domingo, 13 de abril de 2014

Capítulo 4 - Heliópolis: Minha Ascensão e Minha Queda (Cont.)

Os eventos que sucederam a morte da minha mãe pareciam acontecer ao meu redor sem que eu tivesse qualquer consciência deles, pois, assim que eu percebi o que tinha ocorrido com ela, eu entrei em estado de catatonia e fui levado ao meu quarto por Bernardo e Manoel, os quais tentaram veementemente me trazer de volta à realidade. Entretanto, eu só realmente voltei a estar consciente um dia depois, quando havia um tumulto no meu quarto e eu pude ver meu namorado e meu sogro sendo levados pelos oficiais do meu pai, que em seguida se lançaram sobre mim. Aquilo foi suficiente pra me tirar da minha inércia, pois se havia algo que me abalaria mais que a morte da minha mãe era algum mal acontecer à minha nova família, então, enquanto os oficiais seguravam meu braço para também me levar em custódia, eu tive um acesso de raiva e desferi golpes a esmo, os quais felizmente foram eficazes em afastar alguns deles, mas, visto que eram muitos, eu infelizmente acabei nocauteado por um deles e só consegui registrar o mundo saindo de foco e a escuridão que me envolveu. A próxima coisa que eu vi foi Bernardo chamando meu nome enquanto eu sentia uma dor lacerante em minha cabeça:

- Felipe! Felipe!

Bernardo estava completamente descomposto em minha frente e aquilo foi um choque, porém, mais do que isso, eu estava assustado com o local onde estávamos: meu pai tinha me colocado em uma masmorra, quando algumas horas antes nós estávamos planejando a minha ascensão em Heliópolis?
Minha pergunta não demorou a ser respondido, já que meu pai estava adentrando as masmorras acompanhando de vários de seus oficiais e bradando, aparentemente, transtornado:

- Eu não pedi para utilizarem a força dessa maneira! Esta era apenas uma medida protetiva!

Recobrando os movimentos eu imediatamente indaguei, com uma voz estranhamente baixa:

- Pai!...Por que?...Por que nós estamos aqui?
- Meu filho...eu...quero dizer...eu achei de bom tom impedir a sua fuga até que seja resolvida a sua situação!
- Mas quem lhe disse que eu iria fugir?
- Bem, aqueles seus amigos, meus antigos oficiais, eles fugiram, não sei como, das masmorras e eu achei que você estava por trás disso! Você estava?
- Claro que não pai! Como eu iria saber disso?!Mas...mas...e quanto à minha mãe? Ela está...está?
- Sim, infelizmente sim...ela...morreu.
- Pai, me deixa ver ela! Por favor!
- Impossível! Nós acabamos e enterrá-la!
- Mas pai...por que não me convidou?!
- Um momento...todos para fora! Já!

Meu pai esperou até que todos os oficiais estivessem fora da masmorra, então retomou a sua fala em tom sussurrante:

- Meu filho...é o seguinte...eu não entendo por que você se interessaria por esse rapaz ao invés das belas princesas que você já teve  a honra de conhecer, mas...
- Espera...o senhor sabia então?
- É claro, você dois irradiam a relação de você, mesmo que não a tenham demonstrado em público, mas isso não tem a menor importância agora! Como eu ia dizendo, eu não vou fingir que entendo, mas eu amava a sua mãe mais do que tudo na vida e você é o fruto desse amor, então eu não posso te odiar por algo que, como a sua mãe me fez entender, é tão pequeno.
- Mas então por que eu estou aqui nessa masmorra se o senhor não me odeia?
- Felipe, você lembra do que a sua mãe lhe falou sobre a formação de Heliópolis?
- Claro...bem, ela me disse que vocês juntaram dois grandes reinos em apenas um do qual você se tornou o rei, certo?
- Isso mesmo meu filho, porém, a família da sua mãe nunca aceitou isso devidamente e eles têm se mantido sem qualquer tipo de relação com Heliópolis desde então. Entretanto, hoje esses familiares que têm se mantido há muito tempo afastados vieram me comunicar que, se Grindum ainda fosse um reino, o sucessor da sua mãe seria Conde Rafael, que eu receio você já encontrou na sua viagem de volta para casa.
- Sim, eu me lembro dele, mas eu ainda não compreendo como isso me faz ter que ficar preso aqui neste lugar!
- Tenha calma, eu já estou chegando lá! Você se lembra o que ele lhe disse quando se encontraram?
- Bem, mais ou menos...ele disse que não me respeitava porque o próprio rei tinha me exilado por ser um homossexual!
- Precisamente! Bem, aqui está o problema: Conde Rafael tem sido o maior perseguidor de homossexuais que existe nesta região! Eu, particularmente, não tolerava isso no meu reino e punia tal comportamento, como você sabe, com exílio ou...ou morte, mas o Conde não só aplica tais punições como tortura e organiza uma "caça" a esse tipo de pessoas, como se fossem animais!
- Que coisa repugnante! Desculpe-me a intromissão meu Rei, mas esse tipo de coisa é absolutamente desumano!
- Eu sei, eu também não aprovo e me sinto enojado com tal barbaridade! Mas, como eu estava explicando, o problema é que o Conde veio me comunicar que ele quer o reino de Grindum de volta, já que agora a posse é oficialmente dele! E, para mostrar que estava decidido, ele me disse que muitos outros reinos estariam honrados em ajudá-lo a reconquistar Grindum se eu me recusasse a devolver as terras, já que eu era um simpatizante desse comportamento! Você entende o meu problema agora Felipe?
- Eu..eu acho que sim...então o senhor está tentando mostrar pra essas pessoas que o senhor...que o senhor não é um simpatizante? É isso?
- Desculpe-me interromper Rei Otávio, mas o senhor está fazendo isso pra não perder o seu reino então? É uma questão de poder?

