Aproximadamente, um mês se passou desde a Homorevolta em Finnel e, infelizmente, desde a morte de Maria, uma mulher que nos acolheu tão bem e que morreu em nome de nossa causa, assim como José, um pai orgulhoso de lutar para que outras pessoas não morressem pelas mãos de Conde Rafael, assim como acontecera com o seu filho, que foi caçado por ser homossexual.
O meu grupo transformou a tristeza pela morte dessas pessoas em força para continuar resistindo contra a caça dos homossexuais. Assim, nós começamos pela revitalização e reorganização do vilarejo para ser, efetivamente, a nossa primeira base de resistência ao meu tio.
Novamente, nós fomos distribuídos em subgrupos, de acordo com as habilidades de cada componente do grupo. Dentre as atividades, estavam inclusas: construção de cercas ao redor do vilarejo, mapeamento dos túneis subterrâneos, organização e racionamento dos suprimentos, (re) construção das casas que estavam abandonadas ou destruídas, planejamento de estratégias de defesa e ataque, cuidado com as pessoas que estavam feridas e em recuperação depois da tomada do vilarejo, entre outras.
Eu nunca realmente aspirei a um cargo de liderança, porém, eu senti que aquelas pessoas precisavam de mim por algum motivo, pois de alguma maneira eu as inspirava a continuar seguindo em frente. Bernardo estava eventualmente ao meu lado no grupo de planejamento de estratégias, porém ele se mostrou bastante confortável em liderar o grupo de construção de cercas, assim como o de (re) construção de casas pelo vilarejo. Quanto a Raul, Tomás e William, estes também compunham o grupo de planejamento, porém, concomitantemente, estavam empenhados em liderar pequenos grupos de treinamento para batalha, para as pessoas que estavam recuperadas da tomada do vilarejo. Hugo dificilmente participava das reuniões de planejamento e se sentiu mais confortável em liderar o grupo de organização e racionamento de suprimentos, assim como de preparação de comida para a população.
Assim, de certo modo, nós construímos uma nova sociedade, na qual cada pessoa contribuía de alguma forma para o desenvolvimento de Finnel e para a organização dos próximos passos da nossa revolução contra Conde Rafael. Eu sempre estava, rotativamente, presente em todos os grupos do vilarejo e liderava o grupo de planejamento, no qual participavam dez pessoas. Em umas das reuniões matinais deste grupo, Raul mencionou a seguinte estratégia:
- Nós temos que ser meticulosos em relação ao nosso próximo passo! Nós precisamos atacar os pequenos vilarejos, como Finnel, nos quais é mais provável que nós sejamos vitoriosos e consigamos novos recrutas para atacar Conde Rafael em seu próprio reino!
- Bem, eu não faço a mínima ideia de quais vilarejos são aliados de Conde Rafael, portanto acho que não poderia liderar isso, porém você pode ficar no comando Raul!
- Não seja bobo Felipe! Essas pessoas seguem a você e não a mim! Eu consigo reconhecer que talvez possas ser um líder bem melhor do que eu fui, pois olha só o quanto nós já progredimos desde que tomamos Finnel! Além disso, não precisas conhecer o local, mas sim liderar a investida quando tivermos essa informação!
- Eu conheço dois outros vilarejos próximos da fronteira com Heliópolis, que estavam sob o controle de Conde Rafael! Posso conduzi-los até lá!
- Isso é ótimo Valentim! Nós já temos dois possíveis alvos!
- Bem, realmente nós já temos por onde começar, mas...talvez nós pudéssemos organizar um grupo de mapeamento dos locais que estão ou não sob o controle do meu tio ao redor de Finnel e, sucessivamente, ir progredindo com as conquistas! Assim, poderemos fazer aliados antes mesmo de começar a invadir vilarejos!
- Isso é uma excelente ideia Felipe! Eu me voluntario para esse serviço, afinal o meu grupo está quase terminando as cercas ao redor de Finnel!
- Eu, com certeza, posso guiar o meu grupo de treinamento em uma missão também! Vocês também certo?
- Absolutamente! O meu grupo parece estar preparado para eventuais batalhas!
- Sim, o meu também está preparado para esse tipo de serviço Tomás!
- Muito bem, então nós já temos quatro grupos para realizar o mapeamento ao redor de Finnel! Ouçam bem, precisamos ser meticulosos, pois se encontrarmos inimigos, nós precisamos neutralizá-los, para que as nossas intenções não cheguem ao conhecimento de Conde Rafael! Esse serviço vai começar em uma semana a partir de hoje nos quatro vilarejos vizinhos de Finnel, sendo que Bernardo vai para o norte, Tomás para o sul, William para o oeste e Raul para o leste, o que acham?
- Perfeito Felipe! Está decidido então!
- Muito bem meu amor...digo, Felipe!
- Err...então eu acho que esta sessão está encerrada e nós podemos voltar para as nossas atividades! Até a próxima sessão!
Assim que todos saíram, Bernardo se aproximou de mim e disse:
- Oi meu amor! Nós não temos nos visto muito esses dias certo?
- Eu sinto muito meu amor, mas esse papel de líder consome muito o meu tempo! Eu queria poder passar mais tempo com você!
- Não há problema! Eu estou orgulhoso do excelente trabalho que você está fazendo e por você ter encontrado algo que te faz sentir bem aqui nesse lugar! Mas, será que você tem um tempinho pra gente hoje à tarde?
- É claro que eu tenho um tempo pra gente! Ainda mais quando você me pede com esse olhar tão cativante! Mas agora eu vou adiantar as minhas tarefas do dia então, tudo bem?
- Claro! Eu também tenho trabalho agora com o meu grupo! Nós vamos afixar a última fileira de cerca ao redor de Finnel!
Naquele dia faziam dois meses que Bernardo havia se tornado meu marido e eu tinha certeza que ele havia preparado algo para nós comemorarmos isso, porém o deixei pensar que me surpreenderia. Eu havia aprendido com Hugo uma maneira artesanal de fazer um cordão e havia sido, relativamente, bem-sucedido em confeccionar um para presentear Bernardo. No final da tarde, ele me levou até a nossa casa, que havia sido reconstruída pelo seu grupo - todas as pessoas foram sequencialmente alocadas, na medida do possível, em casas individuais e/ou para famílias, embora algumas pessoas ainda estivessem a espera de novas casas que estavam em reconstrução. No centro da nossa sala, havia uma pequena mesa repleta de comida e duas velas, que atribuíam um estilo que somente Bernardo conseguiria imprimir: simples, porém completo.
- Meu amor, isso é muito romântico! Olha toda essa comida! E essas velas!
- Você sabe que hoje fazem dois meses que nós estamos casados certo?
- Como eu poderia esquecer um dos dias mais felizes da minha vida? É claro que eu sei!
- Felipe, eu quero te dar um presente e não quero esperar até depois do jantar!
- Ora, sem problema meu amor! Você pode me dar agora!
- Tudo bem, mas eu quero que você feche os olhos enquanto eu vou buscá-lo! Não pode olhar!
- Tudo bem, eu não vou!
Eu fechei os meus olhos e, em poucos segundos, Bernardo deixou minhas mãos tocarem um objeto aparentemente grande, quadrado e largo, o qual eu não consegui associar a nenhum presente em particular. Quando Bernardo me disse que eu poderia abrir os meus olhos, eu fiquei maravilhado e sem palavras com o que eu vi: uma pintura enorme de mim, a qual era a mesma imagem que Bernardo havia reproduzido no retrato que me fez confessar os meus sentimentos por ele quando nos conhecemos. Ao perceber isso eu indaguei:
- Bernardo, como você conseguiu reproduzir essa imagem novamente? Na verdade, como você conseguiu material para fazer isso?
- Bem, quanto aos materiais, eu descobri que alguém nesse vilarejo gostava de pintar, pois havia um estoque de materiais de pintura em uma casa abandonada! Alguns materiais não puderam ser aproveitados, mas eu consegui o suficiente para fazer isso! Quanto à imagem, foi fácil reproduzir, considerando-se que eu sempre estou com essa imagem no meu bolso!
Bernardo retirou um pedaço de papel do bolso e eu reconheci a imagem que ele desenhara do meu rosto há muito tempo atrás, quando nós nos conhecemos e eu me apaixonei por ele.
- Eu somente melhorei a imagem e adicionei cores a ela! Porém ficou igual! Eu queria que você ficasse com isso como um presente! Essa imagem mostra o porquê de eu te amar e continuar todo dia me apaixonando ainda mais! Você é lindo e é extremamente genuíno!
- Amor...
Eu o beijei. Delicadamente. Apaixonadamente.
-Eu também tenho algo para você!
Eu puxei o cordão do meu bolso e envolvi a redor do pescoço dele.
- Ele não é tão bonito quanto o seu quadro, mas ele mostra que eu sempre vou me esforçar para conseguir ser o melhor que eu posso para você!
- Você já é mais do que eu sonhava em conquistar! Mas eu fico feliz que nós possamos crescer ainda mais juntos!
Depois disso, nós jantamos juntos e passamos muito tempo curtindo o nosso tempo juntos, o qual realmente tinha se tornado bastante escasso desde que eu havia assumido um cargo de comando, porém, aparentemente, isso não tinha afetado a nossa relação.
Uma semana depois, os diversos grupos estavam prontos para realizar a primeira missão exploratória ao redor de Finnel. O primeiro grupo a partir foi o de Raul, o qual estava cada vez mais apaixonado por Hugo, de modo que houve uma grande cena de despedida entre eles dois, e então o grupo partiu em direção ao leste nas primeiras horas da manhã. Tomás e William não fizeram uma grande cena, porém também reservaram um tempo para despedidas, sendo que esta era a primeira vez em muito tempo que eles estariam em uma missão separados, porém, logo ambos os grupos saíram, respectivamente, em direção ao sul e ao oeste, logo depois do almoço. Bernardo, a meu pedido, foi o último a partir, assim eu poderia me despedir dele com calma, já que todos os outros grupos já haviam partido.
- Meu amor, não se preocupe! Eu vou voltar logo!
- Eu tenho certeza disso meu amor! Mas mesmo assim eu não posso evitar de sentir nervosismo por estar lhe deixando ir em uma missão sem mim, enquanto eu tenho que ficar aqui e cuidar do vilarejo.
- O seu trabalho é tão importante quanto o meu, além disso eu vou voltar bem depressa, para que nós possamos ficar juntos novamente! E com muita sorte, eu voltarei com mais aliados para a nossa revolução!
- Assim eu espero meu amor! Bem, eu não vou mais te deixar nervoso, apenas volte logo!
Nós nos beijamos e então fomos nos reunir ao resto do grupo de Bernardo o qual partiu logo em seguida. Depois disso, eu tentei ficar calmo e pensar que nada de mais ocorreria na jornada dos meus amigos e do meu marido além deles encontrarem mais aliados para a nossa causa. Desse modo, eu voltei às minhas atividades normalmente e esperei até ter notícias deles.
Três dias se passaram sem qualquer notícia, sendo que Hugo estava sempre por perto para conversar comigo quando não estava nos seus grupos de trabalho. Porém, no quarto dia, eu acordei com batidas na porta e corri, pensando que pudesse ter ocorrido alguma coisa com Bernardo, porém, Hugo estava parado na porta com uma bandeja cheia de comida para o café-da-manhã, então eu o deixei entrar e nós conversamos por algum tempo, porém, em certo momento da conversa, Hugo começou a agir estranho:
- Felipe, você ama mesmo o Bernardo?
- É claro Hugo, por que a pergunta?
- Eu não sei, vocês parecem tão diferentes! Eu não sei realmente o que foi que te fez se apaixonar por ele!
- Bem, amar é subjetivo! Eu o amo por uma série de razões que não são fisicamente aparentes! Mas você e o Raul também são bastante diferentes!
- Err...bem, mas eu não o amo!
- O que?! Mas então o que foi toda aquela despedida quando ele partiu?
- Eu não sei como dizer a ele! Eu gosto de outra pessoa...
- Hugo, apenas diga a verdade! É sempre melhor!
- Tudo bem...
Hugo se aproximou mais de mim e disse:
- Felipe, eu estou gostando muito de você!
Tudo aconteceu extremamente rápido: Hugo me beijou e, antes que eu pudesse ter qualquer reação, eu vi um vulto dele saindo pela porta. Bernardo chegara em nossa casa exatamente no momento em que Hugo passou dos limites. Eu corri atrás dele, pensando no quão sem caráter eu pareci aos olhos dele e desejava intensamente poder encontrá-lo logo, para que eu pudesse me explicar, mas acima de tudo, para que eu pudesse abraça-lo e sentir o seu corpo vivo, junto ao meu.
Eu saí correndo pelas vielas do vilarejo, desejando desesperadamente encontrar Bernardo e, ao mesmo tempo, com medo da reação dele. Eu o encontrei na praça central do vilarejo, onde ele estava conversando, de costas para mim, exaltadamente com Raul, em meio às diversas outras pessoas que estavam nas missões de mapeamento. Eu andei devagar, mas decidido a falar com ele. O meu coração batia acelerado e as minhas mãos estavam úmidas de suor, pois eu não queria ser acusado de algo que eu não fiz no meio de outras tantas pessoas. Porém, para minha surpresa, quando eu toquei no ombro de Bernardo, este se virou em minha direção, agarrou-me em seu colo e me beijou apaixonadamente. Eu estava confuso, mas não me importei em apenas deixar aquele momento acontecer. Quando senti que estava preparado, eu disse:
- Meu amor, aquilo que você viu... Eu não estava lhe traindo... O Hugo...
- Eu sei, eu sei! Calma meu amor!
- Como assim você sabe?
- Eu sei que você não faria isso comigo! Eu confio em você!
- Mas por que você correu de mim então?
- Felipe... por mais tranquilo que eu possa parecer, eu posso ficar bastante agressivo em certas situações e... bem, alguém tentando beijar o meu marido com certeza é uma dessas situações, então eu preferi vir aqui informar ao Raul que ele precisa tomar conta do namorado dele, antes que eu o agrida!
- Sério?! Meu amor, isso é tão bom! Você confia mesmo em mim!
- É claro! Não seja bobo! Eu nunca mais desconfiarei de você depois do erro desastroso que eu cometi na situação com o William há alguns meses! Bem, eu quase lhe perdi... Eu não quero me afastar de você ou lhe julgar sem que você tenha uma chance de se explicar! Além disso, tem mais uma coisa...
- O que meu amor?
- O Hugo também tentou algo comigo alguns dias antes de eu sair para a minha missão e eu o adverti para que ele parasse com aquilo imediatamente e fosse fiel ao Raul, de modo que eu não comentaria nada com ninguém... Bem, pelo visto ele não conseguiu, certo?
- Mas que atrevido! Eu vou ensinar uma lição para ele agora mesmo!
- Não meu amor! O Raul acabou de sair daqui e acho que eles têm muito o que discutir! O que você acha de nós darmos uma volta pelo vilarejo? Eu estou louvo para ouvir o que aconteceu por aqui na minha ausência e também quero lhe contar o que ocorreu na minha missão!
- Claro meu amor! Vamos fazer isso!
Nós andamos pelas vielas, nas quais nós encontramos várias pessoas que estavam revendo os seus entes queridos e comemoravam o fato de todos estarem bem. Eu contei a Bernardo que as coisas tinham transcorrido com tranquilidade no vilarejo e a maioria das atividades tinham sido mantidas normalmente. Em contrapartida, ele me contou o que acontecera desde que ele saíra de Finnel:
- Bem, nós alcançamos um pequeno vilarejo o anoitecer do dia em que o meu grupo saiu de Finnel. Como nós não tínhamos certeza sobre a fidelidade dos habitantes, nós apenas nos alojamos na casa de um ancião que parecia ser o líder. Na manhã seguinte, nós nos separamos e investigamos discretamente a opinião dos diversos habitantes sobre Conde Rafael. No final do segundo dia, nós concluímos que o vilarejo estava submetido à influência de do seu tio, mas eles não estavam satisfeitos com isso, então nós decidimos conversar com o homem em cuja casa nós estávamos hospedados, a fim de oferecer uma parceria com Finnel para que o vilarejo pudesse se libertar da influência de Conde Rafael, o que foi muito bem recebido e aceito. Assim, no terceiro dia, o ancião convocou uma reunião na praça da cidade e convocou todos os habitantes, de modo a compartilhar a ideia e verificar a opinião deles sobre a união com Finnel. Infelizmente, algumas pessoas alegaram fidelidade a Conde Rafael, as quais foram neutralizadas e trazidas conosco para cá. Porém, a maioria acatou a ideia de se unirem ao nosso vilarejo, então nós temos outro aliado agora! Eu informei que as pessoas que se interessarem em treinamento de batalha podem vir a Finnel para serem treinado por nós, então provavelmente algumas pessoas chegarão nos próximos dias.
- Isso é incrível Bernardo! Bem, então eu acho que a finalização das outras casas que nós estávamos construindo aconteceu bem a tempo, eu acho!
- Com certeza! Essas pessoas vão precisar de um lugar para ficar! Mas, mudando de assunto, eu senti muito a sua falta! Eu queria ter voltado antes, mas nós passamos todo o terceiro dia acertando os termos da aliança entre os dois vilarejos! Mas eu parti no final da tarde do terceiro dia, para poder chegar hoje de manhã aqui! Viajar à noite não é o ideal, mas os outros entenderam que eu precisava lhe ver e foram bastante compreensivos.
- Eu também senti muito a sua falta meu amor! Bem, então você deve estar cansado! Vamos para casa, eu acho que o Raul e o Hugo não estão mais lá!
Nós caminhamos de volta para a nossa casa, onde nós de fato não encontramos Raul ou Hugo. Bernardo apenas deitou em nossa cama e adormeceu. Como eu tinha acabado de acordar, eu não me juntei a ele. Enquanto ele permaneceu dormindo em nossa casa, eu fui falar Raul, por motivos pessoais e também relativos à missão dele. Eu me dirigi à casa dele, na qual eu fui recebido surpreendentemente bem por ele:
- Olá Felipe! Pode entrar!
- Você não parece bem mestre!
- Faz algum tempo que você deixou de ser meu discípulo! De fato, é você quem tem me ensinado coisas atualmente.
- Você sempre vai ser meu mestre! Afinal, eu não estaria aqui sem o que você me ensinou! Não só as estratégias de batalha, mas também como ser mais forte e decidido!
- Eu fico lisonjeado! Agora pare de me bajular e diga o que você quer!
- Aí está! Agora sim, esse é o meu mestre! Insultos para dar e vender! Eu vim aqui perguntar se você precisa conversar com alguém sobre a missão ou... bem, sobre o que mais quiseres!
Para me surpreender ainda mais, eu presenciei Raul, aquele que me ensinou a ser forte e evitar demonstrar minhas fraquezas, começar a chorar. Ele se sentou e eu o acompanhei, sem saber o que fazer, até que ele falou:
- Eu não entendo Felipe... O que eu tenho de errado? Por que as pessoas fogem de mim?
- Raul, eu não sei sobre errado, mas eu posso ser sincero sobre uma coisa?
- Claro! Fique à vontade!
- As pessoas podem ficar um pouco intimidadas pelo modo como você trata tudo com tanto rigor! Uma relação é um pouco mais complexa do que uma estratégia de batalha! Não há, de maneira alguma, um jeito de você planejar isso! De fato, você apenas vive e faz o seu melhor para que isso funcione! Mas um pouco de flexibilidade é sempre útil!
- Então você está dizendo que o Hugo me traiu porque eu não sou flexível?
- Eu não sei o porquê do Hugo ter agido dessa forma! Só estou apontando algo que eu percebi sobre você Raul! Quem sabe o que está se passando na cabeça dele, né?
- Eu não sei o que dizer... Eu sou assim...
- Eu não estou sugerindo que você mude qualquer coisa! Apenas estou apontando uma percepção minha e lhe dando um conselho e amigo, totalmente com boas intenções!
- Obrigado Felipe! Fico feliz em saber que você me considera um amigo!
- Você salvou a minha vida Raul! Não há nada que eu possa fazer que vá retribuir o suficiente o que você fez naquele dia! Eu vou te abraçar agora e não quero ser rejeitado, ok?
Raul aceitou o meu abraço e o retribuiu, apesar de estar visivelmente desconfortável com a situação. Em seguida, eu o indaguei sobre a missão:
- Mudando de assunto, com foi a missão? Boas notícias vindas do Leste?
- Bem, eu acho que sim... Olha, os habitantes do vilarejo são todos pacifistas, então não estão do lado de Conde Rafael, o que é uma boa notícia, porém também não querem se juntar a nós em uma luta contra ele. Entretanto, eu estabeleci com eles uma aliança comercial, para que nós possamos comercializar produtos! Bem, nós tecnicamente temos aliados no leste, já que eles pelo menos estão dispostos a estabelecer algum tipo de relação com o nosso vilarejo. De qualquer forma, eu ofereci abrigo a qualquer pessoa que se interesse por batalhas, mas não queira envolver o seu vilarejo nisso, ou seja, qualquer deles que seja um guerreiro pode se juntar a Finnel como morador.
- Isso é ótimo Raul! Essas são realmente ótimas notícias! Nós precisamos de todo e qualquer tipo de apoio na nossa jornada! Além disso, Finnel tem prosperado bastante na produção de vários produtos, então acho que essa aliança seria uma boa forma de arrecadar mais fundos para armas.
- Bem, essa foi a minha jornada. Agora precisamos esperar pelos outros dois grupos, para que nós possamos analisar os resultados e planejar os nossos próximos passos!
- Exato! Bem, eu acho que você está cansado Raul, então eu vou te deixar descansar! Qualquer coisa, não hesite em me procurar na minha casa!
