste que só vai tomar uma decisão com base em minha opinião! Isso está me consumindo, porque, obviamente, eu não quero que ele morra, mas ele é um guerreiro e eu tenho medo que, se perna for retirada, ele definhe por não poder andar como anteriormente!
- Eu entendo a sua aflição. Mas, se você quer a minha opinião, você deveria aconselhá-lo a deixar que cortem a perna, já que essa é a única maneira de conseguir com que ele fique vivo e depois vocês podem encontrar uma maneira de fazê-lo voltar a andar.
- Você tem razão! Eu não sei o porquê de tanta hesitação! Eu deveria me manter calmo, mas vê-lo doente por tanto tempo está acabando comigo!
- Isso é normal William! Ouça, se você quiser nós podemos ir agora conversar com ele e ajudá-lo a tomar a melhor decisão! Eu vou lhe oferecer suporte enquanto você explica o que decidiu para ele!
- Mas eu pensei que você queria ir atrás do Bernardo!
- Eu acho que isso pode esperar mais um dia! Além disso, essa é a minha forma de pedir desculpas por falar besteira durante a reunião!
Aproximadamente, cinco semanas haviam passado desde a fuga de Pasine. Do grupo que havia partido para atacar o reino do meu tio, apenas nove pessoas haviam retornado. Bernardo e Hugo haviam, voluntariamente, ficado para trás, a fim de se infiltrarem no exército de Conde Rafael, já que ambos haviam conquistado a confiança do meu tio. O restante das pessoas, infelizmente, havia morrido ao longo do tempo em que permanecemos prisioneiros em Pasine.
Quando retornamos a Finnel, o vilarejo que havíamos lutado tanto para construir estava completamente devastado e não havia qualquer sinal das pessoas que haviam ficado para trás. Nós sabíamos que Conde Rafael viria atrás de nós, então continuamos a nossa caminhada para outro local no qual pudéssemos nos esconder. Inicialmente, nos alojamos de forma precária em uma floresta muito densa nas proximidades de Finnel, tal como havia ocorrido depois da minha fuga de Heliópolis. Cada noite naquele local fazia-me lembrar de Bernardo, pois ele fora meu porto seguro enquanto eu ainda era um principezinho fraco e assustado que havia acabado de ser expulso de seu próprio reino. Porém, as coisas agora eram diferentes e eu precisava me manter calmo, já que, tecnicamente, eu ainda era o líder daquelas pessoas que haviam sobrevivido ao massacre em Pasine. Mesmo que o meu coração estivesse partido pela distância e pela incerteza que permeavam a minha vida com Bernardo naquele momento, eu tentei me manter centrado na missão de conduzir os meus companheiros a um local seguro.
A minha maior demanda era encontrar um local adequado para tratar Tomás, o qual havia sido atingido na perna direita por um dos guardas de Conde Rafael. Nós estancamos o sangramento, porém a ferida não se curou e foi progressivamente piorando. Além disso, a situação foi agravada pelo fato de nossa alimentação e asseio terem sido bastante precários durante as primeiras semanas, tanto por falta de recursos como pela necessidade de continuarmos escondidos dos guardas do meu tio que, provavelmente, estavam nos procurando.
Na segunda semana, William saiu para procurar outro local, visto que a situação de Tomás vinha piorando muito e não poderíamos mais permanecer naquela floresta ou ele certamente morreria. Felizmente, o meu irmão retornou com ótimas notícias: Carlos, um jovem rapaz que fazia parte do grupo que atacou Pasine, conseguiu escapar da emboscada e avisar ao nosso povo para que fugissem com algumas horas de antecedência do ataque que dizimou Finnel, o qual aparentemente não deixara vítimas. Posteriormente à fuga do nosso vilarejo, o nosso povo foi recebido nos vilarejos que faziam parte do então "quase reino de Finnel". Conde Rafael havia destruído a sede do nosso poder, a Finnel original, mas os vilarejos que nos apoiavam ainda existiam e, naquele momento, eles eram a nossa esperança.
Nós fomos muito bem recebidos no vilarejo para onde Carlos nos levou, o qual ficava ao sul do nosso antigo vilarejo e, portanto, ainda mais longe de Pasine, o que era perfeito para a nossa estratégia de fugir do alcance de Conde Rafael. As pessoas que faziam parte da antiga Finnel nos reverenciaram e nos trataram como heróis de guerra, mas eu não poderia ter me sentido menos heroico, pois muitas daquelas pessoas haviam perdido os seus entes queridos e eu não consegui impedir aquilo.