Meu pai baixou a cabeça e eu pude ver lágrimas saindo dos cantos de seus olhos e um soluçou se evidenciar em seu peito. Porém, ele, rapidamente, se recompôs e disse:

- Não me julgue mal meu jovem, por favor! Sim, de certa forma é uma questão de poder, mas veja bem, se eu perder o poder que eu tenho sendo rei de Heliópolis, como você acha que eu posso proteger o meu filho?
- Proteger-me?
- Claro! Você é tudo o que me sobrou Felipe! Você é tudo o que restou do grande amor que eu vivi com a sua mãe! Eu acho que você pode compreender que eu cometi um erro quando te exilei, mas te peço perdão! Ser um rei parece mais difícil do que parece e às vezes nós tomamos atitudes erradas pensando em um bem maior!
- Meu senhor, desculpe novamente, mas, nesse caso, o senhor não poderia simplesmente devolver a parte do reino que corresponde a Grindum e ficar com a sua parte? Quero dizer, o senhor não continuaria sendo poderoso?
- Receio que não meu jovem, por dois motivos: primeiro, Grindum corresponde a quase metade de Heliópolis, sendo que Luminus...
- Está na parte que corresponde a Grindum!
- Correto! E eu sei que você gostaria de retornar para lá algum dia com os seus amigos meu filho! Mas além disso, o segundo motivo é que, se eu der um reino tão grande e, com certeza, mais poderoso do que quando ele se juntou a Sumarin, ao Conde Rafael ele seguiria com seu plano e tentaria tirar à força a parte restante do reino para si, com a ajuda de outros reinos! Heliópolis é forte, mas nunca foi um reino militar, nós não temos estrutura pra guerrear com outros reinos!
- Mas então o que faremos? Eu terei que permanecer aqui?
- Nesse momento sim, mas não se preocupe, eu tenho um plano! Porém, eu vou precisar que quando ele seja executado, você fuja sem olhar para trás!
- Eu vou explicar...

Assim, meu pai me contou o seu plano e , surpreendentemente, naquele dia, meu pai se mostrou favorável, se não ao meu "estilo de vida", mas pelo menos à minha sobrevivência e liberdade. Quando ele deixou a masmorra ele tinha advertido que nós teríamos apenas uma chance e tudo teria que ser bem-sucedido já que o futuro de Heliópolis e do meu pai estava em minhas mãos.
Naquela mesma noite o plano foi posto em ação, enquanto o meu pai banqueteava com os familiares de minha mãe. Conforme ele tinha dito, William e Tomás foram secretamente libertados assim que o meu pai soube o que tinha que fazer e eles concordaram, em troca de sua liberdade, em me ajudar a escapar das masmorras enquanto transcorria o banquete no salão do castelo. Assim, algumas horas depois do sol se por os dois ex-oficiais do meu pai chegaram sorrateiramente e nocautearam o oficial que mantinha guarda no local. Então, William se dirigiu a mim:

- Boa noite senhor! Viemos, assim como combinado!
- Muito obrigado William! Que bom que vocês aceitaram fazer isso em troca de sua liberdade!
- Senhor...cá entre nós, Tomás e eu conhecemos todos os segredos dessa masmorra e estávamos a ponto de conseguir escapar quando o seu pai chegou! Mas, mesmo assim, voltaríamos pra lhe resgatar!

