domingo, 6 de julho de 2014

Capítulo 5 - Revolução: A Homorevolta (Cont.)

Em meio à escuridão, o anseio por encontrar Bernardo novamente é ainda mais forte, tanto que eu consigo vê-lo me pegando em seus braços e me tirando da água. Eu sei que é um produto da minha imaginação, porque Bernardo estava muito longe do riacho, porém me entrego à essa ilusão e o beijo intensamente quando ele me tira da água e toca os seus lábios nos meus.
Porém, de repente, a minha visão clareia novamente e eu consigo ver que o homem que está debruçado sobre mim não é Bernardo e me afasto assustado, enquanto continuo a tossir. O homem, que eu reconheço como sendo Raul, antes mesmo de eu me recuperar completamente, brada:

- O que você estava pensando?! Como pôde ser tão estúpido de entrar nesse riacho? Não sabes que é perigoso, principalmente para alguém tão fraco como és?
- EU NÃO SOU FRACO! E se eu sou tão estúpido, porque me salvou então?
- Não ouse gritar comigo novamente! E não seja mal agradecido também!
- Desculpa! Mas uma experiência dessas deixa qualquer um nervoso!
- Ok! Só cala a boca e não faz mais isso certo?

Naquele momento, eu percebi um tom diferente na voz de Raul. O que ele disse não foi de um modo imperativo, como ele costuma fazer, e sim uma espécie de súplica. Desde que conhecera Raul, eu tinha detestado o modo como ele tratava as pessoas e, em especial, a mim, pois imaginava que ele fosse somente outra pessoa amargurada com o amor, cujo principal passatempo fosse infernizar a vida dos seus semelhantes. Porém, hoje eu senti uma coisa diferente: uma espécie de compaixão, cujo motivo eu desconhecia, mas que me nutria de uma forte vontade de perguntar a ele qual o motivo da tristeza que eu percebi em sua voz, que foi o que eu fiz:

- O que aconteceu?
- O que queres dizer com isso? Como assim "o que aconteceu"?
- Ah, eu não sei...olha, o modo como me pedistes para não fazer isso de novo me fez pensar que algo pode ter acontecido! Alguém querido para ti se afogou aqui? Raul...eu não sei porque me odeias, mas eu não sinto o mesmo por ti! Então, quero poder te ajudar!
- E quem disse que eu preciso de ajuda?
- Todo mundo precisa! E, desculpe-me a sinceridade, mas eu não acredito que alguém possa ser tão rude, sem um pouco de tristeza ou mágoa no coração.
- O que isso significa?
- Significa que eu acredito fortemente que o seu comportamento rude é apenas um reflexo da sua tristeza com algo que aconteceu em algum momento da tua vida!
- Mas como podes ter certeza disso?
- Não tenho! Apenas acredito nas minhas impressões sobre as pessoas!
- Ah...então pare de acreditar, porque estás errado!
- Tudo bem, então me desculpe...eu vou voltar para a clareira. E...desculpe por ter parecido mal agradecido! Eu te devo a minha vida!

Dito isso, virei-me para andar de volta à clareira, porém Raul segurou meu pulso e disse:

- Você me lembra muito dele...
- O que?
- Você me lembra muito do meu irmão! É por isso que eu te pedi para não fazer isso de novo e também é por isso que eu odeio o modo como és fraco, assim como ele era!
- Por que você continua insistindo que eu sou fraco? Você mal me conhece...mas enfim, me fala o que aconteceu com ele?
- Você é fraco, porque não acredita em si mesmo e espera que o seu namorado seja aquele que vai te defender o tempo todo! O meu irmão também era assim! Ele era uma pessoa incrível, porém não acreditava em si mesmo para ser um guerreiro porque tinha o seu biótipo, então desistiu disso e se dedicou apenas às artes. Não entenda mal isso, ele era incrível nisso e eu sempre o admirei pelo seu talento, mas todo mundo precisa saber se defender e, o mais importante, todo mundo tem potencial para isso, independente do seu tamanho. Quando essa caçada implementada por aquela corja real começou, o meu irmão foi um dos primeiros de Gorgi a morrer...ele tinha um namorado que jurou protegê-lo para todo o sempre no altar, porém, quando eles foram emboscados, ele foi o primeiro a fugir e deixar o meu irmão para trás, o qual não estava tão bem preparado e apenas correu para cá, onde ele foi atingido e morreu agonizando na água...sozinho!
- Nossa...eu sinto muito Raul! Eu não fazia ideia!
- É claro que não...olha...err...desculpa por te tratar mal, mas eu realmente não consigo desvencilhar a imagem de vocês dois ainda!
- Tudo bem...
- Olha, eu tenho uma proposta: você me deixa te dar o devido treinamento de batalha e eu prometo que vou pegar mais leve contigo...no dia-a-dia, porque no treinamento eu vou pegar pesado! O que achas?
- Bem...é um começo! Mas...porque faria isso por mim?
- Porque eu não pude preparar o meu irmão para esse mundo, que ainda é muito difícil para pessoas como nós! Mas eu posso fazer algo por ti e, assim, talvez eu consiga me redimir com ele!
- Nesse caso, tudo bem!
- Só tem uma condição, você não pode contar os meus motivos para ninguém, nem mesmo para o seu namoradinho, entendeu?
- Mas, por que? O que eu vou dizer a ele sobre a sua mudança, digamos assim, meio brusca de comportamento?
- Você vai encontrar uma maneira, eu tenho certeza! Mas se quebrares o nosso acordo, eu vou pegar tão pesado contigo, que vai preferir ter se afogado!
- Certo, certo! Já estava estranhando a nossa conversa sem uma ameaça da tua parte!

Depois disso, eu e Raul caminhamos em direção à clareira, enquanto conversávamos sobre o treinamento que ele me prometera. Quando chegamos, eu vi Bernardo, que corria em minha direção e, quando me alcançou, disse, em tom de preocupação:

- Onde você estava? Eu...eu fiquei preocupado! Está...está tudo bem entre a gente?

Eu nem pensei duas vezes, apenas enrosquei meus braços ao redor do pescoço dele, o puxei para perto de mim e o beijei, tal como queria fazer no momento em que achei que iria morrer e tudo o que me importava era lhe dizer:

- Eu te amo! Ninguém me interessa além de você e eu mal posso esperar pelo dia em que vou poder te chamar de marido!
- Então...então você me perdoa?
- É claro meu amor! Nada disso tem a menor importância...eu já esqueci!
- Muito obrigado meu amor! Você é incrível!
- Não, você é que é incrível! Porque você me fez ser quem eu sou hoje!

Nesse momento, eu agarrei a mão dele e corri até William, que estava encostado a um tronco de árvore conversando com Tomás. Quando ele me viu, levantou-se e disse:

- Por onde você andou?
- Nós estávamos preocupados!
- Eu peço desculpas...não quero falar sobre isso, mas eu estou bem. Agora, mudando de assunto, eu quero pedir uma coisa a vocês!
- Claro, pode falar!
- Eu quero que vocês sejam os nossos padrinhos de casamento?
- Vocês vão se casar? Que bom! Claro que nós aceitamos, certo Tomás?
- É óbvio que sim! Fico lisonjeado com pedido!
- Mas meu amor, que história é essa? Nós nem conversamos sobre isso ainda!
- Eu sei amor! Desculpe-me, é que eu tive uma ideia! Nós não temos uma pessoa para realizar a cerimônia aqui no acampamento, além disso, eu sei que você prefere que seja na igreja do seu vilarejo, assim como eu. Porém, eu quero que nós possamos entrar nessa batalha que acontecerá em breve, como maridos, ainda que de modo não-oficial. Então eu quis convidar os nossos dois amigos aqui, para serem nossos padrinhos, o que você acha?
- Eu acho que eu te amo cada dia mais! Essa é a ideia mais romântica que eu já ouvi e eu fico muito feliz de concordar com ela!
- Então tudo bem se o William for o meu padrinho, já que ele é meu recém-descoberto irmão, e o Tomás for o seu, já que não tem ninguém da sua família aqui e ele é nosso amigo? Sem problemas?
- Com certeza!
- Ele me pediu desculpas ainda há pouco Felipe e está tudo esclarecido entre nós!
- Isso é muito bom! Porque vocês farão parte da mesma família agora! Então já temos os padrinhos e só precisamos de alguém para realizar a cerimônia, e eu já sei exatamente quem chamar! Esperem aqui!