Outras três semanas decorreram, estranhamente sem nenhum sinal dos homens de Conde Rafael, embora tenhamos recebido notícias de ataques a outros vilarejos ao norte, os quais faziam parte da antiga Finnel. Durante esse período, eu e meus outros oito companheiros nos adaptamos à vida no nosso novo vilarejo, cujo nome era Arlyston. O vilarejo era consideravelmente menor do que Finnel e, considerando-se que muitas pessoas haviam mudado para lá recentemente, eu não fiquei surpreso quando fui designado a dividir um alojamento com outras três pessoas. Felizmente, Raul, Tomás e William concordaram em ficarmos no mesmo alojamento, de modo que a transição não foi tão difícil. Arlyston era um vilarejo predominantemente rural, de modo que a principal atividade era cuidar de bois e vacas, bem como lidar com derivados de leite e abate dos animais. Também havia porcos, ovelhas e galinhas em menor quantidade. O vilarejo tinha um conselho para realizar decisões importante e, mesmo sem ter pedido, fui incluído no grupo de conselheiros. Eu estava bastante à vontade com a função e vinha me sentindo muito bem com a vida no vilarejo, até que a saudade de Bernardo ficou insuportável e eu agi como idiota na frente de todos, bem como ofendi ao meu irmão.
Porém, depois do surto, eu percebi que estava errado e, para me redimir com William, eu ofereci o meu suporte para ele contar ao seu marido que o mesmo iria ter que abrir mão da perna direita, a qual piorou drasticamente desde que ele fora ferido em Pasine, mesmo com a ajuda de curandeiros e outras pessoas que estavam acostumadas a tratar de feridas. Segundo essas pessoas, o tempo na floresta não fez bem ao ferimento e quando Tomás chegou a Arlyston era tarde demais para remediar o estrago. A única medida efetiva seria cortar a perna dele, pelo menos até a altura do joelho, a fim de evitar que a gangrena se alastrasse para as outras partes do corpo.
- Você tem certeza?
- Eu sinto muito! Eu gostaria que houvesse outra solução, mas... eu não quero te perder Tomás, você tem sido meu companheiro há tantos anos! Eu nem imagino a minha vida sem você! Eu sei que eu estou sendo egoísta, mas... por favor, não me deixe! Permita que eles façam o que for necessário para te salvar!
- William... eu não sei se seria capaz de sobreviver dessa forma! Nós estamos em guerra e eu não quero ser um peso morto, caso vocês tenham que lutar ou mesmo se vocês tiverem que fugir! Eu não suportaria viver dessa forma!
- Eu sei Tomás! Eu conheço muito bem o homem com quem eu me casei! Eu não estaria te pedindo isso, se eu não tivesse refletido inúmeras vezes sobre o assunto! Eu sei que não posso decidir isso por você, mas já que você demanda a minha opinião, então saiba que eu prefiro te carregar nas minhas costas por todos os lugares, caso você não consiga andar, ao invés de ter que carregar o seu corpo morto para uma cova.
- William... Eu te amo! Eu não tenho certeza de como vai ser o resto da minha vida sem parte da minha perna, mas já que você está tão decidido a permanecer do meu lado, eu aceito me submeter ao procedimento. Mas eu preciso que você esteja comigo, o tempo todo! Eu não vou mentir William, eu nunca tive tanto medo na minha vida!
- É claro que eu vou ficar ao seu lado! Não se preocupe!
Eu não quis fazer parte da conversa porque me pareceu que aquele momento pertencia a eles e não a mim, então eu discretamente me retirei do alojamento. O amor que existia entre William e Tomás era reconfortante e, ao mesmo tempo, doloroso, porque eu adorava ver o quanto eles se amavam, mas isso me lembrava de Bernardo e toda a saudade que eu sentia naquele momento.