Bernardo parecia bastante desconfortável com os comentário de William, que rapidamente, ao perceber aquela reação, complementou:

- Bem, eu quero dizer que eu viria em seu resgate, porque pessoas do nosso "tipo" precisam se apoiar é claro! Principalmente em momentos tão difíceis, quando estamos servindo até de presa para as caçadas, que são a diversão da nobreza!
- Ah sim...Bernardo, tinha tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, que eu esqueci de dizer pra você que William e Tomás são um casal, assim como nós!

Depois disso, Tomás segurou uma das mãos de William como prova do que eu dizia e então a feição de Bernardo se tornou mais suave e ele disse:

- Bem, que bom! Vocês formam um bonito casal!
- Engraçado, eu também acho o mesmo sobre vocês! Alias eu sempre soube que vocês estavam juntos desde que nós saímos de Luminus.
- Meu pai também me disse isso Tomás, mas eu não entendi como todos sabiam, nós fomos bastante cuidadosos, não é Bernardo?
- Com certeza!
- Vocês de fato foram, porém, apesar de vocês nunca nem se tocarem na frente de outras pessoas enquanto estavam aqui, vocês irradiam um sentimento quando trocam olhares que é inconfundível! Somente alguém que encontrou o verdadeiro amor tem isso no olhar!
- Nossa, isso...isso é muito bonito William!
- Muito obrigado Príncipe, mas eu tenho certeza que é verdade! Agora, mudando de assunto, nós não temos muito tempo a perder! Vamos!

Enquanto conversávamos, eles pegaram as chaves do oficial inconsciente e estavam nos livrando das correntes, agora nós estávamos livres e começamos a caminhar cuidadosamente pelos corredores do castelo. Enquanto caminhávamos, Tomás disse:

- Nós precisamos nos apressar, pois em breve o seu pai estará nas masmorras fingindo que levou o Conde Rafael para olhar o seu envergonhante filho. Quando isso ocorrer nós já precisamos estar em fuga!
- Certo! Eu acho que nós já estamos quase alcançando a porta principal!
- Isso mesmo, mas nós precisamos tomar cuidado para não sermos vistos!

Nesse exato momento, nós ouvimos vozes exaltadas, que vinham do lugar de onde nós tínhamos saído, então William disse apressadamente:

- Corram! Corram!

Assim que atingimos a porta principal eu pude ver que os oficiais que guardavam os portões do castelo também estavam nocauteados, então, aparentemente não teríamos problemas em fugir. E meio à correria eu disse:

- Nossa, você são bons mesmo! Nocautearam todas essas pessoas sozinhos?
- Muito obrigado Príncipe! Eu acho que nós formamos uma boa dupla e conseguimos nos superar juntos, é só isso!
- Bom, nós também somos os melhores oficiais que o seu pai já teve e um dos poucos que, em um reino tão pacífico como Heliópolis, já estiveram em algum tipo de batalha!
- Em que batalhas você já estiveram?
- Bem, digamos que não é a primeira vez que Conde Rafael ataca o seu pai! O problema é que ele está cada vez melhor relacionado e militarmente mais forte agora!

Nós chegamos perto de alguns cavalos que estavam convenientemente dispostos na saída do castelo, então montamos neles e estávamos a ponto de sair em disparada quando Conde Rafael apareceu empunhando um arco e bradando:

- Onde vocês pensam que vão escória? Não os deixem fugir!

Imediatamente nós partimos em disparada, mas antes de partir eu lancei um olhar agradecido ao meu pai que o retribui rapidamente, enquanto explicava ao Conde Rafael que não sabia como isso tinha acontecido.
A partir desta noite eu sabia que eu não poderia voltar a Heliópolis tão cedo e o que mais fazia meu coração doer e me entristecia era que eu só consegui realmente enxergar o meu pai como ele realmente é um pouco antes de ter que deixá-lo por um bom tempo. A despeito destes pensamentos, eu empreendi toda a minha força em continuar seguindo em frente e fazer como o meu pai havia e dito: fugir sem olhar para trás.

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