- Tudo bem, obrigado... discípulo!
- De nada, mestre!
Depois que eu saí da casa de Raul, eu caminhei em direção à praça central do vilarejo, porém fui interceptado por Hugo em uma das ruas, o qual indagou:
- Felipe, eu posso falar com você?
- Hugo, eu realmente não quero conversar com você agora!
- Mas eu preciso apenas te dizer uma coisa...
- Tudo bem, então diz enquanto nós caminhamos, porque eu não tenho tempo para perder com você!
- Felipe, eu gosto mesmo de você!
Eu não consegui reagir tão bem àquilo como eu gostaria, já que eu, em um impulso, empurrei com um braço o peito de Hugo contra a parede de uma casa e pus meu outro braço sob o queixo dele, dizendo:
- Qual é o seu problema? Se você gosta mesmo de mim, então por que também flertou com o meu marido há alguns dias? Você muda tão rápido assim de sentimento ou só tem problemas mesmo?
Para a minha surpresa, ele começou a chorar copiosamente e disse entre soluços:
- Eu não sei!
Ao ver o sofrimento nos olhos dele, eu o soltei e, desconcertado, indaguei:
- Como assim?
- Eu não sei qual o meu problema!
- Eu peço desculpas pelo que acabou de acontecer Hugo! Você está com algum problema? Quer conversar?
- Sim...
- Vem, vamos até a praça! Lá nós podemos sentar e conversar melhor.
Nós caminhamos até a praça e nos sentamos em frente a uma estátua recém construída, a qual era um símbolo da nossa luta e uma homenagem às pessoas que morreram por causa do ódio de Conde Rafael contra os homossexuais, a qual consistia em dois homens, duas mulheres e um casal heterossexual de mãos dadas. Quando nos sentamos, Hugo havia parado de chorar, então eu perguntei:
- Então Hugo, qual o problema?
- Eu não sei Felipe, eu tenho me sentido perdido nestes últimos dias! Eu não sei qual vai ser o meu futuro e eu estou com medo... eu não sei, eu não tenho nenhum familiar vivo, Finnel é tudo o que me sobrou...
- Mas as pessoas de Finnel são sua família agora, não precisa ter medo, nós vamos conseguir nos livrar da ameaça de Conde Rafael! Por que você não veio conversar comigo antes? Ou melhor, por que não conversou com o Raul sobre isso?
- Felipe, o Raul tem pouquíssima habilidade de entender as outras pessoas e eu não consigo conversar sobre os meus sentimentos com ele, além disso, eu estou confuso, eu não sei o que fazer da minha vida! Eu não amo o Raul... ele é uma ótima pessoa e eu realmente não queria ter feito isso com ele... e nem com você! Eu peço desculpas pela confusão que eu causei! Eu acho que eu só estou procurando um pouco de compreensão, carinho, eu não sei... você e o Bernardo são as minhas únicas referências sobre esse assunto, eu acho que foi por isso que, bem... você sabe...
- Bem, eu acho que compreendo... Mas eu achei que estava tudo bem entre você e o Raul! Não sabia que você não amava ele!
- Bem, como eu disse, ele é uma ótima pessoa, mas eu acho que preciso de mais! O Raul foi o meu primeiro porto seguro quando eu entrei nesse grupo, por isso eu me envolvi com ele! Eu acho que estava procurando a princípio um pouco de segurança, mas eu preciso de alguém que possa me oferecer algo a mais além de sexo e segurança!
- Err... Bem, eu entendo o que você quer dizer Hugo, mas o modo como você agiu foi a pior forma de sair desse relacionamento! Se você aceitar um conselho, eu diria que, da próxima vez, você deveria falar com a outra pessoa e explicar o que você está sentindo!
- Eu aceito o seu conselho Felipe, e... eu peço desculpas novamente pelo modo como eu agi!
- Bem, agora está tudo acabado mesmo! Apenas não faça isso novamente, ok? Principalmente a parte de flertar com o Bernardo!
Neste exato momento, em que eu e Hugo tínhamos resolvido as nossas pendências, uma pessoa nos aborda gritando:
- Corram! É o William, ele está ferido!
Imediatamente, eu comecei a seguir a pessoa que me dera a notícia e em minha mente eu imaginava o que poderia ter acontecido com o meu irmão. Eu havia o identificado como tal há pouquíssimo tempo e realmente gostava da ideia de ter um irmão mais velho, portanto eu não estava pronto para perdê-lo.
A casa de William e Tomás não era longe da praça onde eu estava, então, em questão de segundos, eu adentrei o local e encontrei William. O meu irmão estava deitado em uma mesa, a qual estava rodeada de pessoas. Eu imediatamente notei o motivo do pânico na voz da pessoa que e alertou sobre William, afinal ele estava bastante pálido, o que indicava grande perda de sangue, e havia uma enorme atadura em volta do seu estômago, a qual estava ensanguentada, portanto, provavelmente, ocultava um grande corte nessa região. Assim que cheguei perto de William, eu disse:
- O que aconteceu William?
- Oi irmão... que bom te ver de novo! Bem, isso é um efeito colateral da nossa conquista...
- Como assim?
- Bem... nós chegamos em um vilarejo a oeste daqui. A princípio, nós achamos que era um vilarejo pacífico e indagamos sobre a lealdade deles a Conde Rafael. Porém, infelizmente, aquele era mais uma base do seu tio, de modo que eles nos atacaram e surpresa ao tomarem conhecimento das nossas intenções. Para resumir, houve uma batalha e eu acabei sendo ferido por uma espada... Mas, para compensar, nós ganhamos a batalha, aprisionamos os derrotados e o guerreiro que empunhava a espada já não está nesse mundo.
- Mas você vai ficar bem William?!
- Vou sim irmãozinho! Eu só preciso de alguns dias para me recuperar! De qualquer modo, eu fico feliz de ver que você se preocupa comigo!
- É claro! Você não pode chegar, me dizer que é meu irmão e então me deixar!
Eu e William riamos do meu comentário quando Tomás chegou no local, extremamente alterado. Porém, depois que o próprio William explicou que estava tudo bem, ele ficou mais calmo.
- Não faça mais isso! Eu não posso chegar de uma missão e descobrir que o meu marido está ferido! Assim eu vou ter um ataque do coração qualquer dia!
- Fique tranquilo! Eu ainda estou aqui! Além disso, você prometeu me amar na saúde e na doença, lembra?
- Sim, eu lembro perfeitamente Sr. William!
Depois desse breve susto, Tomás e o resto do último grupo que havia partido para o sul, infelizmente, relataram que o vilarejo no qual eles haviam estado não era aliado de Conde Rafael, porém eles não queriam participar de nenhum tipo de aliança com o nosso vilarejo. Assim, apesar de algumas pessoas terem sido feridas nas missões, o nosso saldo foi bastante positivo, pois agora tínhamos dois novos vilarejos aliados e um outro dominado pelos nossos guerreiros.
Depois dessas missões exploratórias, William levou algum tempo para se recuperar, porém, assim que possível, ele voltara a treinar os nossos novos e antigos guerreiros. Ele, Raul e Tomás realizaram um excelente trabalho e militarizar o nosso vilarejo, além disso, novas missões exploratórias e de aliança foram realizadas com a ajuda de todos o que agora se identificavam como finnelianos ou aliados do nosso povo. Bernardo também continuou na sua função de construtor, já que o constante fluxo de pessoas pelo nosso vilarejo exigia constante modificação da infraestrutura e, principalmente, construção de novas casas.
Desse modo, aproximadamente três meses se passaram, nos quais Finnel prosperou e se expandiu bastante. Muitos dos vilarejos concordaram em se fundir a Finnel, embora alguns tenham preferido se manter autônomos e apenas estabelecer alianças comerciais ou mesmo na luta contra Conde Rafael. Casas e campos de treinamento floresceram por toda a extensão do original vilarejo de Finnel e também dos vilarejos que se fundiram a ele. Nossas alianças comerciais também prosperaram bastante e as nossas conquistam estavam nos fazendo cada vez mais fortes. Algumas pessoas até passaram a se referir a Finnel como um novo reino, mas nós tínhamos consciência de que nós ainda precisávamos nos fortalecer muito para sermos considerados um verdadeiro reino. Porém, em certo momento, eu e o resto do grupo de planejamento sentimos que Finnel, aparentemente, estava preparado para um outro grande passo em nossa jornada:
- Então vocês concordam que nós estamos preparados para um ataque direto ao reino do meu tio?
- Definitivamente, Felipe! Pasine é um reino extremamente militarizado, mas eu acho que nós conseguimos evoluir bastante nesse sentido durante esses últimos meses!
- Isso é verdade Felipe! Eu acho que nós estamos preparados! Além disso, nós precisamos aproveitar que o seu tio, aparentemente, não sabe da nossa expansão para realizar um ataque surpresa! Se nós esperarmos mais para fazer isso, talvez possamos perder o elemento surpresa!
- O Raul tem razão! Nós nos expandimos bastante durante esses meses e é impossível que isso não seja notado em breve por alguém que seja aliado do seu tio!
- Isso faz sentido! Bem, nós precisamos comunicar às pessoas do nosso vilarejo que isso vai acontecer em breve então! Precisamos enviar mensageiros às outras partes do vilarejo também!
- Posso solicitar a algumas pessoas do meu grupo para se encarregarem dessa parte!
- Perfeito Tomás, então você fica responsável por isso! Eu fico responsável por comunicar isso oficialmente para os moradores daqui! Quanto aos demais, organizem os grupos de vocês para solicitarem aos moradores o comparecimento à praça central ao meio dia.
Ao meio dia, eu comuniquei aos moradores do nosso vilarejo que dali a sete dias nós partiríamos em direção a Pasine, o reino do meu tio, para realizar um ataque direto. Todas as pessoas, apesar de surpresas e um pouco apreensivas, demonstraram apoio à nossa decisão. Além disso, vários homens se deslocaram em direção aos outros vilarejos componentes de Finnel, os quais, possivelmente, também concordariam com a ofensiva. Depois do pronunciamento, eu me reuni com o grupo de preparação de comida, o qual estava sendo liderado por Hugo:
- Bem, nós estamos com problemas com alguns suprimentos, os quais deveriam ser repostos urgente, ou então teremos que racionar a comida! Aqui está a lista!
- Obrigado Hugo, eu vou enviar um grupo para conseguir estes suprimentos com os nossos aliados assim que possível! Agora, mudando de assunto, como você está? Eu ando tão ocupado, que nunca mais nos falamos!
- Ah, eu estou bem Felipe! Obrigado por se preocupar! Obrigado também por ter me deixado continuar no vilarejo e ser meu amigo, mesmo depois de... você sabe, depois do que eu fiz...
- Que isso Hugo! Eu não tenho qualquer poder para te expulsar do vilarejo, já que você contribui com a nossa sociedade! Além disso, eu não guardo mágoas e espero, de verdade, que você encontre alguém que te faça feliz!
- Muito obrigado Felipe! Você é uma ótima pessoa!
Depois disso, eu tive outras reuniões com outros grupos do vilarejo, o qual é composto por vários grupos operacionais, os quais são interdependentes. O grupo de preparação de comida, por exemplo, realiza essa tarefa para apoiar e nutrir as pessoas que trabalham em outras tarefas no vilarejo. Além disso, este grupo também distribui diversos suprimentos para os moradores que prepararam suas próprias refeições. Os nossos suprimentos, atualmente, provêm tanto da nossa própria produção como de outros vilarejos que nos fornecem produtos ou serviços em troca de outros produtos/serviços.
No fim do dia, eu estava cansado, como usualmente acontecia. Porém, eu jamais deixaria isso influenciar o meu tempo com Bernardo. Naquele dia, nós havíamos resolvido ir até uma cachoeira perto do vilarejo, assim, quando eu cheguei em casa, eu indaguei:
- Os cavalos estão selados?
- Não meu amor! Eu... você se importa se nós não formos hoje à cachoeira?
- O que? Claro que não! Eu também não estava tão afim! Eu estou tão cansado hoje!
- Eu também! Nossa, veja só o que nós nos tornamos! Parece que estamos casados há décadas e nós ainda nem nos casamos propriamente!
- Bem, eu acho que nós estamos tendo uma experiência de uma vida inteira, então nós temos o direito de nos sentirmos cansados!
- Bem, amanhã nós completaremos cinco meses de "casados", então o que acha de nós diminuirmos a nossa carga de trabalho e fazer um piquenique próximo da cachoeira?
- Soa perfeito! Você sempre tem boas ideias!
Nós realizamos o nosso piquenique no dia seguinte e tudo pareceu perfeito. Nós passamos a tarde conversando à beira da cachoeira, comemos deliciosos aperitivos generosamente doados por Hugo, nos refrescamos na água, nos beijamos e tivemos momentos intensos. Eu desejava que aquela tarde nunca tivesse fim, pois, de certa forma, eu sabia que dali a seis dias tudo em nossas vidas iria mudar.
Nos dias que se seguiram, nós recebemos respostas positivas dos outros vilarejos em relação à ofensiva contra Pasine e, na manhã do sétimo dia depois do meu pronunciamento, nós partirmos em direção ao reino do meu tio. Apesar de nós dizermos que o ataque era direto, na verdade a nossa estratégia consistia em infiltração discreta nos domínios de Pasine, para podermos, idealmente, surpreender e dominar o exército de Conde Rafael.
Pasine ficava a norte de Finnel e a viagem duraria, em média, quatro dias. Nós usamos cavalos para realizar a viagem e, no primeiro dia, nós seguimos as trilhas que passavam pelos nossos vilarejos aliados ao norte, de modo que não precisaríamos nos preocupar em passar por um vilarejo aliado de Conde Rafael e arriscar perder nosso elemento surpresa. Ao fim do primeiro dia, nós descansamos em um desses vilarejos. Houve uma breve ceia, porém todos foram dormir cedo, pois seguiríamos viagem ao amanhecer do próximo dia. Durante o segundo dia de jornada, Raul aproximou o seu cavalo ao meu e disse:
- Oi Felipe! Eu não tive a oportunidade de agradecer pelo conselho que você me deus há alguns meses atrás, mas fico feliz em dizer que ele me ajudou a encontrar outra pessoa, com a qual eu consigo ser eu mesmo e que me ama!
- Nossa! Isso é muito bom Raul! Quem é?
- Paulo, do grupo de construção de casas!
- Ah, que bom! Aquele rapaz enorme que trabalha com o Bernardo?
- Exatamente! Inclusive foi o Bernardo quem nos apresentou formalmente! Você sabe que eu não conheço mais todas as pessoas que vivem no nosso vilarejo, mas eu não pude deixar e notá-lo!
- Nem que você quisesse! O rapaz é bem maior que você, e olha que você já é bem grande comparado a mim! Bem, enfim, fico feliz que você esteja amando novamente! Que dessa vez dê tudo certo!
- Que assim seja! Bom, era isso o que eu tinha para dizer! Eu quero que você saiba que eu sou muito agradecido pelo seu conselho! Às vezes, tudo o que uma pessoa precisa é receber um conselho sincero.
- Que bom que isso te ajudou! Fico muito feliz por você!
Ao fim do segundo dia, nós tínhamos alcançado, tecnicamente, a fronteira de Finnel, já que nós estávamos no último vilarejo que fazia parte da nossa recém-criada sociedade. Nos dias seguintes, nós estaríamos viajando em terras totalmente desconhecidas. Assim como no outro dia, houve uma breve ceia e eu realizei um breve discurso encorajando as pessoas que estavam na missão. Depois disso, a maioria das pessoas foi dormir, mas eu ainda queria conversar com Bernardo:
- Amanhã nós teremos que ser muito cautelosos durante a nossa jornada!
- Eu sei, mas eu tenho certeza que tudo vai dar certo e nós vamos conseguir chegar a Pasine!
- É... O problema, na verdade, é o que vai acontecer lá! Bernardo, se algo acontecer, eu quero que você saiba...
Ele não deixou que eu completasse a frase. Sem hesitar, Bernardo me beijou e tocou o meu corpo do modo como só ele faz. A despeito de seu porte, Bernardo sempre é preciso em seu toque, pois ele não é bruto e nem delicado demais. A suavidade do seu toque me faz esquecer do que eu queria dizer e eu simplesmente me deixo envolver em seus braços. Depois de longos e maravilhosos momentos em seus braços, entre beijos e carícias, Bernardo me disse:
- Nós não precisamos pensar no que vai acontecer daqui a dois dias! Apenas saiba que eu te amo e que nada vai nos separar! Nem mesmo se o pior acontecer, por que você tem um lugar permanente aqui.
Bernardo guiou a minha mão direita em direção ao lado esquerdo do seu peito. Sentindo o seu coração pulsar, eu adormeci em seus braços. No terceiro dia, um dos homens que fazia parte do vilarejo no qual nós havíamos pernoitado nos guiou. Este homem estava acostumado a viajar em direção ao norte, devido aos anos em que ele partiu do seu vilarejo em direção a Pasine, para realizar trocas comerciais. Nesse sentido, ele era a pessoa mais indicada para guiar o nosso grupo. Durante a jornada, eu aproveitei que a liderança estava parcialmente nas mãos de outra pessoa, para confirmar os detalhes do plano de invasão com Tomás e William:
- Então nós vamos nos dividir na fronteira de Pasine, de modo que pequenos grupos vão adentrar o reino nestas carruagens carregando baús contendo as nossas armas, as quais, entretanto, estarão misturadas com suprimentos, supostamente, destinados a serem trocados no mercado do reino.
- Certo! O resto das pessoas entrará no reino como meros comerciantes que desejam realizar algum tipo e troca no mercado. Os grupos com as armas devem encontrar um local adequado para nós nos encontrarmos. Essa é a parte mais crítica do plano, já que nenhum de nós jamais esteve em Pasine, porém, assim que eles encontrarem tal local, devem enviar mensageiros para os demais, os quais estarão de fato aguardando no mercado de trocas do reino.
- Isso! Então, assim que todos os nossos guerreiros estiverem armados e preparados, nós invadiremos o castelo de Conde Rafael e, com a ajuda dos céus, dominaremos o seu exército!
- Bem, pelo menos nós temos um plano! De qualquer forma, a nossa causa está evoluindo e, aconteça o que acontecer, nós faremos a diferença daqui a um dia.
A paisagem, progressivamente, começou a mudar durante aquele dia. Nos domínios de Finnel e um pouco mais ao norte, a paisagem consistia, predominantemente, em planícies e florestas pouco densas, Porém, conforme nós avançávamos em direção ao norte, o relevo mudou para planaltos, montanhas e florestas que pareciam não ter fim. Na noite do terceiro dia, nós acampamos em uma clareira, sendo que a nossa ceia foi mais breve e escassa em relação à realizada no dia anterior. A paisagem parecia anunciar que as coisas seriam bem diferentes dali para frente.
No amanhecer do quarto dia, todos pareciam sentir a importância do que estava para acontecer. Assim, eu fiz um breve discurso motivacional e então nós partimos em direção a Pasine. Após algumas horas de caminhada, nós enfim chegamos ao nosso destino e, diferente do que eu imaginava, Pasine era um lugar muito bonito. A paisagem tornava o reino do meu tio muito sedutor e aparentemente acolhedor, o que destoava bastante do seu governante.
Assim que nós nos aproximamos da entrada do reino, nós nos dividimos em grupos. Desse modo, cada grupo, com um intervalo de alguns minutos entre eles, adentrou a cidade carregando vários baús em carruagens, conforme nós havíamos planejado. Alguns guardas estavam na entrada do reino e, superficialmente, inspecionaram as nossas carruagens. Porém, a despeito dos nossos temores, todos os grupos foram bem-sucedidos em adentrar o reino. Posteriormente, o resto dos nossos homens adentrou a cidade em grupos ainda menores de, no máximo, quatro pessoas, até que, finalmente, todos nós tínhamos adentrado Pasine, o reino de Conde Rafael.
Eu e o resto das pessoas que adentraram a cidade como meros comerciantes nos dispersamos pelo mercado de trocas de Pasine, a fim de esperar pelo sinal dos grupos que carregavam o nosso armamento. Nós estávamos visivelmente separados, porque não queríamos chamar a atenção, mas nunca deixávamos de notar os movimentos uns dos outros, a espera de visualizar quando uma das pessoas do outro grupo fizesse contato com alguém que estava no mercado. Além disso, eu e algumas das pessoas que estavam presentes no dia da conquista de Finnel estávamos utilizando disfarces, para evitar sermos reconhecidos. Porém, o meu disfarce me pareceu insuficiente quando, em um momento de distração, eu esbarrei com o meu tio:
- Olhe por onde anda, seu imbecil!
O meu disfarce, assim como a minha voz, pareceu sumir diante da ameaça de ser reconhecido por Conde Rafael. Porém, rapidamente, eu me obriguei a recuperar a minha habilidade de falar e, a invés de gritar que nós estávamos ali para acabar com ele, eu disse ao meu tio:
- Eu peço o seu perdão meu rei!
- Hum... tudo bem! Suma daqui! E jamais diga que eu não sou uma pessoa generosa!
Eu me afastei o mais rápido possível do local e, logo em seguida, encontrei Bernardo, que estava em um dos grupos de armamento, o qual me disse:
- Meu amor, aconteceu alguma coisa? Você está pálido!
- Agora está tudo bem! Mas eu acabei de encontrar o meu tio! Nós precisamos sair daqui! Vocês já encontraram um bom local para nós nos prepararmos para a invasão?
- Já meu amor! Vamos, rápido!