Raul ainda estava na reunião e eu havia saído sem muita explicação, então eu resolvi voltar ao local onde todos estavam reunidos, para me desculpar com os demais. Como esperado, as pessoas do vilarejo foram muito gentis e receptivas ao meu pedido de desculpas. Todos na cidade sabiam do sacrifício de Bernardo, então não era segredo para ninguém que eu estava passando por um momento muito difícil. Antes do meu surto, a reunião daquele dia estava pautada na possibilidade de enviar pequenos grupos para outros vilarejos, em busca de novas informações sobre os avanços de Conde Rafael, afinal nós não tínhamos sido atacados ainda, mas vivíamos todos os dias com a certeza de uma iminente nova batalha contra o meu tio. Eu me voluntariei para ir até os vilarejos do norte, os quais eram mais próximos de Pasine, mas os meus companheiros sabiam que as minhas reais intenções eram ir até o reino do meu tio para ter certeza de que o meu marido estava vivo. No fim, eu desisti de participar das missões de busca e me voluntariei para ficar em Arlyston cuidando do povo que me acolheu.
Raul resolveu se juntar a um dos grupos de exploração. Ele vinha exercendo uma forte influência sobre as pessoas do vilarejo, pois, ao contrário de mim, ele estava bastante focado em sua nova função como conselheiro. Nós continuávamos conversando bastante, mas eu ainda não tinha conseguido definir o estado emocional dele. Segundo William, o rapaz que Raul tinha acabado de conhecer antes de sairmos de Finnel, cujo nome era Paulo, havia morrido durante a batalha em Pasine. Porém, Raul não parecia desconfortável com o assunto e não demonstrava estar sofrendo por isso. Entretanto, ele não gostava de tocar no assunto de Hugo ter ficado para trás, o que me fazia suspeitar que ele, na verdade, não o tinha superado. De qualquer modo, Raul era a pessoas mais visivelmente equilibrada do nosso grupo no momento. Quando a reunião acabou, nós voltamos juntos para o nosso alojamento.
- Então vocês partirão em dois dias?
- Sim, nós precisamos de mais informações o mais breve possível! Eu não sei o que o seu tio está preparando, mas deve ser bem grande! Ele já deveria ter nos atacado, afinal este vilarejo não é tão fora de rota e estava claramente ligado a Finnel! Se ele ainda não nos atacou, é porque está planejando algo muito bem elaborado!
- Eu concordo! Nós precisamos estar preparados!
- Sim! Escuta, está tudo bem com você? Tem certeza que não quer que eu fique para te ajudar a lidar com todas essas pessoas?
- Não Raul, eu estou bem! Eles precisam de alguém com a sua liderança para guiá-los nessa missão! Eu... você sabe... estou sentindo falta do Bernardo e não resisti à possibilidade de poder ir vê-lo! Mas eu preciso agradecer o fato dessas pessoas terem me acolhido através da priorização da necessidade coletiva ao invés da minha necessidade egoísta de ver o Bernardo!
- Eu entendo! Você tem toda razão de se sentir assim, já que o seu marido ainda está naquele lugar! Não se preocupe, ele é um rapaz forte e muito corajoso! Você deveria ter visto o modo como ele organizou a operação que nos permitiu fugir de lá!
- Infelizmente, esse é um lado do Bernardo que eu ainda não vi... mas espero poder ver algum dia!
- Ele te ama! Esse sentimento foi o que moveu todas as ações dele e veja o que ele conseguiu! Ele nos tirou de lá! Não subestime a capacidade de uma pessoa apaixonada de fazer de tudo para poder voltar para o alvo da sua paixão! Ele vai voltar para você!
Raul havia me contado tudo o que acontecera naqueles mais de dois meses nos quais nós tínhamos sido prisioneiros de Conde Rafael. Conforme o meu tio havia dito, a maioria das pessoas que partira de Finnel morrera durante a emboscada do meu tio. Os sobreviventes, exceto eu, foram trancafiados no calabouço, sem receber qualquer tipo de assistência. Dessa forma, inevitavelmente, muitas pessoas acabaram morrendo de sede nos primeiros quatro dias. Posteriormente, quantidades mínimas de água foram fornecidas aos prisioneiros, porém muitos ainda morreram de desnutrição e por complicações devido a feridas mal curadas. Depois de mais alguns dias, apenas quinze pessoas haviam resistido ao tempo no calabouço.
