domingo, 12 de janeiro de 2014

Capítulo 3 - Lembranças do Passado (Cont.)

Muitos dias se passaram desde que eu e Bernardo tivemos aquela breve discussão e nos reconciliamos, os quais foram, basicamente, compostos de trabalho no pasto - eu estava melhorando cada vez mais a minha habilidade de manejo das ovelhas com o aconselhamento de Bernardo, Manoel, pai dele, e João, seu avô -, namoro e integração familiar, pois a minha relação de amizade com Luíz e Henrique, recém-casados, estava indo muito bem e eu conseguira conhecer mais a respeito das irmãs de Bernardo, Paula e Juliana.
Entretanto, como sempre acontece quando eu estou desfrutando de algum momento feliz, algo abalou seriamente esse contexto de plenitude: quando eu e Bernardo retornamos para casa, depois de um longo dia de trabalho, encontramos a família reunida com os coletores de impostos que apareceram na casa de Manoel há alguns meses. Eu jamais poderia esquecer daqueles dois sujeitos e imaginei que, se eles tinham voltado à cidade antes do tempo determinado por eles mesmos, havia algum problema sério, de modo que logo perguntei:

- Boa Noite Família! Houve algum problema?
- Felipe, acho melhor você sentar meu filho! Receio que estes rapazes tragam más notícias!

A minha face instantaneamente perdeu a cor, as minhas mãos começaram a suar e a minha expressão logo se transformou, então me dirigi aos visitantes:

- Qual é o problema? Vocês vieram me prender?
- Não necessariamente príncipe Felipe! Mas seu pai insiste em vê-lo o mais breve possível em seu castelo!

Quando o coletor de impostos me tratou por aquele título eu fiquei surpreso, assim como as outras pessoas presentes na sala. Na verdade, há algum tempo eu vinha me questionando sobre a possibilidade de os coletores terem me reconhecido em sua visita anterior à cidade, visto que eu lembrara que os conhecia de Heliópolis, e agora confirmara minha hipótese, então formulei outra pergunta:

- Você comunicaram a meu pai que estava nesse vilarejo? Reconheceram-me na última vez em que estiveram nessa casa?
- Sim príncipe Felipe, de fato nós o reconhecemos, apesar de sua aparência ter mudado bastante. Então comunicamos ao Rei em nosso regresso a Heliópolis...

Ao ouvir aquele nome, Manoel se sobressaltou e interrompeu o coletor de impostos, se dirigindo a mim:

- Espera...Felipe, você é príncipe de Heliópolis?
- Sim Manoel, por que? Pensei que tivesse mencionado isso...
- Receio que você não mencionou meu filho e isso muda drasticamente as coisas...
- Por que Manoel? Qual o problema?
- Felipe...Luminus é um vilarejo semi-independente, porém ainda está submetido ao poder do Rei de Heliópolis! Não há como nós nos opormos a uma ordem direta, pois isto implicaria em represália para o nosso povo! Eu pensei que tivesses vindo de outro reino!
- Felipe, eu também não sabia que você tinha vindo de Heliópolis! Meu deus, o que vamos fazer agora?
- Receio que o príncipe terá que nos acompanhar imediatamente para o reino!
- Não...ninguém vai levá-lo!
- Meu rapaz, você está confrontando as ordens do Rei?
- Não! Não! Ele apenas está exaltado, acalmem-se!
- Mas Felipe...
- Bernardo, não há nada que eu possa fazer!
- Bernardo, meu filho, ele tem razão! Não há nada que possamos fazer além de obedecer!

Eu ainda estava processando aquela situação: primeiro assimilei o que Manoel dissera, pois eu realmente não sabia da verdadeira extensão do reino, de modo que não tinha conhecimento sobre os pequenos vilarejos que faziam parte da sua abrangência; segundo, eu percebi que eu nunca tinha tomado conhecimento do nome do vilarejo, apesar de estar ali há algum tempo; por fim, eu não me conformava com a submissão àquelas ordens, mas entendia que seria melhor obedecê-las, pelo bem da minha nova família. Porém, em um estalo, eu pensei algo e perguntei novamente aos coletores de impostos:

- Por que meu pai quer me ver? Eu fui banido e exilado! Na verdade, não posso voltar para o reino, segundo uma ordem do meu pai!
- Correto príncipe! Mas sua mãe, a rainha, está muito doente e ele achou melhor chamá-lo para que ela pudesse ter a chance de vê-lo, já que nós encontramos o seu paradeiro. Portanto, o seu exílio está momentaneamente revogado, inclusive o Rei já fez um comunicado oficial sobre isso á alguns dias.
- Minha mãe?! Mas o que é? qual o problema? é muito grave?
- Não sei lhe dizer príncipe, pois não entendemos desse assunto, mas o povo comenta que algo a acometeu subitamente e agora vive acamada.
- Meu Deus! Realmente eu preciso ir então!