Os grupos se reuniram em uma parte do reino no qual não havia muita circulação de pessoas naquele momento. Assim, nós rapidamente nos munimos com diversas armas e planejamos adequadamente a próxima parte do nosso plano, o qual segundo Raul, era:
- Bem, nós vamos nos dividir em quatro grupos: dois irão adentrar o castelo e atacar as alas leste e oeste; dois irão atacar os guardas localizados na entrada do reino; o outro grupo irá especificamente procurar Conde Rafael, entendido?
Todos assentiram sobre a compreensão do nosso próximo passo. Então, depois que todos os grupos estávamos prontos, nós começamos a nos dirigir para os nossos locais de ataque. Porém, antes que isso acontecesse, eu incentivei os nossos guerreiros bradando:
- VIVA A HOMOREVOLTA! SALVE FINNEL!
Assim, com o mesmo espírito de justiça que nos levou a atacar o vilarejo de Finnel, enquanto este ainda era uma base de Conde Rafael, nós corremos em direção ao nosso novo desafio: conquistar a principal base do meu tio e, dessa forma, acabar de uma vez por todas com a brutalidade com a qual ele combatia a homossexualidade.
O meu coração palpitava aceleradamente no meu peito e os meus lábios estavam secos. A minha missão era encontrar o meu tio e aquilo me deixava extremamente nervoso, embora eu tenha veementemente me voluntariado para liderar o grupo que procurava por Conde Rafael, a despeito dos pedidos de Bernardo para me juntar ao grupo dele no ataque aos guardas na entrada do reino. Naquele momento, apesar de todo o nervosismo, eu sentia que o meu lugar era no grupo que iria encarar Conde Rafael e dizer que a caça aos homossexuais iria acabar naquele dia.
Desse modo, eu deixei Bernardo partir com um beijo apaixonado e uma promessa de que nós nos veríamos em breve. O grupo dele iria na direção oposta ao nosso, já que eles iria voltar para a entrada do reino. Enquanto isso, os outros três grupos seguiram em direção ao castelo, no qual foi demasiadamente fácil entrar, o que nos deixou muito cautelosos. Assim, o meu grupo percorreu os corredores do lugar em busca do quarto do meu tio e os outros dois grupos se encarregaram da dominação dos servos dentro do castelo, um dos quais nos informou a exata localização do quarto que nos interessava. Porém, no momento em que eu adentrei o quarto, uma dor aguda e excruciante tomou conta da minha cabeça e eu perdi a consciência.
Eu abri os olhos novamente devido à dor no meu braço direito, o qual estava sendo cortado por alguém que eu nunca tinha visto. A minha cabeça também doía e eu não conseguia me mover, já que os meus braços e pernas haviam sido atados à cama na qual eu estava deitado. Quando a pessoa notou que eu estava acordado, disse:
- Olá primo! Eu acho que nós nunca fomos apresentados, mas eu já odeio você!
Ele continuou a ferir o meu braço por alguns segundos, então ele me mostrou o que havia feito: no meu braço direito estava escrito "sujo". A dor no meu braço era terrível, mas eu não conseguia parar de pensar no que havia acontecido com as outras pessoas que estavam comigo. Eles estavam bem? Eles teriam fugido e, inevitavelmente, me deixado para trás? Onde estava Bernardo? Raul?
- Você deve estar tentando entender o que aconteceu, certo?
- Sim... o que aconteceu com as pessoas que estavam comigo?
- Só para a sua informação, eu não sou obrigado a te dar nenhuma informação. Mas eu me sinto regozijado em te dizer que a maioria foi dizimada pelo meu pai e o resto está na cadeia! Você acha mesmo que conseguiria entrar no reino do meu pai sem ser notado? Você é muito burro mesmo! Em primeiro lugar, nós sabíamos do plano de vocês há semanas, já que nós tínhamos um espião no seu triste vilarejo! Desse modo, nós monitoramos qualquer entrada massiva de pessoas desconhecidas neste vilarejo durante as últimas semanas. Uma vantagem do meu pai ser antissocial é que nós conhecemos cada pessoa que entra por aqueles portões! Assim, eu só precisei esperar você chegar neste quarto e te atingir com um bastão na cabeça, enquanto a maior parte dos seus amigos imundos era atacada e assassinada pelos oficiais do meu pai!
Uma dor ainda maior do que aquela presente no meu braço se instalou no meu peito e eu tive um ataque de pânico: a minha respiração se tornou extremamente acelerada e eu comecei a chorar copiosamente. Além disso, eu não conseguia acreditar que uma pessoa ligada a mim por laços de sangue podia ser tão cruel. O rapaz que estava na minha frente aparentava ter a minha idade, o que significava que nós poderíamos ter sido amigos em algum momento, mas ele estava rindo do fato de que várias pessoas haviam sido assassinadas e acabara de violar o meu corpo pela simples vontade de se referir a mim como "sujo". Eu realmente não queria chorar em frente a uma pessoa tão cruel, pois eu sabia que, como de fato aconteceu, ele iria se alegrar com a minha dor. O rapaz riu durante todo o tempo que eu levei para conseguir articular uma frase sem interrompê-la com o meu choro.
- Você é patético!
- Irmão, o que você está fazendo?
- Eu estou punindo o nosso primo! Ele se comportou mal e eu precisei puni-lo! Você quer me ajudar Davi?
- Mas o que foi que ele fez Rafael?
- Ele beijou um rapaz Davi!
- Mas isso é ruim?
- Claro Davi! Você lembra o que o nosso pai fez com aquelas pessoas por esse mesmo motivo?
- Elas foram... para o fogo?
- Isso mesmo! Elas foram para a fogueira!
- O papai vai fazer a mesma coisa com o nosso primo?
- Por enquanto não Davi! Mas... quem sabe em breve!
Davi aparentava ter cinco anos e a conversa dele com o irmão me deixou bastante preocupado e ao mesmo tempo esperançoso. A naturalidade com que ele descreveu a morte de outras pessoas me preocupou bastante, porque ele parecia acreditar que aquilo era o correto. Porém, ele questionou o irmão sobre o fato de dois homens se beijarem ser errado e aquilo me fez refletir que talvez nem todos naquele reino fossem um caso perdido.
- Olá Davi! Meu nome é Felipe!
- Oi... você é meu primo!
- Sim Davi! Isso é verdade!
- Cala a boca! Não fale com o meu irmão! Não quero que você o influencie com o seu jeito sujo!
- Rafael II! O que você está fazendo aqui?
- Eu estava dando uma lição nele pai! Como o senhor disse que deveria ser feito!
- Não deste jeito! Assim ele vai morrer! Por que você sempre faz as coisas de forma tão impulsiva?!
Conde Rafael parecia estar influenciando os filhos a serem tão cruéis quanto ele e, aparentemente, o filho mais velho estava indo além do esperado. Era muito estranho assistir os dois discutirem o melhor modo de punir alguém por ser homossexual e, principalmente, alguém que era um familiar.
- Onde estão os meus amigos?!
- Não seja insolente! Eu não preciso responder qualquer pergunta que venha de você!
- Eu sei, mas... por favor... eu estou implorando...
- Tudo bem! Talvez isso te faça sofrer ainda mais! Dezenas dos seus amigos estão mortos e os corpos foram queimados há algumas horas atrás! Os que sobreviveram estão feridos e presos no calabouço, o que significa que muitos também morrerão em breve! Você falhou sobrinho e eu vou garantir que você viva muitos anos para lidar com essa dor! Eu vou chamar alguém para curar as suas feridas e garantir que você esteja aqui para ver todas as pessoas que você gosta morrerem diante dos seus olhos! Venham rapazes, eu não quero ver vocês neste quarto novamente! Entendido?
Depois daquele momento, eu fiquei amarrado àquela cama pelo que pareceram dias, durante os quais uma pessoa vinha diariamente cuidar dos meus ferimentos. Além disso, vários servos de Conde Rafael vinham ao meu quarto para me alimentar e ajudar com outras necessidades básicas. Certo dia, o meu tio voltou ao meu quarto:
- Olá sobrinho! Eu vim aqui lhe trazer boas notícias: mais dois dos seus amigos morreram esta manhã! Eles estavam muito doentes e não resistiram às péssimas condições do calabouço! Foi melhor para eles, eu lhe garanto!
- Conde Rafael... deixe-me ver os meus amigos! Por favor!
- Tudo bem!
- O que?! Isso... Isso é sério? Você vai me deixar vê-los?
- Na verdade eu vou deixar você ver apenas um deles! Mas não fique animado, porque eu não estou fazendo isso por você! Este rapaz se voluntariou para provar um método que um dos meus servos desenvolveu para curar essa doença que se instalou em vocês. Aparentemente, ele está cansado dessa vida, então quer ser curado e depois se juntar ao meu exército. A única condição dele é que eu te deixasse livre e que ele pudesse conversar com você por alguns instantes! Ele parece ser uma ótima aquisição!
Eu não conseguia acreditar no que eu estava vendo: Bernardo adentrou o meu quarto trajando um uniforme do exército de Conde Rafael.
- Oi Felipe! Vejo que você está melhor!
- Bernardo! O que está acontecendo?
- Eu estou cansado de lutar a favor de algo tão errado! A homossexualidade precisa ser exterminada!
- Do que você está falando? Por que você está vestido assim? Onde estão os nossos amigos?
- Eu não tenho nenhum amigo entre aquelas pessoas?
- Como assim? Bernardo, o que aconteceu com você?
- Eu simplesmente percebi que a vida que nós estávamos levando está errada!
- Isso não faz o menor sentido! Bernardo, eu te a...
Inesperadamente, Bernardo desferiu um golpe em meu rosto, o que causou um corte e me fez sangrar. Depois disso, Bernardo virou as costas e caminhou em direção à porta, então, a despeito da dor, eu continuei o que eu havia começado a dizer:
- BERNARDO! EU TE AMO!
Infelizmente, quando Bernardo virou para me responder, eu vi uma expressão totalmente vazia em sua face e a minha resposta foi diferente do que eu esperava:
- Eu não te amo Felipe!
Assim, o amor da minha vida saiu pela porta do quarto e deixou o meu coração em pedaços em frente à pessoa que eu mais odiava no mundo.
- Você viu como esse tal amor que vocês dizem ter uns pelos outros é somente uma mentira? Duas pessoas do mesmo sexo não se amam verdadeiramente! Isso é apenas uma doença que atinge o corpo e adoece os sentimentos de vocês!
- Não! Nós nos amamos!
- Este rapaz é o seu suposto "marido", correto? Ele me disse que nunca lhe amou, pois você somente afastou o rapaz das pessoas que ele ama! Que tipo de amor é esse?
- O que?! Eu...
- O rapaz quer rever a família! Ele concordou em me servir por um ano e depois eu vou liberá-lo para que veja a família! Isso sim é se importar com as pessoas! Além disso, eu ainda vou oferecer um tratamento para a doença dele! Eu não sei o porquê, mas ele também me pediu para que não te matasse, pois, aparentemente, ele tem pena de você! É claro que eu não te mataria! Você ainda precisa sofrer muito por ter organizado um exército contra mim!
- Eu...
- Cale a boca! Eu ainda não terminei de falar! Eu vou soltar você dessa cama e a partir deste momento, você será um servo deste castelo! Não há como escapar daqui e, por mais que eu queira deixar você livre para sofrer, eu vou mandar executá-lo na primeira tentativa de fuga! Se você se comportar, eu prometo que trarei o seu velho pai aqui, para ele poder ver no que você se transformou, ainda que isso vá trazer muita vergonha para ele!
Depois daquele dia, eu nunca mais vi Bernardo ou qualquer um dos meus amigos, já que eu não tinha permissão de sair do castelo. Servir Conde Rafael, em outro momento, pareceria irracional, porém, naquela situação, a perspectiva de ver o meu pai era a única coisa que me mantinha vivo. O meu tio também me ofereceu a referida "cura" para a homossexualidade, porém eu recusei. Ele protestou inicialmente, mas esqueceu o assunto depois que ele percebeu que eu não sairia do castelo e obedeceria as suas ordens.
- Você é um caso perdido! Eu queria te curar para quando o seu pai chegar! Mas talvez até seja melhor que você continue doente, assim eu posso culpá-lo por isso!
Várias semanas se passaram e a minha única fonte de informação sobre o que estava acontecendo fora das paredes do castelo era o meu desprezível tio.
O seu amigo está tendo ótimos resultados! Um dos meus servos reportou que o viu cortejando uma donzela outro dia! Além disso, ele está incentivando outras pessoas do seu grupo a se juntarem a ele nesse caminho de cura! Se isso der certo e eu conseguir curar todas essas pessoas, eu vou conseguir o trono de Heliópolis, assim como várias alianças com outros reinos.
- Ele estava?
- É claro! A cura que eu estou usando é milagrosa e ele está seguindo em frente! Você deveria fazer o mesmo! A cura está disponível, ainda que eu prefira ter um motivo para alegar a incompetência do seu pai!
- O que aconteceria se eu me submetesse a essa tal cura?
- Você voltaria à sanidade e eu poderia até lhe considerar como parte da família novamente! Você não precisaria mais ser um mero servo e poderia fazer o que quisesse dali para a frente! Mas como você se recusa, eu não tenho outra escolha a não ser te prender aqui dentro! O que é muito gentil da minha parte, considerando-se o que aconteceu com alguns dos seus amigos depois da invasão ao castelo!
- Eu posso lhe dar uma resposta amanhã?
- Sim. Mas essa será a sua resposta definitiva! Eu não tenho paciência e tampouco obrigação de ficar oferecendo uma coisa que eu sei que lhe fará muito bem! Se a sua resposta for não, então você estará definitivamente condenado a me servir!
Naquela noite, eu refleti sobre o que o meu tio disse. Eu não entendia o porquê de Bernardo ter me agredido há várias semanas atrás, quando eu estava preso a uma cama, totalmente indefeso. Eu entendia ainda menos o fato de ele ter sido visto cortejando alguém. Eu sabia que não havia de fato uma cura, porque homossexualidade não era uma doença, então aquele comportamento não fazia sentido. Talvez, fazer a vontade de Conde Rafael fosse melhorar a minha possibilidade de tentar descobrir o que havia acontecido com Bernardo, já que eu poderia, segundo as próprias palavras do meu tio, fazer o que eu quisesse. Durante todo aquele tempo, eu não tive coragem de perguntar ao meu tio sobre os meus outros amigos íntimos, pois eu não conseguiria suportar ouvir que Raul, Hugo, Tomás e William estavam mortos. Porém, se eu conseguisse permissão de sair do castelo, eu também poderia conseguir averiguar essa informação. Assim, no fim da noite, a ideia de me submeter à "cura" pareceu ser uma opção razoavelmente boa.
- Então você quer se submeter à cura? Eu sabia que você, eventualmente, iria enxergar o erro que você cometeu ao se juntar a esse bando de pessoas doentes.
- Certo... Nós podemos acabar logo com isso? Onde está a cura?
- Vá para o seu quarto, eu irei em seguida com os meus servos e a cura.
Eu não fazia a mínima ideia do que seria a tão falada cura, mas ainda estava decidido a me submeter a ela, se isso significasse que eu poderia ver Bernardo e os meus amigos novamente. A porta do meu quarto se abriu e, infelizmente, não era o meu tio.
- Olá primo! Como você está?
- Rafael, o que você está fazendo aqui?
- Eu preciso te perguntar uma coisa antes que você seja curado! E eu exijo uma resposta!
- Eu não vou te responder nada com essa atitude!
- Eu exijo que você me responda!
- Eu não sou obrigado a te responder nada! E fique grato que eu não vou me vingar por você ter me torturado daquela forma! Agora saia daqui!
- Mas eu preciso saber como é! O que você sente quando ama alguém do mesmo sexo?
- É tão maravilhoso quanto amar uma pessoa de outro sexo, a diferença é que, atualmente, se você ama alguém do mesmo sexo as pessoas te fazem isso...
Eu mostrei a ele o meu braço, onde haviam várias cicatrizes, as quais formavam uma palavra: sujo. Ainda assim, Rafael não mostrou qualquer sinal de arrependimento.
- Você mereceu isso! Por que você precisava se expor dessa maneira?
- Porque eu não sou covarde como você!
- O que? Eu não sou covarde!
- Não? Então por que você está escondendo isso?
- Eu não...
- Rafael II?! O que você está fazendo aqui? Ainda não é seguro! Já disse que não quero que você seja afetado por essa doença! Vá para o seu quarto!
- Err... tudo bem...
- Você está pronto sobrinho?
- Eu acho que sim... qual é o procedimento?
- Olá, meu nome é Walter! Eu vou realizar o procedimento para lhe curar! Isso é muito simples! Eu vou drenar o seu sangue com esses animais por algum tempo e você se sentirá curado ao fim de tudo!
Sentir os dentes das sanguessugas penetrando a minha pele me dava calafrios e me fazia querer vomitar. Eu queria tirá-las do meu corpo e atirá-las o mais longe possível! Aqueles animais eram repugnantes e eu estava começando a me sentir tonto. Porém, eu mantive a minha motivação para me submeter àquele procedimento em primeiro lugar: eu sairia daquele castelo e poderia reaver os amigos que me foram tirados por Conde Rafael, ou pelo menos aqueles que ainda estavam vivos.
Depois de algumas horas, as sanguessugas foram retiradas e as pessoas se retiraram do meu quarto. Eu adormeci, devido ao cansaço resultante do procedimento, e acordei somente no dia seguinte. Como o meu tio havia prometido, eu pude sair do castelo e a primeira coisa que eu fiz foi procurar por Bernardo. Depois de alguns minutos procurando, eu o encontrei em uma rua do reino.
- Bernardo!
- Felipe! O que você está fazendo aqui?! Você... você se submeteu ao que eu estou pensando?
- Às sanguessugas? Sim! Agora, eu...
- Shh! Não podemos conversar agora! Eu vou te esperar na saída do reino, naquela lagoa que nós vimos quando vínhamos para cá, no fim da tarde! Lá nós conversaremos melhor!
No fim da tarde, eu estava esperando ansiosamente por Bernardo no local que ele havia dito, onde havia uma pequena lagoa e muitas árvores. Quando ele chegou, eu o abracei intensamente e ele, brevemente, retribuiu o gesto. Porém, ele rapidamente me afastou e disse:
- Eu sinto muito! EU ACHO QUE ELE PRECISA DE UMA SEGUNDA DOSE!
De repente, quatro homens saíram de trás das árvores, os quais ataram as minhas mãos com cordas e me conduziram, provavelmente, de volta para o castelo do meu tio. Em meio aos vários sentimentos que afloraram naquele momento, o mais forte era o de tristeza, pois eu acabara de ser traído pelo homem que eu amava. Eu não ofereci qualquer resistência quando os homens me mandaram andar em direção ao castelo, porque, naquele momento, uma dor terrível irradiava no meu peito e eu queria, desesperadamente, desistir de tudo.
- Conde Rafael, o desequilíbrio nos fluidos corporais que fazem este rapaz gostar de ter relações com outros homens deveria ter sido curado com apenas uma dose! Mas pelo visto eu vou ter que aplicar uma dose extra! Isso é muito perigoso e pode matá-lo! Tem certeza de que eu devo prosseguir?
- Não seja imbecil! É claro que eu estou certo disso! Não me importa o que isso vai custar, o que me interessa é que este indivíduo seja curado! Você também não quer isso sobrinho? Ver-se livre desta doença?
- Que seja...
- Não seja insolente e ingrato! Eu estou lhe fazendo um favor!
- Obrigado tio...
- Assim está melhor! Pois bem, venha amanhã para realizar o procedimento! Não precisamos mais esperar!
- Sim Conde Rafael!
Assim, o meu tio saiu do quarto e eu pude voltar a fazer o que estive fazendo durante os últimos dias: dormir. Depois da traição de Bernardo, eu não me importava com nada que acontecia ao meu redor, não me alimentava adequadamente e estava resignado em permanecer trancafiado no meu quarto e atado à minha cama pelo resto da minha vida. O meu tio insistiu que a segunda dose da minha cura fosse ministrada o mais breve possível, mas Walter o aconselhou a esperar alguns dias. Agora, a data tinha sido marcada. Talvez eu pudesse morrer e o pior de tudo é que eu não me importava.
Rafael II havia me visitado várias vezes durante aqueles dias e eu sempre fingia que estava dormindo, porém neste dia havia sido diferente.
- Olá primo sujo, até que enfim você está acordado!
- Rafael, se você não sair daqui agora, eu vou contar ao Conde o seu segredinho!
- Do que você está falando?
- Não pense que eu não sei o porquê de tanta raiva e o motivo de você vir todos os dias ao meu quarto!
- O que você pensa que sabe?
- Parece que o filho do grande Conde Rafael está tão doente quanto eu!
- Como ousa!
Rafael desferiu um soco que atingiu o lado esquerdo do meu rosto em cheio. Porém, a dor não me incomodava havia muito tempo.
- Não adianta me bater ou negar! O que você sente não vai mudar!
- Eu... Eu não sei do que você está falando! Mas se meu pai ouvir isso ele vai te matar! Ele nunca acreditaria em tamanha mentira!
- Eu não me importo! Isso despertaria alguma suspeita! Eu não tenho nada a perder, então sai daqui, se quiser evitar problemas desnecessários!
- Pois bem, eu não quero passar nem mais um minuto perto de você de qualquer modo!
- Ah não?! Então por que você tem vindo aqui? O que você quer de mim?
- Eu... Eu não entendo o que causa isso...
- Não precisa haver um motivo! Não há nada errado! Essa história de doença é uma invenção do seu pai!
- Se isso não é uma doença, então como você explica o seu "noivo"? Ele está curado!
- Sai daqui!
- Mas você não respondeu...
- AGORA! SAIA!