Certo dia, o meu tio foi ao calabouço e ofereceu o tal tratamento para a homossexualidade aos prisioneiros, alegando que queria fazer deles exemplos, para que as pessoas pudessem ver a efetividade do seu tratamento. Para a surpresa de todos, Bernardo se voluntariou e foi submetido às sanguessugas. Ele foi devolvido ao calabouço, embora pudesse desfrutar de comida e água, os quais ele dividia com as outras pessoas. Dois dias depois, ele foi levado à presença do meu tio novamente, o qual informou a Bernardo que ele seria deixado a sós em um quarto com uma serva, para que ele pudesse demonstrar a efetividade do tratamento.
Posteriormente, Bernardo contou a Raul que pensava que seu plano estava fadado ao fracasso, já que ele não conseguiria manter relações sexuais com a serva. Porém, milagrosamente, a moça implorou a Bernardo que ele não fizesse aquilo, pois ela estava apaixonada por outra pessoa e queria se manter virgem até o casamento. Desse modo, ele fingiu que a estava poupando e que, entretanto, ela deveria contar a todos que ele havia mantido relações sexuais com ela. A serva fez como pedido e, felizmente para Bernardo, a partir daquele dia o meu tio passou a exibi-lo como um troféu e uma prova de que existia uma cura para a homossexualidade. Não demorou muito para que Bernardo ganhasse ainda mais a confiança de Conde Rafael, o qual havia sido cegado pela própria soberba. Bernardo ascendeu ao posto de guarda e, frequentemente, ia ao calabouço com a desculpa de torturar os outros prisioneiros, a fim de "convertê-los" para o bom caminho. Ele, de fato, teve que ferir superficialmente alguns de seus companheiros, a fim de dar veracidade à sua desculpa para estar no calabouço e inclusive levou Hugo para ser submetido ao tal tratamento, o qual também conquistou rapidamente a confiança de Conde Rafael e passou a fazer parte da equipe que cozinhava para o meu tio. Porém, na verdade, todos os dias em que Bernardo foi ao calabouço, ele levava comida para os nossos companheiros, a fim de fortalecê-los, bem como estava planejando uma fuga junto com as outras dez pessoas que haviam sobrevivido a todo o tempo que permanecemos em Pasine.
O plano envolvia, discretamente, entrar no castelo para me resgatar e fugir em seguida. O plano foi elaborado durante vários dias e, conforme informações de Bernardo, o qual estava infiltrado nas reuniões de meu tio, poderia ser operacionalizado quando Conde Rafael fosse a outro reino para outra de suas famosas "caçadas", pois ele geralmente levava boa parte dos seus homens consigo nessas ocasiões. O plano realmente iniciou como esperado, mas alguns guardas do meu tio flagraram os prisioneiros entrando no castelo e isso deu inicio a toda a confusão que eu vira e ouvira no dia da fuga de Pasine. Dessa forma, houve mais luta do que esperado e dois dos nossos companheiros morreram, incluindo Paulo. Além disso, Hugo e Bernardo decidiram que ficariam para trás, a fim de atrasar o meu tio. Segundo Raul, os dois haviam conquistado a confiança de Conde Rafael e iriam fingir que foram atacados, assim como os outros guardas. Desse modo, eles poderiam continuar usufruindo da confiança do meu tio, monitorar os seus avanços e nos avisar de qualquer perigo, se fosse o caso. Porém, mais de um mês havia passado sem qualquer notícia deles, o que enchia a minha cabeça com os piores pensamentos e teorias possíveis.
- Mas e você Raul, está tudo bem?
- É claro! Por que não estaria?
- Você perdeu duas pessoas importantes durante a fuga de Pasine e eu não vejo qualquer tipo de sofrimento! Eu estou apenas me certificando se você não precisa de alguém para conversar sobre isso!
- Felipe, isso é muito gentil da sua parte, mas eu já aceitei o fato de que as pessoas que eu amo morrem! Na verdade, eu e o Paulo mal nos falávamos quando ele morreu, pois estar em um calabouço acabou com todo o clima para o romance! Talvez ele não me amasse de verdade, mas ele foi importante pra mim e estar ao meu lado o fez morrer!
- E quanto ao Hugo?
- Eu não...
- Você ainda gosta dele?
- Eu reaprendi a gostar dele... assim como Bernardo, ele nunca abandonou o nosso grupo e ajudou o seu marido a nos manter fortes! Eu o admiro muito...
- Espera, você ainda o ama! Por que está negando isso?
- Ele mudou em Pasine! Sim, eu acho que ainda o amo! Mas eu tenho certeza que ele não sente o mesmo! Ele mesmo disse isso lembra?