Eu estava visivelmente abalado pela notícia, então coloquei meu rosto entre as pernas, enquanto estava sentado, o cobri com ambas as mãos e comecei a chorar. Alguns segundo depois eu senti uma mão repousar e afagar as minhas costas e eu não precisei levantar a cabeça para saber que era Bernardo, simplesmente continuei chorando, até que Bernardo se inclinou e falou ao meu ouvido:

- Eu vou com você!

De repente, um estranho sentimento de felicidade e segurança me invadiu, o que me deu forças para me erguer e abraçar Bernardo. Quando me senti ainda mais forte, eu me recompus e me dirigi novamente aos coletores de impostos:

- Posso levar convidados comigo?
- Não estou certo disso príncipe! Porém, permitirei que o senhor leve dois convidados nessa viagem.
- Muito bem, eu com certeza vou com você!
- Eu também o acompanharei Felipe!
- Agradeço o apoio Manoel! Me desculpe por não ter contado sobre Heliópolis!
- Imagina meu filho! Eu sei que não fizestes por mal!
- Meu senhor, permites que nós passemos a noite aqui, para podermos partir logo pela manhã?
- Claro, vou providenciar as instalações para vocês passarem a noite.

Após Manoel providenciar o local para que os coletores de impostos passarem a noite, cada um se dirigiu para o seu quarto e foi dormir. Porém, quando estávamos a sós em nosso quarto, eu ainda queria conversar com Bernardo.

- Muito obrigado por me acompanhar nessa viagem Bernardo! Acho que ela vai ser bem difícil por inúmeros motivos e você sempre é um porto seguro pra mim!
- De nada! Eu nunca te deixaria ir sozinho nessa viagem, nem que eu tivesse que ir preso te acompanhando!

Nós rimos daquilo e era realmente muito bom poder descontrair um pouco depois de tantas reviravoltas que aquele dia trouxe. Depois de um tempo eu continuei a falar:

- E...desculpa se eu só trago dor de cabeça pra sua família! Acho que estou sob algum tipo de feitiço que atrai coisas ruins!
- Não diga isso! Eu já te disse quantas coisas boas você me trouxe! Vou precisar repeti-las?
- Acho que não! Mas que deve ter algum tipo de feitiço eu não duvido!
- Só se for algum tipo de poção do amor digna de Afrodite, porque eu estou completamente louco de amor por você!

Depois que Bernardo disse isso ele se atirou sobre mim e me envolveu com seu corpo em um abraço, depois me beijou e passou a acariciar meus cabelos. Então, mudando sua expressão para um tom mais sério, ele disse:

- Não se preocupe com essa viagem! Eu vou estar do teu lado pra te proteger o tempo todo! Além disso, a sua mãe vai se recuperar com certeza! Por um lado, essa convocação é relativamente benéfica, pois demonstra que seu pai consegue sobrepujar o que ocorreu por uma causa maior!
- Olhando por esse lado, você tem razão! Talvez a minha sorte esteja mudando!

Em pouco tempo eu e Bernardo caímos no sono e no dia seguinte estávamos preparados para enfrentar a longa viagem ao palácio em Heliópolis. Antes disso, os outros vieram se despedir de nós, começando por Paula:

- Boa sorte nessa viagem pra vocês! Espero vê-los em breve! Tomem cuidado na estrada!
- Eu também desejo boa sorte! Espero que tudo se resolva com os teus pais Felipe!
- Muito obrigado Juliana, eu também!
- Meus filhos, que Deus os abençoe! Voltem o mais breve possível!
- Muito obrigado minhas filhas e meu pai! Voltarei em breve, tenham cuidado aqui em casa e avisem aos comerciantes que o fornecimento dos materiais vai atrasar alguns dias.
- Pode deixar meu pai! Nós faremos isso!
- Muito bem, acho que podemos partir, certo?
- Certo! Até mais!
- Até mais família!
- Até mais!

A partir desse momento, saímos em uma viagem que desencadearia muitos fatos importantes no meu futuro. Por ora o que eu sabia era que minha mãe estava muito doente e eu precisava vê-la, embora ainda tivesse um mal pressentimento sobre retornar ao local onde eu fui exilado e humilhado perante todo o povo por meu pai. De qualquer modo, a presença de Manoel e Bernardo me deixava mais tranquilo.
Durante a partida, uma pergunta me vinha constantemente à mente: será que o meu pai, de algum modo, mudou os seus ideais sobre o relacionamento homossexual e reconheceria a genuinidade dos pressupostos que Manoel sustentava sobre o assunto, bem como aceitaria a minha relação com Bernardo? Ou será que nada tinha mudado e eu estava colocando em problemas duas pessoas que eu tanto amava?

2 comentários:

  1. UAL. ESTOU ANSIOSO PARA VER A CONTINUAÇÃO DA HISTÓRIA

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  2. Tô apaixonado por essa história, estou esperando a continuação ansiosmente, parabéns, você é um ótimo escritor... Ah vê se posta logo rs :)

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