Eu não suportava ouvir falar do Bernardo. A simples menção do nome era como um soco no estômago! Eu me sentia sem ar e uma forte dor se instalava no meu abdômen. Depois que Rafael saiu, eu achei que poderia finalmente dormir, mas estava enganado.
- ... Já que você insiste! Aqui está ele!
- Vejo que ele ainda está bastante debilitado! Tem certeza de que ele está pronto para a segunda dose?
- Sinceramente, eu não acho que ele vá melhorar muito! Ele se recusa a comer adequadamente! Se o pior acontecer, eu não acho que será de todo mal!
- Entendo! Talvez o senhor tenha razão!
- Mas é claro que sim! Mas voltando à nossa conversa, eu precisarei visitar o Conde Gil e...
Eles saíram do quarto sem me dirigir qualquer palavra. Eu não podia evitar de, bem no fundo, esperar que Bernardo tivesse algum plano e estivesse fingindo tudo aquilo, mas a cada dia as minhas esperanças eram dizimadas. Para a minha surpresa, as visitas daquele dia ainda não tinham se encerrado.
- Oi primo... É verdade que você tá doente?
- Um pouco Davi! Mas eu vou ficar bem!
- Eu ouvi uma coisa ruim... eu fiquei triste!
- O que foi que você ouviu Davi?
- Papai disse que você pode morrer! Mas eu não quero que você vá embora! Eu nunca tive um primo e papai nunca me deixa ver você!
- O seu pai... ele sempre foi assim?
- Chato?
A sinceridade infantil sempre me encantou. Eu nunca tive irmãos, mas eu sempre adorei brincar com as crianças de Heliópolis! Elas sempre me convidavam para me reunir a elas e nunca havia qualquer tipo de interesse secundário.
- Sim! Ele sempre foi rígido desse jeito?
- Que eu me lembre sim! Meu pai nunca brinca comigo! O meu irmão também não!
- Eu sinto muito Davi! Eu queria poder brincar com você! Mas o seu pai acha que eu tenho uma doença contagiosa!
- E você tem?
- Não! Mas o seu pai acha que sim, então eu não posso chegar perto de você!
- O que ele acha que você tem?
- Eu amo... ou melhor, amava um rapaz! O seu pai acha que isso é errado!
- Como ele se chama?
- Bernardo...
Novamente, aquele nome me fez sentir doente. Coincidentemente, o meu ex-amor adentrou o quarto companhado de dois servos.
- Davi! O que você está fazendo aqui?
- Eu... Eu queria ver o meu primo!
- Você sabe que o seu pai não quer que você venha aqui! Você, acompanhe ele até o quarto e se certifique de que ele não saia de lá! Desculpe Davi, isso é para o seu próprio bem!
- Sim senhor!
Um dos servos que acompanhavam Bernardo conduziu Davi para fora do meu quarto. Mas quando passava pela porta, o meu pequeno primo disse:
- Tchau primo! Desculpe não poder ficar com você! Espero que você fique bem!
- Obrigado Davi! Você é muito gentil!
- Você sabe que não deve chegar perto dos filhos de Conde Rafael!
- Sim...
- Você ainda não me perdoou, certo? O que eu fiz foi para o seu próprio bem!
- Eu não me importo!
- Você não precisa! Eu tenho certeza que entenderá tudo o que eu fiz no futuro!
- Senhor, está tudo pronto!
- Muito bem. Está na hora do seu banho! Espero que isso te relaxe um pouco!
O servo que restava havia enchido uma tina com água para que eu pudesse tomar banho.
- Não há nada nesse castelo que possa me relaxar!
- Tudo bem, então apenas tome banho, porque você está horrível!
- Bem, esse sou eu! Agora, que tal você sair do quarto para que eu possa me despir!
- Não há nada que eu, infelizmente, já não tenha visto! Além disso, estamos entre homens aqui!
- Pode ser! Mas eu não o quero aqui! Então saia!
- Se é assim que prefere! Eu vou sair, mas você servo deve tomar cuidado para não ser seduzido! Não esqueça que ele ainda está doente!
- Sim senhor! Eu serei cuidadoso!
Assim que Bernardo saiu, eu me despi e o servo designado me ajudou a entrar na tina. Ele deveria me ajudar durante o processo de banho, mas eu recusei e mandei que ele apenas me ajudasse a sair quando eu tivesse terminado.
- Senhor, tem certeza de que não precisa de ajuda?
- Não, você pode apenas observar, já que isso é necessário, mas eu não quero a sua ajuda!
- Mas eu posso ter problemas se lhe deixar fazer isso sozinho! Esse é o meu trabalho!
- Não se preocupe, eu direi ao Bernardo que você fez o seu trabalho! Apenas me deixe fazer isso sozinho!
- Bem... obrigado senhor! Eu lamento que o senhor esteja passando por tudo isso!
- Obrigado! Você é a primeira pessoa que se sente desse jeito nesse lugar!
- Senhor... eu posso perguntar algo?
- É claro... desde que não seja um insulto!
- O senhor não acredita na cura, certo?
- Bem, eu não estaria nessa situação se acreditasse, certo?
- Por que o senhor insiste em mostrar que a cura não funciona?
- Porque eu quero mostrar que o Conde está errado!
- Mas isso pode afetar muitas vidas!
- O que você quer dizer?!
- O senhor tem ideia de quantas pessoas nesse reino foram "curadas"? Se o senhor continuar mostrando que a cura não funciona, a "sanidade" de muitas pessoas será questionada!
- Espera... então ainda há homossexuais neste reino? Eu pensei que o Conde tinha matado todos em suas caçadas!
- O Conde não mata ninguém do seu próprio reino! Ele se orgulha em dizer que todos os "doentes" do seu reino foram curados! Mas caça os homossexuais de outros reinos como uma forma de diversão e de humilhar os reinos nos quais os homossexuais foram identificados!
- Meu Deus! Então eu estou pondo as pessoas deste reino em risco! Eu... eu não sabia!
- Eu lamento ter que pedir isso, mas se o senhor sobreviver ao procedimento de amanhã, finja que está curado! Ou todos nós estaremos em risco!
- Espera, "nós"? Então você...
- Sim senhor! Eu e meu companheiro fomos apanhados nas dependências do castelo e submetidos à cura!
- O que aconteceu com ele?
- Eu me submeti à cura, mas ele me chamou de covarde e não quis! Ele foi trancafiado no calabouço, mas adoeceu e acabou falecendo há algumas semanas!
- Eu sinto muito por isso! E eu não quero ser insensível, mas se as pessoas não se submetessem a essa ideia de "cura", ninguém precisaria fugir e se esconder por ser homossexual! Eu não sei de onde o meu tio tirou essa ideia!
- Eu concordo senhor... eu só aceitei me submeter a isso porque pensei que o meu companheiro também aceitaria e, assim, poderíamos ter tempo de planejar uma fuga do reino! Mas eu estava errado... De qualquer modo, o senhor ficará surpreso em saber que a "cura" começou com o filho do Conde! Ele foi o primeiro "curado"!
- Então é isso! Eu estava certo! Ele nunca foi curado! Você nunca foi curado! A cura não existe! Mas o Bernardo...
- Eu também não entendo... Mas eu preciso dizer que a "cura" fez bem a ele! Ele é o segundo em comando no reino! O Conde acredita muito na "cura", pois acredita que o filho esteja curado! Desse modo, ele também acredita que o Bernardo esteja curado e por isso o exibe como um troféu para os outros reinos! O fato do Bernardo ter entregue o próprio ex-noivo também aumentou a estima do Conde pelo Bernardo!
- Será... será que ele tem um plano?
- Eu não sei dizer! Mas eu espero que dê tudo certo para o senhor! Quando eu pedi para que "aceite" a cura, eu estava pensando no bem de todos nesse reino, mas eu admiro a sua coragem em lutar pelo que acredita!
- Obrigado por ter me contado essas coisas! Elas me fizeram entender o contexto em que vocês estão! Eu peço desculpas se eu prejudiquei alguém!
- Não precisa se desculpar! Apenas faça o que eu disse, por favor!
- Só mais uma coisa, como foi que o Conde descobriu sobre o Rafael II?
- O senhor Rafael II se apaixonou por um visitante de outro reino! Foi paixão à primeira vista e os dois se visitavam com frequência! Na verdade era muito mais frequente que Rafael fosse a Naquim!
- O namorado do Rafael era de Naquim?
- Sim! E, na verdade, eles foram casados! O filho do Conde até se mudou para um vilarejo chamado Gorgi, o qual era muito receptivo aos homossexuais e sempre realizava casamentos desse tipo. Eu e meu companheiro planejávamos ir até lá para nos casarmos antes de sermos apanhados!
- Eu sinto muito que isso não tenha se concretizado! Isso é estranho, muitos dos meus companheiros são sobreviventes do massacre ocorrido em Gorgi! Eu jamais imaginava que o filho do Conde pudesse ter qualquer relação com esse vilarejo!
- Na verdade, o filho do Conde é a causa do massacre!
- O que você quer dizer? O que o Rafael tem a ver com o massacre de Gorgi!
- Quando o Conde descobriu o porquê de Rafael ter se mudado para Gorgi e o estilo de vida que ele estava levando lá, um exército foi direcionado para a cidade, com o objetivo de exterminar uma doença que estava se alastrando por toda a cidade e havia infectado o seu filho! Por isso tantas pessoas morreram e foi assim que as "caçadas" e a "cura" começaram!
- Eu não sabia disso! Mas o que aconteceu com o marido do Rafael?
- Ele foi a primeira pessoa a ser caçada! O ódio que o Conde sentia por ele era tão intenso que ele não se conformou em apenas mata-lo, ele precisava torturá-lo e fazê-lo sofrer! Depois disso, o senhor Rafael II foi submetido à avaliação por diversas pessoas, as quais deveriam descobrir o que havia de errado com ele! Foi nesse momento que o senhor Walter propôs a cura através das sanguessugas! O senhor Rafael se submeteu a isso e se tornou a primeira pessoa a ser "curada"! Como você pode ver, tudo isso teve início com o filho do Conde!
- Então Rafael é a causa de tudo! Mas por que ele ficou tão perverso?
- Não seja tão duro com ele! O filho do Conde sempre foi um menino muito bom, por incrível que pareça! Ele tinha um coração de ouro, mas depois da "cura" ele se tornou amargo e sombrio! Ele esteve presente em cada uma das caçadas de Conde Rafael e torturou várias das pessoas dessa cidade até que elas aceitassem se submeter ao procedimento.
- Mas ele está traindo o seu próprio grupo! Ele está matando as pessoas que o acolheram!
- Veja bem senhor, quando as pessoas ouvem falar do massacre de Gorgi elas ficam horrorizadas e tristes. Imagine o que o senhor Rafael sente já que ele estava lá e tecnicamente foi a causa de tudo! Isso pode enlouquecer alguém!
- Eu entendo... Mas eu não sei como ajudá-lo!
Nesse momento, Rafael adentrou o quarto.
- O que você está fazendo servo? Não deveria estar ajudando o meu primo a tomar banho?
- Ele já me ajudou bastante! Eu solicitei que ele me deixasse algum tempo na tina, pois isso me relaxa!
- Sim meu senhor! Foi isso que aconteceu!
- Não importa, eu preciso que você saia! Eu quero conversar a sós com o meu primo!
- Mas senhor... eu recebi ordens diretas do senhor Bernardo para que não saísse desse quarto!
- Não precisa sair! Fique!
- Bernardo é apenas um encarregado! As minhas ordens são superiores, afinal eu sou o filho do Conde Rafael!
- Sim senhor...
- Ele já foi! O que você quer Rafael? Eu já disse que não quer conversar se você vai ser rude comigo!
- Eu posso tentar ser menos rude... Mas não posso prometer nada!
- O que você quer comigo?
- Eu quero pedir para que você pare de ser inconsequente!
- O que você quer dizer?!
- Pare de ser resistente ao tratamento! Finja que ele funciona!
- Então você admite que ele não funciona?!
- Eu não admito nada! Mas já que ele não está funcionando em você, talvez o meu pai comece a questionar o funcionamento em outras pessoas e isso vai criar um alvoroço desnecessário!
- Tudo bem!
- Tudo bem o que? Você vai fazer isso?
- Sim! Eu vou fingir que isso funciona!
- Ótimo! Era isso que eu queria! Agora eu vou te deixar em paz!
- Espera, eu tenho uma pergunta!
- O que foi? Seja breve!
- Por que você me odeia tanto? A gente mal se conhece! Por que você odeia tanto os homossexuais?
- Porque esse estilo de vida só causa dor e sofrimento! Isso é errado e as pessoas deveriam saber que disso! Quando as pessoas se recusam a aceitar que isso está errado, ou eu as convenço a se submeter ao tratamento para serem curadas ou elas tem que ser punidas!
- Quem é você para decidir isso? Quem te deu esse direito?
- A vida! E o meu pai!
- Mas você não sente mais nada?
- O que você quer dizer?
- Olha, vamos acabar com esse fingimento! Eu sei que você sente algo diferente por pessoas do mesmo sexo, assim como eu! Mas, por algum motivo, você se recusa a admitir isso! Então eu quero saber se você não sente mais nada ou se é só fingimento!
- Muito bem! Eu não preciso te dizer nada, mas eu quero que você acabe com essas insinuações antes que o meu pai volte de viagem, então lá vai!
Rafael me contou uma versão condensada da história que eu ouvira anteriormente. Eu não podia dar sinais de que já sabia da história ou colocaria rapaz que me contara em perigo. No fim, Rafael afirmou que havia sido curado.
- Como você pode ver, eu já fui como você! Mas hoje em dia eu ajudo as pessoas a enxergarem a luz!
- Você está levando as pessoas para as trevas! Ou melhor, para as sombras, já que as pessoas agora precisam se esconder e fingir que essa tal cura funciona.
- A cura funciona! Eu sou a prova viva disso!
- Você é somente alguém que já sofreu muito! Eu reconheço isso! Mas isso não te dá o direito de fazer as atrocidades que você faz com as pessoas!
- Cale a boca! Você não sabe de nada!
Nesse momento, Bernardo adentrou o quarto, acompanhado do servo que me ajudara com o banho.
- ... deveria ter ficado no quarto, como eu pedi!
- Mas o senhor Rafael me disse que...
- Sim Bernardo, fui eu quem o mandou sair do quarto! Eu precisava conversar com o meu primo!
- Rafael, o Conde recomendou que você e o seu irmão não entrassem nesse quarto! Portanto, eu preciso pedir que você se retire!
- Muito cuidado como fala comigo Bernardo! Não se esqueça de quem eu sou!
- Eu peço isso com todo respeito, meu senhor! Afinal, foi isso que o Conde recomendou! Eu estou apenas fazendo o meu trabalho!
- Assim está melhor! De qualquer modo, eu já terminei o que tinha vindo fazer aqui! Com licença!
- Obrigado senhor! Até mais!
- Até mais primo!
- Pare de tentar seduzi-lo! Isso só vai piorar a situação!
- O que foi Bernardo, você está com ciúmes? Não se preocupe, eu não estou seduzindo ninguém! Eu sou fiel aos meus sentimentos, mas você não entende esse conceito, certo?
- Não me aborreça com as suas acusações! Quantas vezes eu tenho que repetir que eu não sinto nada por você?! Além de pena, é claro! Agora saia da tina, você já teve bastante tempo para tomar banho!
- Não! Eu saio daqui quando eu estiver pronto!
- Eu acho que não!
Eu fui surpreendido por Bernardo envolvendo os braços ao meu redor e me retirando à força da tina. Eu ofereci resistência e lutei para me libertar dos seus braços, mas ele sempre fora mais forte do que eu! Ele me colocou, ainda molhado, na cama e eu não consegui me conter: comecei a chorar, talvez pela surpresa de ter Bernardo me tocando de uma forma tão agressiva, como eu nunca imaginara o ver fazer.
- Servo, retire a tina daqui! Depois disso você está dispensado!
- Sim senhor!
Quando o servo saiu do quarto, eu ainda estava chorando, mas escondia minha lágrimas com os cobertores. Parecia que tudo o que eu estava vivendo fora resumido por aquele momento e eu não conseguia controlar o meu choro.
- Você precisa aceitar que tudo mudou! Isso vai te causar menos sofrimento!
- Me deixe em paz! Você já fez o bastante!
- Como queira...
Quando Bernardo deixou o quarto, eu poderia jurar que vi uma lágrima escorrer pela sua face, mas eu não me atrevi a acreditar. Afinal, ele havia demonstrado que realmente não havia mais nada entre nós, além de uma relação estranha em que ele trabalha para o meu tio e, nesse momento, está encarregado de me preparar para a "cura".
Naquele dia, eu não recebi nenhuma outra visita, então acabei dormindo muito cedo. Não havia qualquer prazer no meu dia-a-dia, então a minha atividade favorita era dormir.
Porém, naquela noite eu acordei com o barulho de pessoas gritando e, de repente, um homem encapuzado entrou no quarto, acompanhado de outros três homens, cujos rosto eu não conseguia ver. Eles se aproximaram da minha cama e eu tentei, sem efeito, lutar, mas eles estavam em maior número e eram, aparentemente, mais fortes do que eu. Além disso, eu estava enfraquecido pela falta de alimentação. Depois de algum tempo resistindo, eu estava exausto e a ponto de desmaiar, então eles conseguiram me amarrar e colocaram uma mordaça em minha boca. Depois, conduziram-me pelos corredores do castelo e, mesmo que eu quisesse, eu não conseguia me debater ou espernear. Enquanto percorríamos os corredores, eu vi várias pessoas desacordadas e algumas outras lutando contra inimigos que eu não conseguia discernir. Aparentemente, Pasine estava sendo saqueada e eu estava sendo levado como refém. Mas o que eu não entendia é como aquilo havia acontecido e onde estava o Conde Rafael.
Finalmente, os homens saíram do castelo e eu reparei que haviam muito mais gente lutando lá fora também. Enquanto isso, os homens que me carregavam se dirigiram a uma carroça e me puseram lá. Três deles voltaram para dentro do castelo, incluindo o homem encapuzado, mas um deles ficou comigo na carroça. Eu estava bastante enfraquecido e levou algum tempo até que eu conseguisse focar no rosto da pessoa que estava comigo e reconhecesse de quem se tratava:
- William!
- Oi irmãozinho! Quanto tempo hein!
- Onde estão os outros?! Onde está o Tomás?
- Calma! Nós vamos te explicar tudo! Mas agora precisamos correr, afinal o conde vai estar aqui em breve!
- O Conde não está aqui? Onde ele está?
- Ele foi a outro reino e nós aproveitamos para te resgatar! Mas precisamos sair agora! Enquanto isso, há alguém que quer conversar com você! Espere aqui!
- Assim, William me deixou na carroça e entrou novamente no castelo. Eu estava tão debilitado que caí no sono novamente e, quando acordei, deparei-me com a figura de Bernardo me fitando.
- William! William! Socorro!
- Calma! Eu...
- William! Me ajude!
Eu queria correr, mas o meu corpo não respondia aos meus comando, então eu somente me arrastava para longe de Bernardo. Porém, ele subiu na carroça e me surpreendeu ao me beijar, do jeito que somente ele conseguia tocar os meus lábios e em uma intensidade me fazia perder o ar. Ele usava o capuz que eu reconheci como sendo do homem que me tirara do castelo anteriormente. Eu não sabia se aquilo era real, mas me deixei envolver pelo momento. Logo depois, ele me abraçou e nós deitamos. Ele envolvia o meu corpo e, finalmente, em muito tempo eu me senti seguro e relaxado novamente. Nós não dissemos nada, pois não havia necessidade. Tudo o que precisava ser dito, foi transmitido através dos nossos corpos juntos novamente. Com Bernardo me abraçando, eu adormeci novamente.
Quando eu acordei, eu não o vi mais e achei que tivesse sido um sonho. Porém, ao meu lado, estava o capuz que Bernardo tinha usado quando fora ao meu quarto, então eu soube que era real. Ao meu lado estavam outras pessoas, incluindo Raul e William, aos quais eu indaguei:
- Onde está o Bernardo?
Os dois trocaram olhares e eu percebi que algo estava errado. Então William respondeu:
- Ele pediu para dizer que te ama! Ele não disse nada ontem porque sabia que você não concordaria com esse plano...
- Qual plano?
- Felipe, o Bernardo ficou em Pasine!
Novamente, nós fomos distribuídos em subgrupos, de acordo com as habilidades de cada componente do grupo. Dentre as atividades, estavam inclusas: construção de cercas ao redor do vilarejo, mapeamento dos túneis subterrâneos, organização e racionamento dos suprimentos, (re) construção das casas que estavam abandonadas ou destruídas, planejamento de estratégias de defesa e ataque, cuidado com as pessoas que estavam feridas e em recuperação depois da tomada do vilarejo, entre outras.
Eu nunca realmente aspirei a um cargo de liderança, porém, eu senti que aquelas pessoas precisavam de mim por algum motivo, pois de alguma maneira eu as inspirava a continuar seguindo em frente. Bernardo estava eventualmente ao meu lado no grupo de planejamento de estratégias, porém ele se mostrou bastante confortável em liderar o grupo de construção de cercas, assim como o de (re) construção de casas pelo vilarejo. Quanto a Raul, Tomás e William, estes também compunham o grupo de planejamento, porém, concomitantemente, estavam empenhados em liderar pequenos grupos de treinamento para batalha, para as pessoas que estavam recuperadas da tomada do vilarejo. Hugo dificilmente participava das reuniões de planejamento e se sentiu mais confortável em liderar o grupo de organização e racionamento de suprimentos, assim como de preparação de comida para a população.