Eu sabia que esse era um pedido muito audacioso, mas mesmo assim o meu coração dizia que eu deveria fazer isso. Desse modo, eu caminhei em direção a Raul e disse:

- Raul, eu preciso de te pedir uma coisa!
- Estou ouvindo!
- Eu quero celebrar uma cerimônia não oficial de casamento com o Bernardo e...bem, eu queria que fosse você a celebrá-la?
- E por que você acha que eu faria isso?
- Por que você é o líder dessas pessoas e, também, porque eu quero que você celebre uma união que não vai ser tão frágil quanto...quanto a do seu irmão!
- Cuidado com o que fala! O meu irmão tinha uma ótima relação, mas apenas escolheu a pessoa errada.
- Desculpe-me, eu não quis dizer que a relação dele não era boa...eu tenho certeza que ele amava o namorado dele, mas eu tenho certeza que escolhi a pessoa certa?
- Sério? E como tem tanta certeza?
- Por que ele já poderia ter me deixado diversas vezes, mas ele escolheu ficar ao meu lado e entrar em uma batalha, sem nunca nem ter estado em nenhuma antes! Só porque ele me ama!
- Nesse caso, talvez você realmente tenha escolhido a pessoa certa!
- Eu tenho certeza! Mas então, você vai celebrar a cerimônia?
- Sim! Avise a todas as pessoas para se reunirem na clareira e se prepare para casar!

Naquele dia, eu a Bernardo fomos unidos em matrimônio em uma cerimônia que, mesmo sendo não-oficial, foi linda e eu senti que as pessoas que assistiam realmente partilhavam da nossa felicidade. Talvez, nesses dias em que tudo está tão ruim, algo tão simples pode trazer felicidade.
Depois da cerimônia, eu e ele fomos para a beira do rio, nos abraçamos e permanecemos em silêncio, até que eu ouvi um soluço e percebi que ele estava chorando, então perguntei:

- O que aconteceu meu amor?
- Eu estou tão feliz por ter você! E ao mesmo tempo tenho tanto medo de te perder!
- Eu também estou muito feliz meu amor! Hoje é um dia em meio a vários que eu espero passar ao seu lado, então não tem como você me perder! Não adianta, agora você já disse sim, vai ter que viver ao meu lado por toda a vida!

Nós rimos daquilo e logo em seguida ele disse:

- Eu passaria até duas vidas ao seu lado!
- Olha lá hein! Na outra vida eu vou te procurar para cobrar a promessa!
- Eu estarei esperando ansiosamente! Isso se eu não te encontrar primeiro!
- Vamos ver então! Agora, mudando de assunto, como foi a conversa com meu novo irmão?
- Ah, foi muito boa! Ele realmente gosta muito de você e espera o melhor para a sua vida...eu não sei como eu pude acreditar que existia algum outro tipo de sentimento entre vocês!
- Não seja tão duro com você! Até eu achei que existia algo mais!
- Eu não vou fazer isso novamente! Eu não preciso mais ter medo de você não gostar de mim! Eu seria muito idiota para não perceber de uma vez que você é apaixonado por mim!
- Bem, não posso negar isso!
- Não sei o que faria se te perdesse! Ainda bem que você me perdoou dessa vez! E, por falar nisso, onde você foi depois que nós nos separamos?
- Meu amor...se eu te contar isso, você vai ter que me prometer que vai ficar calmo!
- Como assim? Você está me assustando amor! Conta logo!
- Bom, para começar, eu andei pela floresta, depois eu entrei em um riacho, que parecia raso, então...então...não consigo...