- Eu entendo! Mas se Pasine o mudou tanto, talvez ele tenha amadurecido sobre como amar alguém, certo?
- Bem, talvez nunca saibamos...
- O que?!
- Nada! Esquece isso Felipe! Vamos ver como está o Tomás!
A partida do grupo de exploração na verdade foi adiada por mais dois dias, pois Raul queria partir depois de se certificar que o procedimento na perna de Tomás tinha dado certo. De fato, a perna dele foi cerrada na altura do joelho, o que causou um sangramento intenso. Felizmente, tudo foi controlado e dois dias depois o estado de Tomás era, aparentemente, estável. William, entretanto, estava em seu limite e eu tentei oferecer todo o suporte que eu consegui. Depois de se certificar que eu, Tomás e William ficaríamos bem, Raul partiu com o grupo de exploração. Fiquei muito feliz de ver que nós quatro realmente havíamos estabelecido um laço forte de amizade, mas eu acho que nós não poderíamos passar por tanta coisa juntos, sem que se formasse uma ligação forte. Após a partida, eu fui ver como Tomás e William estavam, já que eles não puderam vir se despedir do grupo que partia.
- Obrigado por todo o seu apoio irmão! Eu precisava de alguém ao meu lado nesse momento! Foi muito difícil ver aquele cara cortar a perna do meu marido!
- Eu tenho certeza que foi! Fico feliz de poder ser útil!
- Também foi muito difícil para mim!
- Eu não sabia que você estava acordado!
- É claro! Você me acha tão fraco assim?
- Eu te acho muito forte, mas você precisa descansar!
- Eu sei! Mas você deveria ter ido se despedir do Raul! Eu iria ficar bem!
- Eu não queria te deixar sozinho! O Raul sabe que eu desejo sucesso para ele nessa missão!
- Vocês querem que eu saia? Eu posso ir fazer alguma coisa para que vocês possam ter mais privacidade!
- Claro que não! Esse também é o seu alojamento!
- Eu sei, mas eu não me importo de dar algum espaço a vocês!
- Pode ficar irmão! O Tomás está se fazendo de forte, mas ele vai cair no sono em breve! Afinal, ele ainda está muito fraco!
- É verdade! Eu só estou tentando manter a pose de forte e destemido para o seu irmão, já que foi isso que fez ele se apaixonar por mim!
- Tomás! O Felipe não precisa saber dessas coisas!
- Na verdade, eu adoraria ouvir a história de vocês! Um pouco de romance seria ótimo para o momento que estamos vivendo!
- Está certo! Então, tudo começou quando estávamos em uma missão!
Tomás, brevemente, revelou que ele e William sempre realizavam missões em grupo, de modo que nunca tinham tido a oportunidade de conversar a sós, embora, eventualmente, flagrassem um olhando para o outro. Certo dia, meu tio os designou para uma missão simples em outro reino, de modo que não seria necessário um grupo naquela ocasião. Nesta oportunidade, os dois puderam se conhecer melhor e acabaram confessando que estavam mutuamente atraídos. Assim, a missão foi o ponto de partida para a relação deles e, desde então, eles se apaixonavam cada dia mais um pelo outro. Tudo convergiu para que eles conseguissem se casar em Gorgi, o vilarejo que fora dizimado por Conde Rafael por realizar casamento homoafetivos. Pouco tempo depois de começar a contar a história, Tomás de fato se sentiu cansado e caiu no sono. Ele estava, milagrosamente, se recuperando muito bem e, após dois dias, já aparentava estar muito melhor do que tinha estado durante todo o tempo que estivemos em Arlyston.
Na manhã do terceiro dia desde que o grupo de exploração partira, nós fomos acordados com gritos vindos da entrada do vilarejo. Eu, prontamente, alcancei a minha espada e saí para verificar o que ocorrera e encontrei Raul, o qual correu em minha direção e disse:
- Ele está bem! Não se preocupe!
- Do que você está falando?
A minha resposta foi a imagem de Bernardo inconsciente em um cavalo, no qual estava montado Hugo. Para completar, eu vi os meus dois primos com as mãos e pés amarrados e sendo carregados por dois outros homens que estavam montados em cavalos.
- O que eles estão fazendo aqui?
- Eu não tenho certeza! Mas precisamos nos preparar para uma guerra!
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