Assim, de certo modo, nós construímos uma nova sociedade, na qual cada pessoa contribuía de alguma forma para o desenvolvimento de Finnel e para a organização dos próximos passos da nossa revolução contra Conde Rafael. Eu sempre estava, rotativamente, presente em todos os grupos do vilarejo e liderava o grupo de planejamento, no qual participavam dez pessoas. Em umas das reuniões matinais deste grupo, Raul mencionou a seguinte estratégia:
- Nós temos que ser meticulosos em relação ao nosso próximo passo! Nós precisamos atacar os pequenos vilarejos, como Finnel, nos quais é mais provável que nós sejamos vitoriosos e consigamos novos recrutas para atacar Conde Rafael em seu próprio reino!
- Bem, eu não faço a mínima ideia de quais vilarejos são aliados de Conde Rafael, portanto acho que não poderia liderar isso, porém você pode ficar no comando Raul!
- Não seja bobo Felipe! Essas pessoas seguem a você e não a mim! Eu consigo reconhecer que talvez possas ser um líder bem melhor do que eu fui, pois olha só o quanto nós já progredimos desde que tomamos Finnel! Além disso, não precisas conhecer o local, mas sim liderar a investida quando tivermos essa informação!
- Eu conheço dois outros vilarejos próximos da fronteira com Heliópolis, que estavam sob o controle de Conde Rafael! Posso conduzi-los até lá!
- Isso é ótimo Valentim! Nós já temos dois possíveis alvos!
- Bem, realmente nós já temos por onde começar, mas...talvez nós pudéssemos organizar um grupo de mapeamento dos locais que estão ou não sob o controle do meu tio ao redor de Finnel e, sucessivamente, ir progredindo com as conquistas! Assim, poderemos fazer aliados antes mesmo de começar a invadir vilarejos!
- Isso é uma excelente ideia Felipe! Eu me voluntario para esse serviço, afinal o meu grupo está quase terminando as cercas ao redor de Finnel!
- Eu, com certeza, posso guiar o meu grupo de treinamento em uma missão também! Vocês também certo?
- Absolutamente! O meu grupo parece estar preparado para eventuais batalhas!
- Sim, o meu também está preparado para esse tipo de serviço Tomás!
- Muito bem, então nós já temos quatro grupos para realizar o mapeamento ao redor de Finnel! Ouçam bem, precisamos ser meticulosos, pois se encontrarmos inimigos, nós precisamos neutralizá-los, para que as nossas intenções não cheguem ao conhecimento de Conde Rafael! Esse serviço vai começar em uma semana a partir de hoje nos quatro vilarejos vizinhos de Finnel, sendo que Bernardo vai para o norte, Tomás para o sul, William para o oeste e Raul para o leste, o que acham?
- Perfeito Felipe! Está decidido então!
- Muito bem meu amor...digo, Felipe!
- Err...então eu acho que esta sessão está encerrada e nós podemos voltar para as nossas atividades! Até a próxima sessão!
Assim que todos saíram, Bernardo se aproximou de mim e disse:
- Oi meu amor! Nós não temos nos visto muito esses dias certo?
- Eu sinto muito meu amor, mas esse papel de líder consome muito o meu tempo! Eu queria poder passar mais tempo com você!
- Não há problema! Eu estou orgulhoso do excelente trabalho que você está fazendo e por você ter encontrado algo que te faz sentir bem aqui nesse lugar! Mas, será que você tem um tempinho pra gente hoje à tarde?
- É claro que eu tenho um tempo pra gente! Ainda mais quando você me pede com esse olhar tão cativante! Mas agora eu vou adiantar as minhas tarefas do dia então, tudo bem?
- Claro! Eu também tenho trabalho agora com o meu grupo! Nós vamos afixar a última fileira de cerca ao redor de Finnel!
Naquele dia faziam dois meses que Bernardo havia se tornado meu marido e eu tinha certeza que ele havia preparado algo para nós comemorarmos isso, porém o deixei pensar que me surpreenderia. Eu havia aprendido com Hugo uma maneira artesanal de fazer um cordão e havia sido, relativamente, bem-sucedido em confeccionar um para presentear Bernardo. No final da tarde, ele me levou até a nossa casa, que havia sido reconstruída pelo seu grupo - todas as pessoas foram sequencialmente alocadas, na medida do possível, em casas individuais e/ou para famílias, embora algumas pessoas ainda estivessem a espera de novas casas que estavam em reconstrução. No centro da nossa sala, havia uma pequena mesa repleta de comida e duas velas, que atribuíam um estilo que somente Bernardo conseguiria imprimir: simples, porém completo.
- Meu amor, isso é muito romântico! Olha toda essa comida! E essas velas!
- Você sabe que hoje fazem dois meses que nós estamos casados certo?
- Como eu poderia esquecer um dos dias mais felizes da minha vida? É claro que eu sei!
- Felipe, eu quero te dar um presente e não quero esperar até depois do jantar!
- Ora, sem problema meu amor! Você pode me dar agora!
- Tudo bem, mas eu quero que você feche os olhos enquanto eu vou buscá-lo! Não pode olhar!
- Tudo bem, eu não vou!
Eu fechei os meus olhos e, em poucos segundos, Bernardo deixou minhas mãos tocarem um objeto aparentemente grande, quadrado e largo, o qual eu não consegui associar a nenhum presente em particular. Quando Bernardo me disse que eu poderia abrir os meus olhos, eu fiquei maravilhado e sem palavras com o que eu vi: uma pintura enorme de mim, a qual era a mesma imagem que Bernardo havia reproduzido no retrato que me fez confessar os meus sentimentos por ele quando nos conhecemos. Ao perceber isso eu indaguei:
- Bernardo, como você conseguiu reproduzir essa imagem novamente? Na verdade, como você conseguiu material para fazer isso?
- Bem, quanto aos materiais, eu descobri que alguém nesse vilarejo gostava de pintar, pois havia um estoque de materiais de pintura em uma casa abandonada! Alguns materiais não puderam ser aproveitados, mas eu consegui o suficiente para fazer isso! Quanto à imagem, foi fácil reproduzir, considerando-se que eu sempre estou com essa imagem no meu bolso!
Bernardo retirou um pedaço de papel do bolso e eu reconheci a imagem que ele desenhara do meu rosto há muito tempo atrás, quando nós nos conhecemos e eu me apaixonei por ele.
- Eu somente melhorei a imagem e adicionei cores a ela! Porém ficou igual! Eu queria que você ficasse com isso como um presente! Essa imagem mostra o porquê de eu te amar e continuar todo dia me apaixonando ainda mais! Você é lindo e é extremamente genuíno!
- Amor...
Eu o beijei. Delicadamente. Apaixonadamente.
-Eu também tenho algo para você!
Eu puxei o cordão do meu bolso e envolvi a redor do pescoço dele.
- Ele não é tão bonito quanto o seu quadro, mas ele mostra que eu sempre vou me esforçar para conseguir ser o melhor que eu posso para você!
- Você já é mais do que eu sonhava em conquistar! Mas eu fico feliz que nós possamos crescer ainda mais juntos!
Depois disso, nós jantamos juntos e passamos muito tempo curtindo o nosso tempo juntos, o qual realmente tinha se tornado bastante escasso desde que eu havia assumido um cargo de comando, porém, aparentemente, isso não tinha afetado a nossa relação.
Uma semana depois, os diversos grupos estavam prontos para realizar a primeira missão exploratória ao redor de Finnel. O primeiro grupo a partir foi o de Raul, o qual estava cada vez mais apaixonado por Hugo, de modo que houve uma grande cena de despedida entre eles dois, e então o grupo partiu em direção ao leste nas primeiras horas da manhã. Tomás e William não fizeram uma grande cena, porém também reservaram um tempo para despedidas, sendo que esta era a primeira vez em muito tempo que eles estariam em uma missão separados, porém, logo ambos os grupos saíram, respectivamente, em direção ao sul e ao oeste, logo depois do almoço. Bernardo, a meu pedido, foi o último a partir, assim eu poderia me despedir dele com calma, já que todos os outros grupos já haviam partido.
- Meu amor, não se preocupe! Eu vou voltar logo!
- Eu tenho certeza disso meu amor! Mas mesmo assim eu não posso evitar de sentir nervosismo por estar lhe deixando ir em uma missão sem mim, enquanto eu tenho que ficar aqui e cuidar do vilarejo.
- O seu trabalho é tão importante quanto o meu, além disso eu vou voltar bem depressa, para que nós possamos ficar juntos novamente! E com muita sorte, eu voltarei com mais aliados para a nossa revolução!
- Assim eu espero meu amor! Bem, eu não vou mais te deixar nervoso, apenas volte logo!
Nós nos beijamos e então fomos nos reunir ao resto do grupo de Bernardo o qual partiu logo em seguida. Depois disso, eu tentei ficar calmo e pensar que nada de mais ocorreria na jornada dos meus amigos e do meu marido além deles encontrarem mais aliados para a nossa causa. Desse modo, eu voltei às minhas atividades normalmente e esperei até ter notícias deles.
Três dias se passaram sem qualquer notícia, sendo que Hugo estava sempre por perto para conversar comigo quando não estava nos seus grupos de trabalho. Porém, no quarto dia, eu acordei com batidas na porta e corri, pensando que pudesse ter ocorrido alguma coisa com Bernardo, porém, Hugo estava parado na porta com uma bandeja cheia de comida para o café-da-manhã, então eu o deixei entrar e nós conversamos por algum tempo, porém, em certo momento da conversa, Hugo começou a agir estranho:
- Felipe, você ama mesmo o Bernardo?
- É claro Hugo, por que a pergunta?
- Eu não sei, vocês parecem tão diferentes! Eu não sei realmente o que foi que te fez se apaixonar por ele!
- Bem, amar é subjetivo! Eu o amo por uma série de razões que não são fisicamente aparentes! Mas você e o Raul também são bastante diferentes!
- Err...bem, mas eu não o amo!
- O que?! Mas então o que foi toda aquela despedida quando ele partiu?
- Eu não sei como dizer a ele! Eu gosto de outra pessoa...
- Hugo, apenas diga a verdade! É sempre melhor!
- Tudo bem...
Hugo se aproximou mais de mim e disse:
- Felipe, eu estou gostando muito de você!
Tudo aconteceu extremamente rápido: Hugo me beijou e, antes que eu pudesse ter qualquer reação, eu vi um vulto dele saindo pela porta. Bernardo chegara em nossa casa exatamente no momento em que Hugo passou dos limites. Eu corri atrás dele, pensando no quão sem caráter eu pareci aos olhos dele e desejava intensamente poder encontrá-lo logo, para que eu pudesse me explicar, mas acima de tudo, para que eu pudesse abraça-lo e sentir o seu corpo vivo, junto ao meu.
Eu saí correndo pelas vielas do vilarejo, desejando desesperadamente encontrar Bernardo e, ao mesmo tempo, com medo da reação dele. Eu o encontrei na praça central do vilarejo, onde ele estava conversando, de costas para mim, exaltadamente com Raul, em meio às diversas outras pessoas que estavam nas missões de mapeamento. Eu andei devagar, mas decidido a falar com ele. O meu coração batia acelerado e as minhas mãos estavam úmidas de suor, pois eu não queria ser acusado de algo que eu não fiz no meio de outras tantas pessoas. Porém, para minha surpresa, quando eu toquei no ombro de Bernardo, este se virou em minha direção, agarrou-me em seu colo e me beijou apaixonadamente. Eu estava confuso, mas não me importei em apenas deixar aquele momento acontecer. Quando senti que estava preparado, eu disse:
- Meu amor, aquilo que você viu... Eu não estava lhe traindo... O Hugo...
- Eu sei, eu sei! Calma meu amor!
- Como assim você sabe?
- Eu sei que você não faria isso comigo! Eu confio em você!
- Mas por que você correu de mim então?
- Felipe... por mais tranquilo que eu possa parecer, eu posso ficar bastante agressivo em certas situações e... bem, alguém tentando beijar o meu marido com certeza é uma dessas situações, então eu preferi vir aqui informar ao Raul que ele precisa tomar conta do namorado dele, antes que eu o agrida!
- Sério?! Meu amor, isso é tão bom! Você confia mesmo em mim!
- É claro! Não seja bobo! Eu nunca mais desconfiarei de você depois do erro desastroso que eu cometi na situação com o William há alguns meses! Bem, eu quase lhe perdi... Eu não quero me afastar de você ou lhe julgar sem que você tenha uma chance de se explicar! Além disso, tem mais uma coisa...
- O que meu amor?
- O Hugo também tentou algo comigo alguns dias antes de eu sair para a minha missão e eu o adverti para que ele parasse com aquilo imediatamente e fosse fiel ao Raul, de modo que eu não comentaria nada com ninguém... Bem, pelo visto ele não conseguiu, certo?
- Mas que atrevido! Eu vou ensinar uma lição para ele agora mesmo!
- Não meu amor! O Raul acabou de sair daqui e acho que eles têm muito o que discutir! O que você acha de nós darmos uma volta pelo vilarejo? Eu estou louvo para ouvir o que aconteceu por aqui na minha ausência e também quero lhe contar o que ocorreu na minha missão!
- Claro meu amor! Vamos fazer isso!
Nós andamos pelas vielas, nas quais nós encontramos várias pessoas que estavam revendo os seus entes queridos e comemoravam o fato de todos estarem bem. Eu contei a Bernardo que as coisas tinham transcorrido com tranquilidade no vilarejo e a maioria das atividades tinham sido mantidas normalmente. Em contrapartida, ele me contou o que acontecera desde que ele saíra de Finnel:
- Bem, nós alcançamos um pequeno vilarejo o anoitecer do dia em que o meu grupo saiu de Finnel. Como nós não tínhamos certeza sobre a fidelidade dos habitantes, nós apenas nos alojamos na casa de um ancião que parecia ser o líder. Na manhã seguinte, nós nos separamos e investigamos discretamente a opinião dos diversos habitantes sobre Conde Rafael. No final do segundo dia, nós concluímos que o vilarejo estava submetido à influência de do seu tio, mas eles não estavam satisfeitos com isso, então nós decidimos conversar com o homem em cuja casa nós estávamos hospedados, a fim de oferecer uma parceria com Finnel para que o vilarejo pudesse se libertar da influência de Conde Rafael, o que foi muito bem recebido e aceito. Assim, no terceiro dia, o ancião convocou uma reunião na praça da cidade e convocou todos os habitantes, de modo a compartilhar a ideia e verificar a opinião deles sobre a união com Finnel. Infelizmente, algumas pessoas alegaram fidelidade a Conde Rafael, as quais foram neutralizadas e trazidas conosco para cá. Porém, a maioria acatou a ideia de se unirem ao nosso vilarejo, então nós temos outro aliado agora! Eu informei que as pessoas que se interessarem em treinamento de batalha podem vir a Finnel para serem treinado por nós, então provavelmente algumas pessoas chegarão nos próximos dias.
- Isso é incrível Bernardo! Bem, então eu acho que a finalização das outras casas que nós estávamos construindo aconteceu bem a tempo, eu acho!
- Com certeza! Essas pessoas vão precisar de um lugar para ficar! Mas, mudando de assunto, eu senti muito a sua falta! Eu queria ter voltado antes, mas nós passamos todo o terceiro dia acertando os termos da aliança entre os dois vilarejos! Mas eu parti no final da tarde do terceiro dia, para poder chegar hoje de manhã aqui! Viajar à noite não é o ideal, mas os outros entenderam que eu precisava lhe ver e foram bastante compreensivos.
- Eu também senti muito a sua falta meu amor! Bem, então você deve estar cansado! Vamos para casa, eu acho que o Raul e o Hugo não estão mais lá!
Nós caminhamos de volta para a nossa casa, onde nós de fato não encontramos Raul ou Hugo. Bernardo apenas deitou em nossa cama e adormeceu. Como eu tinha acabado de acordar, eu não me juntei a ele. Enquanto ele permaneceu dormindo em nossa casa, eu fui falar Raul, por motivos pessoais e também relativos à missão dele. Eu me dirigi à casa dele, na qual eu fui recebido surpreendentemente bem por ele:
- Olá Felipe! Pode entrar!
- Você não parece bem mestre!
- Faz algum tempo que você deixou de ser meu discípulo! De fato, é você quem tem me ensinado coisas atualmente.
- Você sempre vai ser meu mestre! Afinal, eu não estaria aqui sem o que você me ensinou! Não só as estratégias de batalha, mas também como ser mais forte e decidido!
- Eu fico lisonjeado! Agora pare de me bajular e diga o que você quer!
- Aí está! Agora sim, esse é o meu mestre! Insultos para dar e vender! Eu vim aqui perguntar se você precisa conversar com alguém sobre a missão ou... bem, sobre o que mais quiseres!
Para me surpreender ainda mais, eu presenciei Raul, aquele que me ensinou a ser forte e evitar demonstrar minhas fraquezas, começar a chorar. Ele se sentou e eu o acompanhei, sem saber o que fazer, até que ele falou:
- Eu não entendo Felipe... O que eu tenho de errado? Por que as pessoas fogem de mim?
- Raul, eu não sei sobre errado, mas eu posso ser sincero sobre uma coisa?
- Claro! Fique à vontade!
- As pessoas podem ficar um pouco intimidadas pelo modo como você trata tudo com tanto rigor! Uma relação é um pouco mais complexa do que uma estratégia de batalha! Não há, de maneira alguma, um jeito de você planejar isso! De fato, você apenas vive e faz o seu melhor para que isso funcione! Mas um pouco de flexibilidade é sempre útil!
- Então você está dizendo que o Hugo me traiu porque eu não sou flexível?
- Eu não sei o porquê do Hugo ter agido dessa forma! Só estou apontando algo que eu percebi sobre você Raul! Quem sabe o que está se passando na cabeça dele, né?
- Eu não sei o que dizer... Eu sou assim...
- Eu não estou sugerindo que você mude qualquer coisa! Apenas estou apontando uma percepção minha e lhe dando um conselho e amigo, totalmente com boas intenções!
- Obrigado Felipe! Fico feliz em saber que você me considera um amigo!
- Você salvou a minha vida Raul! Não há nada que eu possa fazer que vá retribuir o suficiente o que você fez naquele dia! Eu vou te abraçar agora e não quero ser rejeitado, ok?
Raul aceitou o meu abraço e o retribuiu, apesar de estar visivelmente desconfortável com a situação. Em seguida, eu o indaguei sobre a missão:
- Mudando de assunto, com foi a missão? Boas notícias vindas do Leste?
- Bem, eu acho que sim... Olha, os habitantes do vilarejo são todos pacifistas, então não estão do lado de Conde Rafael, o que é uma boa notícia, porém também não querem se juntar a nós em uma luta contra ele. Entretanto, eu estabeleci com eles uma aliança comercial, para que nós possamos comercializar produtos! Bem, nós tecnicamente temos aliados no leste, já que eles pelo menos estão dispostos a estabelecer algum tipo de relação com o nosso vilarejo. De qualquer forma, eu ofereci abrigo a qualquer pessoa que se interesse por batalhas, mas não queira envolver o seu vilarejo nisso, ou seja, qualquer deles que seja um guerreiro pode se juntar a Finnel como morador.
- Isso é ótimo Raul! Essas são realmente ótimas notícias! Nós precisamos de todo e qualquer tipo de apoio na nossa jornada! Além disso, Finnel tem prosperado bastante na produção de vários produtos, então acho que essa aliança seria uma boa forma de arrecadar mais fundos para armas.
- Bem, essa foi a minha jornada. Agora precisamos esperar pelos outros dois grupos, para que nós possamos analisar os resultados e planejar os nossos próximos passos!
- Exato! Bem, eu acho que você está cansado Raul, então eu vou te deixar descansar! Qualquer coisa, não hesite em me procurar na minha casa!
- Tudo bem, obrigado... discípulo!
- De nada, mestre!
Depois que eu saí da casa de Raul, eu caminhei em direção à praça central do vilarejo, porém fui interceptado por Hugo em uma das ruas, o qual indagou:
- Felipe, eu posso falar com você?
- Hugo, eu realmente não quero conversar com você agora!
- Mas eu preciso apenas te dizer uma coisa...
- Tudo bem, então diz enquanto nós caminhamos, porque eu não tenho tempo para perder com você!
- Felipe, eu gosto mesmo de você!
Eu não consegui reagir tão bem àquilo como eu gostaria, já que eu, em um impulso, empurrei com um braço o peito de Hugo contra a parede de uma casa e pus meu outro braço sob o queixo dele, dizendo:
- Qual é o seu problema? Se você gosta mesmo de mim, então por que também flertou com o meu marido há alguns dias? Você muda tão rápido assim de sentimento ou só tem problemas mesmo?
Para a minha surpresa, ele começou a chorar copiosamente e disse entre soluços:
- Eu não sei!
Ao ver o sofrimento nos olhos dele, eu o soltei e, desconcertado, indaguei:
- Como assim?
- Eu não sei qual o meu problema!
- Eu peço desculpas pelo que acabou de acontecer Hugo! Você está com algum problema? Quer conversar?
- Sim...
- Vem, vamos até a praça! Lá nós podemos sentar e conversar melhor.
Nós caminhamos até a praça e nos sentamos em frente a uma estátua recém construída, a qual era um símbolo da nossa luta e uma homenagem às pessoas que morreram por causa do ódio de Conde Rafael contra os homossexuais, a qual consistia em dois homens, duas mulheres e um casal heterossexual de mãos dadas. Quando nos sentamos, Hugo havia parado de chorar, então eu perguntei:
- Então Hugo, qual o problema?
- Eu não sei Felipe, eu tenho me sentido perdido nestes últimos dias! Eu não sei qual vai ser o meu futuro e eu estou com medo... eu não sei, eu não tenho nenhum familiar vivo, Finnel é tudo o que me sobrou...