Eu comecei a chorar e aninhei minha cabeça no peito de Bernardo, que apenas repousou a mão na minha cabeça e acariciou os meus cabelos. Permanecemos assim, em silêncio, por longos minutos, até que ele perguntou:

- Você não precisa falar, se não conseguir!
- Eu preciso dividir isso com você, mas odeio lembrar da sensação! Bernardo, tinha uma depressão no solo do riacho e eu não sei nadar, então eu quase me afoguei!
- Meu Deus! Meu amor, porque você não me contou isso antes! Ainda bem que você conseguiu sair de lá!
- Bem...eu não consegui. Foi o Raul quem me salvou!
- Raul?!
- Eu sei! Inacreditável né? Mas eu devo a minha vida a ele e é por causa dele que nós estamos aqui...err, tipo casados!

Apesar de tentar amenizar o clima com uma piada, Bernardo continuava sério, então eu disse:

- O que foi meu amor?
- Você quase morreu e eu não estava lá para te ajudar! Como posso ser um bom marido para você?!
- Você é um bom marido quando me ouve e me apoia! Você não pode estar comigo o tempo todo e isso estava fora do seu controle!
- Mas eu deveria te proteger!
- Você não pode fazer isso o tempo todo meu amor! E é por isso que o Raul prometeu me treinar para combate daqui para a frente!
- Prometeu? Por que ele faria isso?
- Meu amor, eu não posso te contar isso! Você vai ter que confiar em mim!
- Tudo bem! Eu confio!

Eu imaginei que ele iria me questionar sobre o assunto e pedir explicações sobre as intenções de Raul, porém, novamente, Bernardo me surpreendeu, ao simplesmente confiar em mim. Então eu disse:

- Obrigado por ser tão...você!
- Como assim, tão eu?
- Ah, você tem um jeito tão próprio que eu nem sei como te definir, então eu te agradeço por simplesmente ser assim!
- Ah, obrigado...eu acho! Mas olha só, eu quero exigir só uma coisa!
- O que?
- O Raul pode te ensinar o combate, mas eu quero ter o privilégio de te ensinar a nadar!
- Ah, é só isso?! É claro que eu aceito, até porque eu vou adorar ver você sem essas roupas, enquanto me ensina a nadar!

Bernardo corou subitamente e eu o beijei apaixonadamente. Apesar de eu saber que nós não poderíamos ter nossa noite de núpcias, porque nosso casamente não estava sacramentado, eu aproveitei o nosso tempo juntos para nos proporcionar momentos ainda mais íntimos, com carícias e beijos intensos.
Vários dias se seguiram ao meu casamento com Bernardo, nos quais nós nos concentramos na preparação para a batalha que, segundo Raul, aconteceria muito em breve, quando nós invadiríamos cada vilarejo ou reino aliado a Conde Rafael. Nesse tempo, a nossa população cresceu, pois Raul e o grupo de busca de suprimentos também passou a desenvolver o papel de busca de aliados.
No quadragésimo segundo dia depois do casamento, eu já me sentia mais preparado para entrar em uma batalha e até mesmo Raul me elogiou em um dos dias de treinamento, embora ele usualmente pegasse bem pesado, como havia prometido, e me xingasse de várias maneiras. Além disso, as aulas de natação com Bernardo se tornaram a parte mais aguardada do meu dia, pois vê-lo sem suas roupas era maravilhoso para mim, assim como a possibilidade de me livrar do medo de entrar em águas mais profundas, que eu tinha desde quando era criança.
Neste mesmo dia, um dos acampados, cujo nome era Hugo e tinha entrado recentemente no meu grupo de preparo das refeições - o qual se tornou mais trabalhoso, dado o contingente de, aproximadamente 80 pessoas que atualmente habitavam naquela floresta -, estava fazendo aniversário e nós estávamos comemorando. Este fato foi estanho para todos nós, pois nenhum aniversário foi comemorado antes, porém eu já desconfiava do porquê, o qual foi confirmado no início da festa, quando Raul anunciou que estava namorando rapaz.
Eu e Bernardo comemoramos com o resto das pessoas por um tempo, porém, depois nos retiramos para a margem do rio, que se tornou o nosso local preferido. Nós ficamos conversando e namorando por algumas horas, até que ouvimos uma forte gritaria e vimos William, Tomás, Raul e Hugo correndo em nossa direção, os quais simplesmente gritaram, sem parar de correr, quando nos alcançaram:

- Corram! Conde Rafael nos achou!

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