- Mas as pessoas de Finnel são sua família agora, não precisa ter medo, nós vamos conseguir nos livrar da ameaça de Conde Rafael! Por que você não veio conversar comigo antes? Ou melhor, por que não conversou com o Raul sobre isso?
- Felipe, o Raul tem pouquíssima habilidade de entender as outras pessoas e eu não consigo conversar sobre os meus sentimentos com ele, além disso, eu estou confuso, eu não sei o que fazer da minha vida! Eu não amo o Raul... ele é uma ótima pessoa e eu realmente não queria ter feito isso com ele... e nem com você! Eu peço desculpas pela confusão que eu causei! Eu acho que eu só estou procurando um pouco de compreensão, carinho, eu não sei... você e o Bernardo são as minhas únicas referências sobre esse assunto, eu acho que foi por isso que, bem... você sabe...
- Bem, eu acho que compreendo... Mas eu achei que estava tudo bem entre você e o Raul! Não sabia que você não amava ele!
- Bem, como eu disse, ele é uma ótima pessoa, mas eu acho que preciso de mais! O Raul foi o meu primeiro porto seguro quando eu entrei nesse grupo, por isso eu me envolvi com ele! Eu acho que estava procurando a princípio um pouco de segurança, mas eu preciso de alguém que possa me oferecer algo a mais além de sexo e segurança!
- Err... Bem, eu entendo o que você quer dizer Hugo, mas o modo como você agiu foi a pior forma de sair desse relacionamento! Se você aceitar um conselho, eu diria que, da próxima vez, você deveria falar com a outra pessoa e explicar o que você está sentindo!
- Eu aceito o seu conselho Felipe, e... eu peço desculpas novamente pelo modo como eu agi!
- Bem, agora está tudo acabado mesmo! Apenas não faça isso novamente, ok? Principalmente a parte de flertar com o Bernardo!
Neste exato momento, em que eu e Hugo tínhamos resolvido as nossas pendências, uma pessoa nos aborda gritando:
- Corram! É o William, ele está ferido!
Imediatamente, eu comecei a seguir a pessoa que me dera a notícia e em minha mente eu imaginava o que poderia ter acontecido com o meu irmão. Eu havia o identificado como tal há pouquíssimo tempo e realmente gostava da ideia de ter um irmão mais velho, portanto eu não estava pronto para perdê-lo.
A casa de William e Tomás não era longe da praça onde eu estava, então, em questão de segundos, eu adentrei o local e encontrei William. O meu irmão estava deitado em uma mesa, a qual estava rodeada de pessoas. Eu imediatamente notei o motivo do pânico na voz da pessoa que e alertou sobre William, afinal ele estava bastante pálido, o que indicava grande perda de sangue, e havia uma enorme atadura em volta do seu estômago, a qual estava ensanguentada, portanto, provavelmente, ocultava um grande corte nessa região. Assim que cheguei perto de William, eu disse:
- O que aconteceu William?
- Oi irmão... que bom te ver de novo! Bem, isso é um efeito colateral da nossa conquista...
- Como assim?
- Bem... nós chegamos em um vilarejo a oeste daqui. A princípio, nós achamos que era um vilarejo pacífico e indagamos sobre a lealdade deles a Conde Rafael. Porém, infelizmente, aquele era mais uma base do seu tio, de modo que eles nos atacaram e surpresa ao tomarem conhecimento das nossas intenções. Para resumir, houve uma batalha e eu acabei sendo ferido por uma espada... Mas, para compensar, nós ganhamos a batalha, aprisionamos os derrotados e o guerreiro que empunhava a espada já não está nesse mundo.
- Mas você vai ficar bem William?!
- Vou sim irmãozinho! Eu só preciso de alguns dias para me recuperar! De qualquer modo, eu fico feliz de ver que você se preocupa comigo!
- É claro! Você não pode chegar, me dizer que é meu irmão e então me deixar!
Eu e William riamos do meu comentário quando Tomás chegou no local, extremamente alterado. Porém, depois que o próprio William explicou que estava tudo bem, ele ficou mais calmo.
- Não faça mais isso! Eu não posso chegar de uma missão e descobrir que o meu marido está ferido! Assim eu vou ter um ataque do coração qualquer dia!
- Fique tranquilo! Eu ainda estou aqui! Além disso, você prometeu me amar na saúde e na doença, lembra?
- Sim, eu lembro perfeitamente Sr. William!
Depois desse breve susto, Tomás e o resto do último grupo que havia partido para o sul, infelizmente, relataram que o vilarejo no qual eles haviam estado não era aliado de Conde Rafael, porém eles não queriam participar de nenhum tipo de aliança com o nosso vilarejo. Assim, apesar de algumas pessoas terem sido feridas nas missões, o nosso saldo foi bastante positivo, pois agora tínhamos dois novos vilarejos aliados e um outro dominado pelos nossos guerreiros.
Depois dessas missões exploratórias, William levou algum tempo para se recuperar, porém, assim que possível, ele voltara a treinar os nossos novos e antigos guerreiros. Ele, Raul e Tomás realizaram um excelente trabalho e militarizar o nosso vilarejo, além disso, novas missões exploratórias e de aliança foram realizadas com a ajuda de todos o que agora se identificavam como finnelianos ou aliados do nosso povo. Bernardo também continuou na sua função de construtor, já que o constante fluxo de pessoas pelo nosso vilarejo exigia constante modificação da infraestrutura e, principalmente, construção de novas casas.
Desse modo, aproximadamente três meses se passaram, nos quais Finnel prosperou e se expandiu bastante. Muitos dos vilarejos concordaram em se fundir a Finnel, embora alguns tenham preferido se manter autônomos e apenas estabelecer alianças comerciais ou mesmo na luta contra Conde Rafael. Casas e campos de treinamento floresceram por toda a extensão do original vilarejo de Finnel e também dos vilarejos que se fundiram a ele. Nossas alianças comerciais também prosperaram bastante e as nossas conquistam estavam nos fazendo cada vez mais fortes. Algumas pessoas até passaram a se referir a Finnel como um novo reino, mas nós tínhamos consciência de que nós ainda precisávamos nos fortalecer muito para sermos considerados um verdadeiro reino. Porém, em certo momento, eu e o resto do grupo de planejamento sentimos que Finnel, aparentemente, estava preparado para um outro grande passo em nossa jornada:
- Então vocês concordam que nós estamos preparados para um ataque direto ao reino do meu tio?
- Definitivamente, Felipe! Pasine é um reino extremamente militarizado, mas eu acho que nós conseguimos evoluir bastante nesse sentido durante esses últimos meses!
- Isso é verdade Felipe! Eu acho que nós estamos preparados! Além disso, nós precisamos aproveitar que o seu tio, aparentemente, não sabe da nossa expansão para realizar um ataque surpresa! Se nós esperarmos mais para fazer isso, talvez possamos perder o elemento surpresa!
- O Raul tem razão! Nós nos expandimos bastante durante esses meses e é impossível que isso não seja notado em breve por alguém que seja aliado do seu tio!
- Isso faz sentido! Bem, nós precisamos comunicar às pessoas do nosso vilarejo que isso vai acontecer em breve então! Precisamos enviar mensageiros às outras partes do vilarejo também!
- Posso solicitar a algumas pessoas do meu grupo para se encarregarem dessa parte!
- Perfeito Tomás, então você fica responsável por isso! Eu fico responsável por comunicar isso oficialmente para os moradores daqui! Quanto aos demais, organizem os grupos de vocês para solicitarem aos moradores o comparecimento à praça central ao meio dia.
Ao meio dia, eu comuniquei aos moradores do nosso vilarejo que dali a sete dias nós partiríamos em direção a Pasine, o reino do meu tio, para realizar um ataque direto. Todas as pessoas, apesar de surpresas e um pouco apreensivas, demonstraram apoio à nossa decisão. Além disso, vários homens se deslocaram em direção aos outros vilarejos componentes de Finnel, os quais, possivelmente, também concordariam com a ofensiva. Depois do pronunciamento, eu me reuni com o grupo de preparação de comida, o qual estava sendo liderado por Hugo:
- Bem, nós estamos com problemas com alguns suprimentos, os quais deveriam ser repostos urgente, ou então teremos que racionar a comida! Aqui está a lista!
- Obrigado Hugo, eu vou enviar um grupo para conseguir estes suprimentos com os nossos aliados assim que possível! Agora, mudando de assunto, como você está? Eu ando tão ocupado, que nunca mais nos falamos!
- Ah, eu estou bem Felipe! Obrigado por se preocupar! Obrigado também por ter me deixado continuar no vilarejo e ser meu amigo, mesmo depois de... você sabe, depois do que eu fiz...
- Que isso Hugo! Eu não tenho qualquer poder para te expulsar do vilarejo, já que você contribui com a nossa sociedade! Além disso, eu não guardo mágoas e espero, de verdade, que você encontre alguém que te faça feliz!
- Muito obrigado Felipe! Você é uma ótima pessoa!
Depois disso, eu tive outras reuniões com outros grupos do vilarejo, o qual é composto por vários grupos operacionais, os quais são interdependentes. O grupo de preparação de comida, por exemplo, realiza essa tarefa para apoiar e nutrir as pessoas que trabalham em outras tarefas no vilarejo. Além disso, este grupo também distribui diversos suprimentos para os moradores que prepararam suas próprias refeições. Os nossos suprimentos, atualmente, provêm tanto da nossa própria produção como de outros vilarejos que nos fornecem produtos ou serviços em troca de outros produtos/serviços.
No fim do dia, eu estava cansado, como usualmente acontecia. Porém, eu jamais deixaria isso influenciar o meu tempo com Bernardo. Naquele dia, nós havíamos resolvido ir até uma cachoeira perto do vilarejo, assim, quando eu cheguei em casa, eu indaguei:
- Os cavalos estão selados?
- Não meu amor! Eu... você se importa se nós não formos hoje à cachoeira?
- O que? Claro que não! Eu também não estava tão afim! Eu estou tão cansado hoje!
- Eu também! Nossa, veja só o que nós nos tornamos! Parece que estamos casados há décadas e nós ainda nem nos casamos propriamente!
- Bem, eu acho que nós estamos tendo uma experiência de uma vida inteira, então nós temos o direito de nos sentirmos cansados!
- Bem, amanhã nós completaremos cinco meses de "casados", então o que acha de nós diminuirmos a nossa carga de trabalho e fazer um piquenique próximo da cachoeira?
- Soa perfeito! Você sempre tem boas ideias!
Nós realizamos o nosso piquenique no dia seguinte e tudo pareceu perfeito. Nós passamos a tarde conversando à beira da cachoeira, comemos deliciosos aperitivos generosamente doados por Hugo, nos refrescamos na água, nos beijamos e tivemos momentos intensos. Eu desejava que aquela tarde nunca tivesse fim, pois, de certa forma, eu sabia que dali a seis dias tudo em nossas vidas iria mudar.
Nos dias que se seguiram, nós recebemos respostas positivas dos outros vilarejos em relação à ofensiva contra Pasine e, na manhã do sétimo dia depois do meu pronunciamento, nós partirmos em direção ao reino do meu tio. Apesar de nós dizermos que o ataque era direto, na verdade a nossa estratégia consistia em infiltração discreta nos domínios de Pasine, para podermos, idealmente, surpreender e dominar o exército de Conde Rafael.
Pasine ficava a norte de Finnel e a viagem duraria, em média, quatro dias. Nós usamos cavalos para realizar a viagem e, no primeiro dia, nós seguimos as trilhas que passavam pelos nossos vilarejos aliados ao norte, de modo que não precisaríamos nos preocupar em passar por um vilarejo aliado de Conde Rafael e arriscar perder nosso elemento surpresa. Ao fim do primeiro dia, nós descansamos em um desses vilarejos. Houve uma breve ceia, porém todos foram dormir cedo, pois seguiríamos viagem ao amanhecer do próximo dia. Durante o segundo dia de jornada, Raul aproximou o seu cavalo ao meu e disse:
- Oi Felipe! Eu não tive a oportunidade de agradecer pelo conselho que você me deus há alguns meses atrás, mas fico feliz em dizer que ele me ajudou a encontrar outra pessoa, com a qual eu consigo ser eu mesmo e que me ama!
- Nossa! Isso é muito bom Raul! Quem é?
- Paulo, do grupo de construção de casas!
- Ah, que bom! Aquele rapaz enorme que trabalha com o Bernardo?
- Exatamente! Inclusive foi o Bernardo quem nos apresentou formalmente! Você sabe que eu não conheço mais todas as pessoas que vivem no nosso vilarejo, mas eu não pude deixar e notá-lo!
- Nem que você quisesse! O rapaz é bem maior que você, e olha que você já é bem grande comparado a mim! Bem, enfim, fico feliz que você esteja amando novamente! Que dessa vez dê tudo certo!
- Que assim seja! Bom, era isso o que eu tinha para dizer! Eu quero que você saiba que eu sou muito agradecido pelo seu conselho! Às vezes, tudo o que uma pessoa precisa é receber um conselho sincero.
- Que bom que isso te ajudou! Fico muito feliz por você!
Ao fim do segundo dia, nós tínhamos alcançado, tecnicamente, a fronteira de Finnel, já que nós estávamos no último vilarejo que fazia parte da nossa recém-criada sociedade. Nos dias seguintes, nós estaríamos viajando em terras totalmente desconhecidas. Assim como no outro dia, houve uma breve ceia e eu realizei um breve discurso encorajando as pessoas que estavam na missão. Depois disso, a maioria das pessoas foi dormir, mas eu ainda queria conversar com Bernardo:
- Amanhã nós teremos que ser muito cautelosos durante a nossa jornada!
- Eu sei, mas eu tenho certeza que tudo vai dar certo e nós vamos conseguir chegar a Pasine!
- É... O problema, na verdade, é o que vai acontecer lá! Bernardo, se algo acontecer, eu quero que você saiba...
Ele não deixou que eu completasse a frase. Sem hesitar, Bernardo me beijou e tocou o meu corpo do modo como só ele faz. A despeito de seu porte, Bernardo sempre é preciso em seu toque, pois ele não é bruto e nem delicado demais. A suavidade do seu toque me faz esquecer do que eu queria dizer e eu simplesmente me deixo envolver em seus braços. Depois de longos e maravilhosos momentos em seus braços, entre beijos e carícias, Bernardo me disse:
- Nós não precisamos pensar no que vai acontecer daqui a dois dias! Apenas saiba que eu te amo e que nada vai nos separar! Nem mesmo se o pior acontecer, por que você tem um lugar permanente aqui.
Bernardo guiou a minha mão direita em direção ao lado esquerdo do seu peito. Sentindo o seu coração pulsar, eu adormeci em seus braços. No terceiro dia, um dos homens que fazia parte do vilarejo no qual nós havíamos pernoitado nos guiou. Este homem estava acostumado a viajar em direção ao norte, devido aos anos em que ele partiu do seu vilarejo em direção a Pasine, para realizar trocas comerciais. Nesse sentido, ele era a pessoa mais indicada para guiar o nosso grupo. Durante a jornada, eu aproveitei que a liderança estava parcialmente nas mãos de outra pessoa, para confirmar os detalhes do plano de invasão com Tomás e William:
- Então nós vamos nos dividir na fronteira de Pasine, de modo que pequenos grupos vão adentrar o reino nestas carruagens carregando baús contendo as nossas armas, as quais, entretanto, estarão misturadas com suprimentos, supostamente, destinados a serem trocados no mercado do reino.
- Certo! O resto das pessoas entrará no reino como meros comerciantes que desejam realizar algum tipo e troca no mercado. Os grupos com as armas devem encontrar um local adequado para nós nos encontrarmos. Essa é a parte mais crítica do plano, já que nenhum de nós jamais esteve em Pasine, porém, assim que eles encontrarem tal local, devem enviar mensageiros para os demais, os quais estarão de fato aguardando no mercado de trocas do reino.
- Isso! Então, assim que todos os nossos guerreiros estiverem armados e preparados, nós invadiremos o castelo de Conde Rafael e, com a ajuda dos céus, dominaremos o seu exército!
- Bem, pelo menos nós temos um plano! De qualquer forma, a nossa causa está evoluindo e, aconteça o que acontecer, nós faremos a diferença daqui a um dia.
A paisagem, progressivamente, começou a mudar durante aquele dia. Nos domínios de Finnel e um pouco mais ao norte, a paisagem consistia, predominantemente, em planícies e florestas pouco densas, Porém, conforme nós avançávamos em direção ao norte, o relevo mudou para planaltos, montanhas e florestas que pareciam não ter fim. Na noite do terceiro dia, nós acampamos em uma clareira, sendo que a nossa ceia foi mais breve e escassa em relação à realizada no dia anterior. A paisagem parecia anunciar que as coisas seriam bem diferentes dali para frente.
No amanhecer do quarto dia, todos pareciam sentir a importância do que estava para acontecer. Assim, eu fiz um breve discurso motivacional e então nós partimos em direção a Pasine. Após algumas horas de caminhada, nós enfim chegamos ao nosso destino e, diferente do que eu imaginava, Pasine era um lugar muito bonito. A paisagem tornava o reino do meu tio muito sedutor e aparentemente acolhedor, o que destoava bastante do seu governante.
Assim que nós nos aproximamos da entrada do reino, nós nos dividimos em grupos. Desse modo, cada grupo, com um intervalo de alguns minutos entre eles, adentrou a cidade carregando vários baús em carruagens, conforme nós havíamos planejado. Alguns guardas estavam na entrada do reino e, superficialmente, inspecionaram as nossas carruagens. Porém, a despeito dos nossos temores, todos os grupos foram bem-sucedidos em adentrar o reino. Posteriormente, o resto dos nossos homens adentrou a cidade em grupos ainda menores de, no máximo, quatro pessoas, até que, finalmente, todos nós tínhamos adentrado Pasine, o reino de Conde Rafael.
Eu e o resto das pessoas que adentraram a cidade como meros comerciantes nos dispersamos pelo mercado de trocas de Pasine, a fim de esperar pelo sinal dos grupos que carregavam o nosso armamento. Nós estávamos visivelmente separados, porque não queríamos chamar a atenção, mas nunca deixávamos de notar os movimentos uns dos outros, a espera de visualizar quando uma das pessoas do outro grupo fizesse contato com alguém que estava no mercado. Além disso, eu e algumas das pessoas que estavam presentes no dia da conquista de Finnel estávamos utilizando disfarces, para evitar sermos reconhecidos. Porém, o meu disfarce me pareceu insuficiente quando, em um momento de distração, eu esbarrei com o meu tio:
- Olhe por onde anda, seu imbecil!
O meu disfarce, assim como a minha voz, pareceu sumir diante da ameaça de ser reconhecido por Conde Rafael. Porém, rapidamente, eu me obriguei a recuperar a minha habilidade de falar e, a invés de gritar que nós estávamos ali para acabar com ele, eu disse ao meu tio:
- Eu peço o seu perdão meu rei!
- Hum... tudo bem! Suma daqui! E jamais diga que eu não sou uma pessoa generosa!
Eu me afastei o mais rápido possível do local e, logo em seguida, encontrei Bernardo, que estava em um dos grupos de armamento, o qual me disse:
- Meu amor, aconteceu alguma coisa? Você está pálido!
- Agora está tudo bem! Mas eu acabei de encontrar o meu tio! Nós precisamos sair daqui! Vocês já encontraram um bom local para nós nos prepararmos para a invasão?
- Já meu amor! Vamos, rápido!
Os grupos se reuniram em uma parte do reino no qual não havia muita circulação de pessoas naquele momento. Assim, nós rapidamente nos munimos com diversas armas e planejamos adequadamente a próxima parte do nosso plano, o qual segundo Raul, era:
- Bem, nós vamos nos dividir em quatro grupos: dois irão adentrar o castelo e atacar as alas leste e oeste; dois irão atacar os guardas localizados na entrada do reino; o outro grupo irá especificamente procurar Conde Rafael, entendido?
Todos assentiram sobre a compreensão do nosso próximo passo. Então, depois que todos os grupos estávamos prontos, nós começamos a nos dirigir para os nossos locais de ataque. Porém, antes que isso acontecesse, eu incentivei os nossos guerreiros bradando:
- VIVA A HOMOREVOLTA! SALVE FINNEL!
Assim, com o mesmo espírito de justiça que nos levou a atacar o vilarejo de Finnel, enquanto este ainda era uma base de Conde Rafael, nós corremos em direção ao nosso novo desafio: conquistar a principal base do meu tio e, dessa forma, acabar de uma vez por todas com a brutalidade com a qual ele combatia a homossexualidade.
O meu coração palpitava aceleradamente no meu peito e os meus lábios estavam secos. A minha missão era encontrar o meu tio e aquilo me deixava extremamente nervoso, embora eu tenha veementemente me voluntariado para liderar o grupo que procurava por Conde Rafael, a despeito dos pedidos de Bernardo para me juntar ao grupo dele no ataque aos guardas na entrada do reino. Naquele momento, apesar de todo o nervosismo, eu sentia que o meu lugar era no grupo que iria encarar Conde Rafael e dizer que a caça aos homossexuais iria acabar naquele dia.
Desse modo, eu deixei Bernardo partir com um beijo apaixonado e uma promessa de que nós nos veríamos em breve. O grupo dele iria na direção oposta ao nosso, já que eles iria voltar para a entrada do reino. Enquanto isso, os outros três grupos seguiram em direção ao castelo, no qual foi demasiadamente fácil entrar, o que nos deixou muito cautelosos. Assim, o meu grupo percorreu os corredores do lugar em busca do quarto do meu tio e os outros dois grupos se encarregaram da dominação dos servos dentro do castelo, um dos quais nos informou a exata localização do quarto que nos interessava. Porém, no momento em que eu adentrei o quarto, uma dor aguda e excruciante tomou conta da minha cabeça e eu perdi a consciência.
Eu abri os olhos novamente devido à dor no meu braço direito, o qual estava sendo cortado por alguém que eu nunca tinha visto. A minha cabeça também doía e eu não conseguia me mover, já que os meus braços e pernas haviam sido atados à cama na qual eu estava deitado. Quando a pessoa notou que eu estava acordado, disse:
- Olá primo! Eu acho que nós nunca fomos apresentados, mas eu já odeio você!
Ele continuou a ferir o meu braço por alguns segundos, então ele me mostrou o que havia feito: no meu braço direito estava escrito "sujo". A dor no meu braço era terrível, mas eu não conseguia parar de pensar no que havia acontecido com as outras pessoas que estavam comigo. Eles estavam bem? Eles teriam fugido e, inevitavelmente, me deixado para trás? Onde estava Bernardo? Raul?
- Você deve estar tentando entender o que aconteceu, certo?
- Sim... o que aconteceu com as pessoas que estavam comigo?
- Só para a sua informação, eu não sou obrigado a te dar nenhuma informação. Mas eu me sinto regozijado em te dizer que a maioria foi dizimada pelo meu pai e o resto está na cadeia! Você acha mesmo que conseguiria entrar no reino do meu pai sem ser notado? Você é muito burro mesmo! Em primeiro lugar, nós sabíamos do plano de vocês há semanas, já que nós tínhamos um espião no seu triste vilarejo! Desse modo, nós monitoramos qualquer entrada massiva de pessoas desconhecidas neste vilarejo durante as últimas semanas. Uma vantagem do meu pai ser antissocial é que nós conhecemos cada pessoa que entra por aqueles portões! Assim, eu só precisei esperar você chegar neste quarto e te atingir com um bastão na cabeça, enquanto a maior parte dos seus amigos imundos era atacada e assassinada pelos oficiais do meu pai!
Uma dor ainda maior do que aquela presente no meu braço se instalou no meu peito e eu tive um ataque de pânico: a minha respiração se tornou extremamente acelerada e eu comecei a chorar copiosamente. Além disso, eu não conseguia acreditar que uma pessoa ligada a mim por laços de sangue podia ser tão cruel. O rapaz que estava na minha frente aparentava ter a minha idade, o que significava que nós poderíamos ter sido amigos em algum momento, mas ele estava rindo do fato de que várias pessoas haviam sido assassinadas e acabara de violar o meu corpo pela simples vontade de se referir a mim como "sujo". Eu realmente não queria chorar em frente a uma pessoa tão cruel, pois eu sabia que, como de fato aconteceu, ele iria se alegrar com a minha dor. O rapaz riu durante todo o tempo que eu levei para conseguir articular uma frase sem interrompê-la com o meu choro.
- Você é patético!
- Irmão, o que você está fazendo?
- Eu estou punindo o nosso primo! Ele se comportou mal e eu precisei puni-lo! Você quer me ajudar Davi?
- Mas o que foi que ele fez Rafael?
- Ele beijou um rapaz Davi!
- Mas isso é ruim?
- Claro Davi! Você lembra o que o nosso pai fez com aquelas pessoas por esse mesmo motivo?
- Elas foram... para o fogo?
- Isso mesmo! Elas foram para a fogueira!
- O papai vai fazer a mesma coisa com o nosso primo?
- Por enquanto não Davi! Mas... quem sabe em breve!
Davi aparentava ter cinco anos e a conversa dele com o irmão me deixou bastante preocupado e ao mesmo tempo esperançoso. A naturalidade com que ele descreveu a morte de outras pessoas me preocupou bastante, porque ele parecia acreditar que aquilo era o correto. Porém, ele questionou o irmão sobre o fato de dois homens se beijarem ser errado e aquilo me fez refletir que talvez nem todos naquele reino fossem um caso perdido.
- Olá Davi! Meu nome é Felipe!
- Oi... você é meu primo!
- Sim Davi! Isso é verdade!
- Cala a boca! Não fale com o meu irmão! Não quero que você o influencie com o seu jeito sujo!
- Rafael II! O que você está fazendo aqui?
- Eu estava dando uma lição nele pai! Como o senhor disse que deveria ser feito!
- Não deste jeito! Assim ele vai morrer! Por que você sempre faz as coisas de forma tão impulsiva?!
Conde Rafael parecia estar influenciando os filhos a serem tão cruéis quanto ele e, aparentemente, o filho mais velho estava indo além do esperado. Era muito estranho assistir os dois discutirem o melhor modo de punir alguém por ser homossexual e, principalmente, alguém que era um familiar.
- Onde estão os meus amigos?!
- Não seja insolente! Eu não preciso responder qualquer pergunta que venha de você!
- Eu sei, mas... por favor... eu estou implorando...
- Tudo bem! Talvez isso te faça sofrer ainda mais! Dezenas dos seus amigos estão mortos e os corpos foram queimados há algumas horas atrás! Os que sobreviveram estão feridos e presos no calabouço, o que significa que muitos também morrerão em breve! Você falhou sobrinho e eu vou garantir que você viva muitos anos para lidar com essa dor! Eu vou chamar alguém para curar as suas feridas e garantir que você esteja aqui para ver todas as pessoas que você gosta morrerem diante dos seus olhos! Venham rapazes, eu não quero ver vocês neste quarto novamente! Entendido?
Depois daquele momento, eu fiquei amarrado àquela cama pelo que pareceram dias, durante os quais uma pessoa vinha diariamente cuidar dos meus ferimentos. Além disso, vários servos de Conde Rafael vinham ao meu quarto para me alimentar e ajudar com outras necessidades básicas. Certo dia, o meu tio voltou ao meu quarto:
- Olá sobrinho! Eu vim aqui lhe trazer boas notícias: mais dois dos seus amigos morreram esta manhã! Eles estavam muito doentes e não resistiram às péssimas condições do calabouço! Foi melhor para eles, eu lhe garanto!
- Conde Rafael... deixe-me ver os meus amigos! Por favor!
- Tudo bem!
- O que?! Isso... Isso é sério? Você vai me deixar vê-los?
- Na verdade eu vou deixar você ver apenas um deles! Mas não fique animado, porque eu não estou fazendo isso por você! Este rapaz se voluntariou para provar um método que um dos meus servos desenvolveu para curar essa doença que se instalou em vocês. Aparentemente, ele está cansado dessa vida, então quer ser curado e depois se juntar ao meu exército. A única condição dele é que eu te deixasse livre e que ele pudesse conversar com você por alguns instantes! Ele parece ser uma ótima aquisição!
Eu não conseguia acreditar no que eu estava vendo: Bernardo adentrou o meu quarto trajando um uniforme do exército de Conde Rafael.
- Oi Felipe! Vejo que você está melhor!
- Bernardo! O que está acontecendo?
- Eu estou cansado de lutar a favor de algo tão errado! A homossexualidade precisa ser exterminada!
- Do que você está falando? Por que você está vestido assim? Onde estão os nossos amigos?
- Eu não tenho nenhum amigo entre aquelas pessoas?
- Como assim? Bernardo, o que aconteceu com você?
- Eu simplesmente percebi que a vida que nós estávamos levando está errada!
- Isso não faz o menor sentido! Bernardo, eu te a...
Inesperadamente, Bernardo desferiu um golpe em meu rosto, o que causou um corte e me fez sangrar. Depois disso, Bernardo virou as costas e caminhou em direção à porta, então, a despeito da dor, eu continuei o que eu havia começado a dizer:
- BERNARDO! EU TE AMO!
Infelizmente, quando Bernardo virou para me responder, eu vi uma expressão totalmente vazia em sua face e a minha resposta foi diferente do que eu esperava:
- Eu não te amo Felipe!
Assim, o amor da minha vida saiu pela porta do quarto e deixou o meu coração em pedaços em frente à pessoa que eu mais odiava no mundo.
- Você viu como esse tal amor que vocês dizem ter uns pelos outros é somente uma mentira? Duas pessoas do mesmo sexo não se amam verdadeiramente! Isso é apenas uma doença que atinge o corpo e adoece os sentimentos de vocês!
- Não! Nós nos amamos!
- Este rapaz é o seu suposto "marido", correto? Ele me disse que nunca lhe amou, pois você somente afastou o rapaz das pessoas que ele ama! Que tipo de amor é esse?
- O que?! Eu...
- O rapaz quer rever a família! Ele concordou em me servir por um ano e depois eu vou liberá-lo para que veja a família! Isso sim é se importar com as pessoas! Além disso, eu ainda vou oferecer um tratamento para a doença dele! Eu não sei o porquê, mas ele também me pediu para que não te matasse, pois, aparentemente, ele tem pena de você! É claro que eu não te mataria! Você ainda precisa sofrer muito por ter organizado um exército contra mim!
- Eu...
- Cale a boca! Eu ainda não terminei de falar! Eu vou soltar você dessa cama e a partir deste momento, você será um servo deste castelo! Não há como escapar daqui e, por mais que eu queira deixar você livre para sofrer, eu vou mandar executá-lo na primeira tentativa de fuga! Se você se comportar, eu prometo que trarei o seu velho pai aqui, para ele poder ver no que você se transformou, ainda que isso vá trazer muita vergonha para ele!
Depois daquele dia, eu nunca mais vi Bernardo ou qualquer um dos meus amigos, já que eu não tinha permissão de sair do castelo. Servir Conde Rafael, em outro momento, pareceria irracional, porém, naquela situação, a perspectiva de ver o meu pai era a única coisa que me mantinha vivo. O meu tio também me ofereceu a referida "cura" para a homossexualidade, porém eu recusei. Ele protestou inicialmente, mas esqueceu o assunto depois que ele percebeu que eu não sairia do castelo e obedeceria as suas ordens.
- Você é um caso perdido! Eu queria te curar para quando o seu pai chegar! Mas talvez até seja melhor que você continue doente, assim eu posso culpá-lo por isso!
Várias semanas se passaram e a minha única fonte de informação sobre o que estava acontecendo fora das paredes do castelo era o meu desprezível tio.
O seu amigo está tendo ótimos resultados! Um dos meus servos reportou que o viu cortejando uma donzela outro dia! Além disso, ele está incentivando outras pessoas do seu grupo a se juntarem a ele nesse caminho de cura! Se isso der certo e eu conseguir curar todas essas pessoas, eu vou conseguir o trono de Heliópolis, assim como várias alianças com outros reinos.
- Ele estava?
- É claro! A cura que eu estou usando é milagrosa e ele está seguindo em frente! Você deveria fazer o mesmo! A cura está disponível, ainda que eu prefira ter um motivo para alegar a incompetência do seu pai!
- O que aconteceria se eu me submetesse a essa tal cura?
- Você voltaria à sanidade e eu poderia até lhe considerar como parte da família novamente! Você não precisaria mais ser um mero servo e poderia fazer o que quisesse dali para a frente! Mas como você se recusa, eu não tenho outra escolha a não ser te prender aqui dentro! O que é muito gentil da minha parte, considerando-se o que aconteceu com alguns dos seus amigos depois da invasão ao castelo!
- Eu posso lhe dar uma resposta amanhã?
- Sim. Mas essa será a sua resposta definitiva! Eu não tenho paciência e tampouco obrigação de ficar oferecendo uma coisa que eu sei que lhe fará muito bem! Se a sua resposta for não, então você estará definitivamente condenado a me servir!
Naquela noite, eu refleti sobre o que o meu tio disse. Eu não entendia o porquê de Bernardo ter me agredido há várias semanas atrás, quando eu estava preso a uma cama, totalmente indefeso. Eu entendia ainda menos o fato de ele ter sido visto cortejando alguém. Eu sabia que não havia de fato uma cura, porque homossexualidade não era uma doença, então aquele comportamento não fazia sentido. Talvez, fazer a vontade de Conde Rafael fosse melhorar a minha possibilidade de tentar descobrir o que havia acontecido com Bernardo, já que eu poderia, segundo as próprias palavras do meu tio, fazer o que eu quisesse. Durante todo aquele tempo, eu não tive coragem de perguntar ao meu tio sobre os meus outros amigos íntimos, pois eu não conseguiria suportar ouvir que Raul, Hugo, Tomás e William estavam mortos. Porém, se eu conseguisse permissão de sair do castelo, eu também poderia conseguir averiguar essa informação. Assim, no fim da noite, a ideia de me submeter à "cura" pareceu ser uma opção razoavelmente boa.
- Então você quer se submeter à cura? Eu sabia que você, eventualmente, iria enxergar o erro que você cometeu ao se juntar a esse bando de pessoas doentes.
- Certo... Nós podemos acabar logo com isso? Onde está a cura?
- Vá para o seu quarto, eu irei em seguida com os meus servos e a cura.
Eu não fazia a mínima ideia do que seria a tão falada cura, mas ainda estava decidido a me submeter a ela, se isso significasse que eu poderia ver Bernardo e os meus amigos novamente. A porta do meu quarto se abriu e, infelizmente, não era o meu tio.
- Olá primo! Como você está?
- Rafael, o que você está fazendo aqui?
- Eu preciso te perguntar uma coisa antes que você seja curado! E eu exijo uma resposta!
- Eu não vou te responder nada com essa atitude!
- Eu exijo que você me responda!
- Eu não sou obrigado a te responder nada! E fique grato que eu não vou me vingar por você ter me torturado daquela forma! Agora saia daqui!
- Mas eu preciso saber como é! O que você sente quando ama alguém do mesmo sexo?
- É tão maravilhoso quanto amar uma pessoa de outro sexo, a diferença é que, atualmente, se você ama alguém do mesmo sexo as pessoas te fazem isso...
Eu mostrei a ele o meu braço, onde haviam várias cicatrizes, as quais formavam uma palavra: sujo. Ainda assim, Rafael não mostrou qualquer sinal de arrependimento.
- Você mereceu isso! Por que você precisava se expor dessa maneira?
- Porque eu não sou covarde como você!
- O que? Eu não sou covarde!
- Não? Então por que você está escondendo isso?
- Eu não...
- Rafael II?! O que você está fazendo aqui? Ainda não é seguro! Já disse que não quero que você seja afetado por essa doença! Vá para o seu quarto!
- Err... tudo bem...
- Você está pronto sobrinho?
- Eu acho que sim... qual é o procedimento?
- Olá, meu nome é Walter! Eu vou realizar o procedimento para lhe curar! Isso é muito simples! Eu vou drenar o seu sangue com esses animais por algum tempo e você se sentirá curado ao fim de tudo!
Sentir os dentes das sanguessugas penetrando a minha pele me dava calafrios e me fazia querer vomitar. Eu queria tirá-las do meu corpo e atirá-las o mais longe possível! Aqueles animais eram repugnantes e eu estava começando a me sentir tonto. Porém, eu mantive a minha motivação para me submeter àquele procedimento em primeiro lugar: eu sairia daquele castelo e poderia reaver os amigos que me foram tirados por Conde Rafael, ou pelo menos aqueles que ainda estavam vivos.
Depois de algumas horas, as sanguessugas foram retiradas e as pessoas se retiraram do meu quarto. Eu adormeci, devido ao cansaço resultante do procedimento, e acordei somente no dia seguinte. Como o meu tio havia prometido, eu pude sair do castelo e a primeira coisa que eu fiz foi procurar por Bernardo. Depois de alguns minutos procurando, eu o encontrei em uma rua do reino.
- Bernardo!
- Felipe! O que você está fazendo aqui?! Você... você se submeteu ao que eu estou pensando?
- Às sanguessugas? Sim! Agora, eu...
- Shh! Não podemos conversar agora! Eu vou te esperar na saída do reino, naquela lagoa que nós vimos quando vínhamos para cá, no fim da tarde! Lá nós conversaremos melhor!
No fim da tarde, eu estava esperando ansiosamente por Bernardo no local que ele havia dito, onde havia uma pequena lagoa e muitas árvores. Quando ele chegou, eu o abracei intensamente e ele, brevemente, retribuiu o gesto. Porém, ele rapidamente me afastou e disse:
- Eu sinto muito! EU ACHO QUE ELE PRECISA DE UMA SEGUNDA DOSE!
De repente, quatro homens saíram de trás das árvores, os quais ataram as minhas mãos com cordas e me conduziram, provavelmente, de volta para o castelo do meu tio. Em meio aos vários sentimentos que afloraram naquele momento, o mais forte era o de tristeza, pois eu acabara de ser traído pelo homem que eu amava. Eu não ofereci qualquer resistência quando os homens me mandaram andar em direção ao castelo, porque, naquele momento, uma dor terrível irradiava no meu peito e eu queria, desesperadamente, desistir de tudo.
- Conde Rafael, o desequilíbrio nos fluidos corporais que fazem este rapaz gostar de ter relações com outros homens deveria ter sido curado com apenas uma dose! Mas pelo visto eu vou ter que aplicar uma dose extra! Isso é muito perigoso e pode matá-lo! Tem certeza de que eu devo prosseguir?
- Não seja imbecil! É claro que eu estou certo disso! Não me importa o que isso vai custar, o que me interessa é que este indivíduo seja curado! Você também não quer isso sobrinho? Ver-se livre desta doença?
- Que seja...
- Não seja insolente e ingrato! Eu estou lhe fazendo um favor!
- Obrigado tio...
- Assim está melhor! Pois bem, venha amanhã para realizar o procedimento! Não precisamos mais esperar!
- Sim Conde Rafael!
Assim, o meu tio saiu do quarto e eu pude voltar a fazer o que estive fazendo durante os últimos dias: dormir. Depois da traição de Bernardo, eu não me importava com nada que acontecia ao meu redor, não me alimentava adequadamente e estava resignado em permanecer trancafiado no meu quarto e atado à minha cama pelo resto da minha vida. O meu tio insistiu que a segunda dose da minha cura fosse ministrada o mais breve possível, mas Walter o aconselhou a esperar alguns dias. Agora, a data tinha sido marcada. Talvez eu pudesse morrer e o pior de tudo é que eu não me importava.
Rafael II havia me visitado várias vezes durante aqueles dias e eu sempre fingia que estava dormindo, porém neste dia havia sido diferente.
- Olá primo sujo, até que enfim você está acordado!
- Rafael, se você não sair daqui agora, eu vou contar ao Conde o seu segredinho!
- Do que você está falando?
- Não pense que eu não sei o porquê de tanta raiva e o motivo de você vir todos os dias ao meu quarto!
- O que você pensa que sabe?
- Parece que o filho do grande Conde Rafael está tão doente quanto eu!
- Como ousa!
Rafael desferiu um soco que atingiu o lado esquerdo do meu rosto em cheio. Porém, a dor não me incomodava havia muito tempo.
- Não adianta me bater ou negar! O que você sente não vai mudar!
- Eu... Eu não sei do que você está falando! Mas se meu pai ouvir isso ele vai te matar! Ele nunca acreditaria em tamanha mentira!
- Eu não me importo! Isso despertaria alguma suspeita! Eu não tenho nada a perder, então sai daqui, se quiser evitar problemas desnecessários!
- Pois bem, eu não quero passar nem mais um minuto perto de você de qualquer modo!
- Ah não?! Então por que você tem vindo aqui? O que você quer de mim?
- Eu... Eu não entendo o que causa isso...
- Não precisa haver um motivo! Não há nada errado! Essa história de doença é uma invenção do seu pai!
- Se isso não é uma doença, então como você explica o seu "noivo"? Ele está curado!
- Sai daqui!
- Mas você não respondeu...
- AGORA! SAIA!
Eu não suportava ouvir falar do Bernardo. A simples menção do nome era como um soco no estômago! Eu me sentia sem ar e uma forte dor se instalava no meu abdômen. Depois que Rafael saiu, eu achei que poderia finalmente dormir, mas estava enganado.
- ... Já que você insiste! Aqui está ele!
- Vejo que ele ainda está bastante debilitado! Tem certeza de que ele está pronto para a segunda dose?
- Sinceramente, eu não acho que ele vá melhorar muito! Ele se recusa a comer adequadamente! Se o pior acontecer, eu não acho que será de todo mal!
- Entendo! Talvez o senhor tenha razão!
- Mas é claro que sim! Mas voltando à nossa conversa, eu precisarei visitar o Conde Gil e...
Eles saíram do quarto sem me dirigir qualquer palavra. Eu não podia evitar de, bem no fundo, esperar que Bernardo tivesse algum plano e estivesse fingindo tudo aquilo, mas a cada dia as minhas esperanças eram dizimadas. Para a minha surpresa, as visitas daquele dia ainda não tinham se encerrado.
- Oi primo... É verdade que você tá doente?
- Um pouco Davi! Mas eu vou ficar bem!
- Eu ouvi uma coisa ruim... eu fiquei triste!
- O que foi que você ouviu Davi?
- Papai disse que você pode morrer! Mas eu não quero que você vá embora! Eu nunca tive um primo e papai nunca me deixa ver você!
- O seu pai... ele sempre foi assim?
- Chato?
A sinceridade infantil sempre me encantou. Eu nunca tive irmãos, mas eu sempre adorei brincar com as crianças de Heliópolis! Elas sempre me convidavam para me reunir a elas e nunca havia qualquer tipo de interesse secundário.
- Sim! Ele sempre foi rígido desse jeito?
- Que eu me lembre sim! Meu pai nunca brinca comigo! O meu irmão também não!
- Eu sinto muito Davi! Eu queria poder brincar com você! Mas o seu pai acha que eu tenho uma doença contagiosa!
- E você tem?
- Não! Mas o seu pai acha que sim, então eu não posso chegar perto de você!
- O que ele acha que você tem?
- Eu amo... ou melhor, amava um rapaz! O seu pai acha que isso é errado!
- Como ele se chama?
- Bernardo...
Novamente, aquele nome me fez sentir doente. Coincidentemente, o meu ex-amor adentrou o quarto companhado de dois servos.
- Davi! O que você está fazendo aqui?
- Eu... Eu queria ver o meu primo!
- Você sabe que o seu pai não quer que você venha aqui! Você, acompanhe ele até o quarto e se certifique de que ele não saia de lá! Desculpe Davi, isso é para o seu próprio bem!
- Sim senhor!
Um dos servos que acompanhavam Bernardo conduziu Davi para fora do meu quarto. Mas quando passava pela porta, o meu pequeno primo disse:
- Tchau primo! Desculpe não poder ficar com você! Espero que você fique bem!
- Obrigado Davi! Você é muito gentil!
- Você sabe que não deve chegar perto dos filhos de Conde Rafael!
- Sim...
- Você ainda não me perdoou, certo? O que eu fiz foi para o seu próprio bem!
- Eu não me importo!
- Você não precisa! Eu tenho certeza que entenderá tudo o que eu fiz no futuro!
- Senhor, está tudo pronto!
- Muito bem. Está na hora do seu banho! Espero que isso te relaxe um pouco!
O servo que restava havia enchido uma tina com água para que eu pudesse tomar banho.
- Não há nada nesse castelo que possa me relaxar!
- Tudo bem, então apenas tome banho, porque você está horrível!
- Bem, esse sou eu! Agora, que tal você sair do quarto para que eu possa me despir!
- Não há nada que eu, infelizmente, já não tenha visto! Além disso, estamos entre homens aqui!
- Pode ser! Mas eu não o quero aqui! Então saia!
- Se é assim que prefere! Eu vou sair, mas você servo deve tomar cuidado para não ser seduzido! Não esqueça que ele ainda está doente!
- Sim senhor! Eu serei cuidadoso!
Assim que Bernardo saiu, eu me despi e o servo designado me ajudou a entrar na tina. Ele deveria me ajudar durante o processo de banho, mas eu recusei e mandei que ele apenas me ajudasse a sair quando eu tivesse terminado.
- Senhor, tem certeza de que não precisa de ajuda?
- Não, você pode apenas observar, já que isso é necessário, mas eu não quero a sua ajuda!
- Mas eu posso ter problemas se lhe deixar fazer isso sozinho! Esse é o meu trabalho!
- Não se preocupe, eu direi ao Bernardo que você fez o seu trabalho! Apenas me deixe fazer isso sozinho!
- Bem... obrigado senhor! Eu lamento que o senhor esteja passando por tudo isso!
- Obrigado! Você é a primeira pessoa que se sente desse jeito nesse lugar!
- Senhor... eu posso perguntar algo?
- É claro... desde que não seja um insulto!
- O senhor não acredita na cura, certo?
- Bem, eu não estaria nessa situação se acreditasse, certo?
- Por que o senhor insiste em mostrar que a cura não funciona?
- Porque eu quero mostrar que o Conde está errado!
- Mas isso pode afetar muitas vidas!
- O que você quer dizer?!
- O senhor tem ideia de quantas pessoas nesse reino foram "curadas"? Se o senhor continuar mostrando que a cura não funciona, a "sanidade" de muitas pessoas será questionada!
- Espera... então ainda há homossexuais neste reino? Eu pensei que o Conde tinha matado todos em suas caçadas!
- O Conde não mata ninguém do seu próprio reino! Ele se orgulha em dizer que todos os "doentes" do seu reino foram curados! Mas caça os homossexuais de outros reinos como uma forma de diversão e de humilhar os reinos nos quais os homossexuais foram identificados!
- Meu Deus! Então eu estou pondo as pessoas deste reino em risco! Eu... eu não sabia!
- Eu lamento ter que pedir isso, mas se o senhor sobreviver ao procedimento de amanhã, finja que está curado! Ou todos nós estaremos em risco!
- Espera, "nós"? Então você...
- Sim senhor! Eu e meu companheiro fomos apanhados nas dependências do castelo e submetidos à cura!
- O que aconteceu com ele?
- Eu me submeti à cura, mas ele me chamou de covarde e não quis! Ele foi trancafiado no calabouço, mas adoeceu e acabou falecendo há algumas semanas!
- Eu sinto muito por isso! E eu não quero ser insensível, mas se as pessoas não se submetessem a essa ideia de "cura", ninguém precisaria fugir e se esconder por ser homossexual! Eu não sei de onde o meu tio tirou essa ideia!
- Eu concordo senhor... eu só aceitei me submeter a isso porque pensei que o meu companheiro também aceitaria e, assim, poderíamos ter tempo de planejar uma fuga do reino! Mas eu estava errado... De qualquer modo, o senhor ficará surpreso em saber que a "cura" começou com o filho do Conde! Ele foi o primeiro "curado"!
- Então é isso! Eu estava certo! Ele nunca foi curado! Você nunca foi curado! A cura não existe! Mas o Bernardo...
- Eu também não entendo... Mas eu preciso dizer que a "cura" fez bem a ele! Ele é o segundo em comando no reino! O Conde acredita muito na "cura", pois acredita que o filho esteja curado! Desse modo, ele também acredita que o Bernardo esteja curado e por isso o exibe como um troféu para os outros reinos! O fato do Bernardo ter entregue o próprio ex-noivo também aumentou a estima do Conde pelo Bernardo!
- Será... será que ele tem um plano?
- Eu não sei dizer! Mas eu espero que dê tudo certo para o senhor! Quando eu pedi para que "aceite" a cura, eu estava pensando no bem de todos nesse reino, mas eu admiro a sua coragem em lutar pelo que acredita!
- Obrigado por ter me contado essas coisas! Elas me fizeram entender o contexto em que vocês estão! Eu peço desculpas se eu prejudiquei alguém!
- Não precisa se desculpar! Apenas faça o que eu disse, por favor!
- Só mais uma coisa, como foi que o Conde descobriu sobre o Rafael II?
- O senhor Rafael II se apaixonou por um visitante de outro reino! Foi paixão à primeira vista e os dois se visitavam com frequência! Na verdade era muito mais frequente que Rafael fosse a Naquim!
- O namorado do Rafael era de Naquim?
- Sim! E, na verdade, eles foram casados! O filho do Conde até se mudou para um vilarejo chamado Gorgi, o qual era muito receptivo aos homossexuais e sempre realizava casamentos desse tipo. Eu e meu companheiro planejávamos ir até lá para nos casarmos antes de sermos apanhados!
- Eu sinto muito que isso não tenha se concretizado! Isso é estranho, muitos dos meus companheiros são sobreviventes do massacre ocorrido em Gorgi! Eu jamais imaginava que o filho do Conde pudesse ter qualquer relação com esse vilarejo!
- Na verdade, o filho do Conde é a causa do massacre!
- O que você quer dizer? O que o Rafael tem a ver com o massacre de Gorgi!
- Quando o Conde descobriu o porquê de Rafael ter se mudado para Gorgi e o estilo de vida que ele estava levando lá, um exército foi direcionado para a cidade, com o objetivo de exterminar uma doença que estava se alastrando por toda a cidade e havia infectado o seu filho! Por isso tantas pessoas morreram e foi assim que as "caçadas" e a "cura" começaram!
- Eu não sabia disso! Mas o que aconteceu com o marido do Rafael?
- Ele foi a primeira pessoa a ser caçada! O ódio que o Conde sentia por ele era tão intenso que ele não se conformou em apenas mata-lo, ele precisava torturá-lo e fazê-lo sofrer! Depois disso, o senhor Rafael II foi submetido à avaliação por diversas pessoas, as quais deveriam descobrir o que havia de errado com ele! Foi nesse momento que o senhor Walter propôs a cura através das sanguessugas! O senhor Rafael se submeteu a isso e se tornou a primeira pessoa a ser "curada"! Como você pode ver, tudo isso teve início com o filho do Conde!
- Então Rafael é a causa de tudo! Mas por que ele ficou tão perverso?
- Não seja tão duro com ele! O filho do Conde sempre foi um menino muito bom, por incrível que pareça! Ele tinha um coração de ouro, mas depois da "cura" ele se tornou amargo e sombrio! Ele esteve presente em cada uma das caçadas de Conde Rafael e torturou várias das pessoas dessa cidade até que elas aceitassem se submeter ao procedimento.
- Mas ele está traindo o seu próprio grupo! Ele está matando as pessoas que o acolheram!
- Veja bem senhor, quando as pessoas ouvem falar do massacre de Gorgi elas ficam horrorizadas e tristes. Imagine o que o senhor Rafael sente já que ele estava lá e tecnicamente foi a causa de tudo! Isso pode enlouquecer alguém!
- Eu entendo... Mas eu não sei como ajudá-lo!
Nesse momento, Rafael adentrou o quarto.
- O que você está fazendo servo? Não deveria estar ajudando o meu primo a tomar banho?
- Ele já me ajudou bastante! Eu solicitei que ele me deixasse algum tempo na tina, pois isso me relaxa!
- Sim meu senhor! Foi isso que aconteceu!
- Não importa, eu preciso que você saia! Eu quero conversar a sós com o meu primo!
- Mas senhor... eu recebi ordens diretas do senhor Bernardo para que não saísse desse quarto!
- Não precisa sair! Fique!
- Bernardo é apenas um encarregado! As minhas ordens são superiores, afinal eu sou o filho do Conde Rafael!
- Sim senhor...
- Ele já foi! O que você quer Rafael? Eu já disse que não quer conversar se você vai ser rude comigo!
- Eu posso tentar ser menos rude... Mas não posso prometer nada!
- O que você quer comigo?
- Eu quero pedir para que você pare de ser inconsequente!
- O que você quer dizer?!
- Pare de ser resistente ao tratamento! Finja que ele funciona!
- Então você admite que ele não funciona?!
- Eu não admito nada! Mas já que ele não está funcionando em você, talvez o meu pai comece a questionar o funcionamento em outras pessoas e isso vai criar um alvoroço desnecessário!
- Tudo bem!
- Tudo bem o que? Você vai fazer isso?
- Sim! Eu vou fingir que isso funciona!
- Ótimo! Era isso que eu queria! Agora eu vou te deixar em paz!
- Espera, eu tenho uma pergunta!
- O que foi? Seja breve!
- Por que você me odeia tanto? A gente mal se conhece! Por que você odeia tanto os homossexuais?
- Porque esse estilo de vida só causa dor e sofrimento! Isso é errado e as pessoas deveriam saber que disso! Quando as pessoas se recusam a aceitar que isso está errado, ou eu as convenço a se submeter ao tratamento para serem curadas ou elas tem que ser punidas!
- Quem é você para decidir isso? Quem te deu esse direito?
- A vida! E o meu pai!
- Mas você não sente mais nada?
- O que você quer dizer?
- Olha, vamos acabar com esse fingimento! Eu sei que você sente algo diferente por pessoas do mesmo sexo, assim como eu! Mas, por algum motivo, você se recusa a admitir isso! Então eu quero saber se você não sente mais nada ou se é só fingimento!
- Muito bem! Eu não preciso te dizer nada, mas eu quero que você acabe com essas insinuações antes que o meu pai volte de viagem, então lá vai!
Rafael me contou uma versão condensada da história que eu ouvira anteriormente. Eu não podia dar sinais de que já sabia da história ou colocaria rapaz que me contara em perigo. No fim, Rafael afirmou que havia sido curado.
- Como você pode ver, eu já fui como você! Mas hoje em dia eu ajudo as pessoas a enxergarem a luz!
- Você está levando as pessoas para as trevas! Ou melhor, para as sombras, já que as pessoas agora precisam se esconder e fingir que essa tal cura funciona.
- A cura funciona! Eu sou a prova viva disso!
- Você é somente alguém que já sofreu muito! Eu reconheço isso! Mas isso não te dá o direito de fazer as atrocidades que você faz com as pessoas!
- Cale a boca! Você não sabe de nada!
Nesse momento, Bernardo adentrou o quarto, acompanhado do servo que me ajudara com o banho.
- ... deveria ter ficado no quarto, como eu pedi!
- Mas o senhor Rafael me disse que...
- Sim Bernardo, fui eu quem o mandou sair do quarto! Eu precisava conversar com o meu primo!
- Rafael, o Conde recomendou que você e o seu irmão não entrassem nesse quarto! Portanto, eu preciso pedir que você se retire!
- Muito cuidado como fala comigo Bernardo! Não se esqueça de quem eu sou!
- Eu peço isso com todo respeito, meu senhor! Afinal, foi isso que o Conde recomendou! Eu estou apenas fazendo o meu trabalho!
- Assim está melhor! De qualquer modo, eu já terminei o que tinha vindo fazer aqui! Com licença!
- Obrigado senhor! Até mais!
- Até mais primo!
- Pare de tentar seduzi-lo! Isso só vai piorar a situação!
- O que foi Bernardo, você está com ciúmes? Não se preocupe, eu não estou seduzindo ninguém! Eu sou fiel aos meus sentimentos, mas você não entende esse conceito, certo?
- Não me aborreça com as suas acusações! Quantas vezes eu tenho que repetir que eu não sinto nada por você?! Além de pena, é claro! Agora saia da tina, você já teve bastante tempo para tomar banho!
- Não! Eu saio daqui quando eu estiver pronto!
- Eu acho que não!
Eu fui surpreendido por Bernardo envolvendo os braços ao meu redor e me retirando à força da tina. Eu ofereci resistência e lutei para me libertar dos seus braços, mas ele sempre fora mais forte do que eu! Ele me colocou, ainda molhado, na cama e eu não consegui me conter: comecei a chorar, talvez pela surpresa de ter Bernardo me tocando de uma forma tão agressiva, como eu nunca imaginara o ver fazer.
- Servo, retire a tina daqui! Depois disso você está dispensado!
- Sim senhor!
Quando o servo saiu do quarto, eu ainda estava chorando, mas escondia minha lágrimas com os cobertores. Parecia que tudo o que eu estava vivendo fora resumido por aquele momento e eu não conseguia controlar o meu choro.
- Você precisa aceitar que tudo mudou! Isso vai te causar menos sofrimento!
- Me deixe em paz! Você já fez o bastante!
- Como queira...
Quando Bernardo deixou o quarto, eu poderia jurar que vi uma lágrima escorrer pela sua face, mas eu não me atrevi a acreditar. Afinal, ele havia demonstrado que realmente não havia mais nada entre nós, além de uma relação estranha em que ele trabalha para o meu tio e, nesse momento, está encarregado de me preparar para a "cura".
Naquele dia, eu não recebi nenhuma outra visita, então acabei dormindo muito cedo. Não havia qualquer prazer no meu dia-a-dia, então a minha atividade favorita era dormir.
Porém, naquela noite eu acordei com o barulho de pessoas gritando e, de repente, um homem encapuzado entrou no quarto, acompanhado de outros três homens, cujos rosto eu não conseguia ver. Eles se aproximaram da minha cama e eu tentei, sem efeito, lutar, mas eles estavam em maior número e eram, aparentemente, mais fortes do que eu. Além disso, eu estava enfraquecido pela falta de alimentação. Depois de algum tempo resistindo, eu estava exausto e a ponto de desmaiar, então eles conseguiram me amarrar e colocaram uma mordaça em minha boca. Depois, conduziram-me pelos corredores do castelo e, mesmo que eu quisesse, eu não conseguia me debater ou espernear. Enquanto percorríamos os corredores, eu vi várias pessoas desacordadas e algumas outras lutando contra inimigos que eu não conseguia discernir. Aparentemente, Pasine estava sendo saqueada e eu estava sendo levado como refém. Mas o que eu não entendia é como aquilo havia acontecido e onde estava o Conde Rafael.
Finalmente, os homens saíram do castelo e eu reparei que haviam muito mais gente lutando lá fora também. Enquanto isso, os homens que me carregavam se dirigiram a uma carroça e me puseram lá. Três deles voltaram para dentro do castelo, incluindo o homem encapuzado, mas um deles ficou comigo na carroça. Eu estava bastante enfraquecido e levou algum tempo até que eu conseguisse focar no rosto da pessoa que estava comigo e reconhecesse de quem se tratava:
- William!
- Oi irmãozinho! Quanto tempo hein!
- Onde estão os outros?! Onde está o Tomás?
- Calma! Nós vamos te explicar tudo! Mas agora precisamos correr, afinal o conde vai estar aqui em breve!
- O Conde não está aqui? Onde ele está?
- Ele foi a outro reino e nós aproveitamos para te resgatar! Mas precisamos sair agora! Enquanto isso, há alguém que quer conversar com você! Espere aqui!
- Assim, William me deixou na carroça e entrou novamente no castelo. Eu estava tão debilitado que caí no sono novamente e, quando acordei, deparei-me com a figura de Bernardo me fitando.
- William! William! Socorro!
- Calma! Eu...
- William! Me ajude!
Eu queria correr, mas o meu corpo não respondia aos meus comando, então eu somente me arrastava para longe de Bernardo. Porém, ele subiu na carroça e me surpreendeu ao me beijar, do jeito que somente ele conseguia tocar os meus lábios e em uma intensidade me fazia perder o ar. Ele usava o capuz que eu reconheci como sendo do homem que me tirara do castelo anteriormente. Eu não sabia se aquilo era real, mas me deixei envolver pelo momento. Logo depois, ele me abraçou e nós deitamos. Ele envolvia o meu corpo e, finalmente, em muito tempo eu me senti seguro e relaxado novamente. Nós não dissemos nada, pois não havia necessidade. Tudo o que precisava ser dito, foi transmitido através dos nossos corpos juntos novamente. Com Bernardo me abraçando, eu adormeci novamente.
Quando eu acordei, eu não o vi mais e achei que tivesse sido um sonho. Porém, ao meu lado, estava o capuz que Bernardo tinha usado quando fora ao meu quarto, então eu soube que era real. Ao meu lado estavam outras pessoas, incluindo Raul e William, aos quais eu indaguei:
- Onde está o Bernardo?
Os dois trocaram olhares e eu percebi que algo estava errado. Então William respondeu:
- Ele pediu para dizer que te ama! Ele não disse nada ontem porque sabia que você não concordaria com esse plano...
- Qual plano?
- Felipe, o Bernardo ficou em Pasine!
Socorro!!! quero a continuação D:
ResponderExcluirGente comecei a ler essa linda história de amor essa semana e simplesmente me apaixonei por essa história de felipe e bernado, então Pesso que continui esse linda história de amor, meu nome é pedro henrique, tenho 16 anos e o autor está de parabéns
ResponderExcluirEu comecei ler essa semana tambem
ExcluirPosta a continuação.. Já têm mais de 2 meses que postou essa, agora pode postar o próximo capítulo.
ResponderExcluirEu gostei muito da historia, e é pra quando a continuação eu estou ansioso.
ResponderExcluirScr. aff na melhor parte o conto acaba ç.ç, ansioso pela continuação! ÓTIMA HISTORIA. Mds esse hugo é bipolar msm heim Kkkkkk ele ainda vai fazer muita besteira nesse conto.
ResponderExcluirQuando o cap 7 vai ser postado?
ResponderExcluirPor que Bernardo fez isso???????? Ai mds, vou comer a mão esperando a continuidade sair. Pfv o maos breve e e
ResponderExcluirCADE O RESTOOOO?
ResponderExcluircomeçou tão bonito esse conto, mais está ficando muito triste. tem fim?
ResponderExcluirAff, mais uma historia boa que fica sem final. Deveriam continuar isso, é raro encontrar historias bem escritas e ambientadas e quando eu acho estao incompletas
ResponderExcluirAff, mais uma historia boa que fica sem final. Deveriam continuar isso, é raro encontrar historias bem escritas e ambientadas e quando eu acho estao incompletas
ResponderExcluirDepois de 1 ano voltei pra ver se já tinha lançado o resto da história e nada....
ResponderExcluircadê a continuação? esta demorando muito, sinceramente quase 1 ano de espera e quando continua ainda faz uma atualização pequena d++. Se for ficar o tempo todo assim é melhor finalizar essa linda história ou parar com ela de vez!
ResponderExcluirNão aguento mais esperar, continua logo por favor demora não!
ResponderExcluirAté que um dia, já tinha quase desistido de tentar esperar novos capítulos :D
ResponderExcluirBoa noite, caro escritor! É com muita felicidade que apareço aqui nos comentários para comentar pela primeira vez. Esse conto maravilhoso sempre fez parte de meu "best-seller" de contos gays, juntamente com alguns do "romance gay". Pela temática sensível, sinestésica, doce. Pensei por muitas vezes, visitei o site procurando por atualizações, mas várias vezes apenas o gostinho de quero mais era o que eu, no fim, recebia. Quero lhe dizer que, por favor, não nos deixe esperar por muito tempo. É momento azado para que todas as coisas se resolvam de forma lesta. Às vezes a criatividade é uma amiga traiçoeira, bem sei, mas nós leitores faremos uma corrente de pensamentos para que a criatividade seja real, presente em sua vida, caro escritor. Sei que podemos esperar ainda grandes coisas desse conto. Para ser sincero, imagino a cena da primeira vez dos nossos dois amados. Bernardo, quanto sortilégio espero de você! hihihihihi Bem, estou fastidioso já. Peço-lhe que me perdoe por qualquer coisa e que os bons ventos o tragam aqui mais cedo, bendigam e iluminem esse trajeto curto que chamamos vida. Abraço!
ResponderExcluirAdorei os 6 capitulos mais kd continuação dos fatos para que possamos saber como será este final?!Afinal de contas somos bastantes intelectuais para querer ficar sem saber como será o desfecho desta historia.
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