sábado, 1 de fevereiro de 2014

Capítulo 4 - Heliópolis: Minha Ascensão e Minha Queda

A viagem de volta pra casa foi tranquila, porém, a despeito da bela paisagem ao nosso redor - afinal, uma coisa era inegável, Heliópolis era um lindo reino, com planícies cobertas por uma vegetação que estava no auge da sua beleza na primavera -, eu ainda sentia um aperto no coração e uma sensação estranha no estômago, por estar voltando para encontrar com o meu pai. Bernardo cavalgava ao meu lado e, provavelmente notando a minha apreensão, indagou:

- Felipe...tudo bem com você? Quer parar um pouco e montar acampamento aqui?
- O que?! Ah...não...eu não quero prolongar esta viagem! Vamos continuar até que anoiteça, então acamparemos em alguma clareira, se não acharmos nenhuma hospedaria pela caminho!

Nós estávamos viajando há dois dias e eu realmente não tinha conseguido relaxar na primeira noite, pois tínhamos acampado em uma clareira na Floresta do Leste - eu não imaginava que aquela floresta era tão densa e extensa, então, além daquele lugar me lembrar do dia em que eu quase morrera ali, também me dava arrepios, pois eu não fazia ideia de onde estávamos e não conseguia enxergar praticamente nada além da clareira. Felizmente, agora nós tínhamos alcançado um campo aberto, no qual a vegetação era bem menos assustadora.
Quando o sol estava se pondo, nós avistamos no horizonte a forma de um pequeno povoado se erguendo e aquilo me tranquilizou, pois eu esperava encontrar um local com camas para passar a noite e poder relaxar.
Considerando-se que o povoado não era muito extenso, nós rapidamente encontramos uma hospedaria, onde nos instalamos. Os quartos eram organizados para duas pessoas, duas camas individuais ou uma grande de casal, então nós nos instalamos em três quartos com camas individuais, de modo que eu e Bernardo ficamos no primeiro quarto, os dois oficiais no segundo e Manoel ficou sozinho no terceiro.
Assim, que ficamos sozinho, eu abracei Bernardo com tamanha intensidade que o devo ter preocupado, pois ele, prontamente, perguntou:

- O que você tem Felipe?!
- Nada, só me abraça, por favor!
- Tudo bem, mas eu não estou entendendo!

Ele segurou meu queixo e viu que os meus olhos estavam úmidos das lágrimas, então disse:

- Você está com medo?

Era incrível como eu era simplesmente transparente para Bernardo, ele sempre sabia o que eu estava sentindo, mesmo quando eu não conseguia dizer qualquer coisa. Talvez ele me conhecesse até mais do que eu, pois eu não sabia a causa do meu choro, até que ele disse aquilo, então percebi que era exatamente isso! Eu estava petrificado de medo, por tantas coisas, que eu nem conseguiria elenca-las, mas principalmente, porque eu tinham um mau pressentimento sobre a nossa chegada no reino e porque eu temia que algo de ruim acontecesse a Bernardo e seu pai, por terem ido comigo até lá.
Porém, eu tentei conter as lágrimas e explicar algo a Bernardo, antes que ele achasse que o namorado era um fraco ou um descontrolado, Então disse:

- Desculpa Bernardo...sim, eu estou com medo e você é o único que me deixa a vontade pra dizer isso...eu não sei o que nos espera em Heliópolis e eu não quero que nada de mau aconteça a você ou ao seu pai!
- Calma Felipe, nada de mau vais nos acontecer!
- Como nós podemos ter certeza Bernardo! Meu pai simplesmente abomina o que eu sou e eu não sei se vou suportar se ele te fizer alguma coisa! Então eu não sei se é uma boa ideia você ir até lá comigo! Talvez você devesse voltar daqui com o seu pai e me deixar encará-lo sozinho!

Bernardo não falou nada e ficou momentaneamente me olhando, então eu achei que ele estava cogitando a ideia. Porém, depois de algum tempo ele somente sorriu e me disse:

- Eu aprecio a sua preocupação Felipe! Na verdade isso me faz ter ainda mais certeza de quão bom é o seu coração! Mas eu e meu pai viemos até aqui sabendo que poderíamos correr algum risco! Além disso, você é da nossa família Felipe, não seja bobo! Nós nunca o deixaríamos sozinho em um momento como esse! Portanto nós vamos até lá com você e ficaremos o tempo todo a seu lado!
- Mas...Bernardo...
- Tem mais uma coisa, o meu pai é a pessoa mais bem articulada, verbalmente, que eu já vi! Se Luminus tivesse um rei, este seria, com certeza o meu pai! As pessoas tendem a levar o que ele fala muito a sério, então ele é a pessoa ideal para conversar com o seu pai! Deixe-nos te ajudar Felipe!

Eu realmente não tinha argumento para o que Bernardo dissera, Manoel era, de fato, muito bom com as palavras e eu pude perceber que todo o vilarejo de Luminus o respeitava e o consultava para quaisquer questões para as quais tivessem duvidas. Então eu tive que concordar com Bernardo e apenas disse:

- Eu peço desculpas! Não é que eu não queira deixa-los ajudar, e só que eu não conseguiria suportar a ideia de que algo de mau os aconteça por minha causa! Eu os amo muito! Na verdade, no fundo, eu os quero muito comigo quando eu chegar lá, pois ambos me dão força...então que assim seja...saímos juntos nessa viagem e seguremos unidos!
- É assim que se fala! Você é uma pessoa sensata Felipe, isso me agrada muito em você! Além disso, eu também aprecio muito que você seja tão claro comigo e não se importe em me mostrar as suas angústias e/ou medos!
- Eu sinto que deveria parecer mais forte, mas eu simplesmente não consigo fingir para você! Eu me sinto tolo por chorar tão descontroladamente, mas, como eu disse, você é meu porto seguro, então eu sinto que posso mostrar o quão frágil eu posso ser! Apesar de não ser nem um pouco atraente!

Rir dessa última frase me fez esquecer um pouco as minhas angústias e eu finalmente me senti leve e despreocupado o suficiente pra lembrar que eu não tinha estado tão próximo de Bernardo havia quase dois dias, mas que eu poderia aproveitar a oportunidade de estar sozinho com ele naquele quarto. Então eu parei de rir, olhei-o diretamente nos olhos, me inclinei em sua direção, o beijei e disse:

- O que você acha de esquecermos isso e aproveitarmos que finalmente estamos sozinhos de novo?
- Achei que você nunca iria perguntar!

Nós nos abraçamos e nos jogamos em uma das camas, porém, quando estávamos a ponto de nos beijarmos novamente, ouvimos batidas na porta e alguém gritando:

- Príncipe!
- Sim...diga...
- Nós viemos buscar o senhor e o seu...er...acompanhante para jantar!
- Ah...claro...saímos em um minuto!

Eu soltei um suspiro de indignação por eles terem interrompido o meu momento romântico com Bernardo, porém, eu realmente estava morrendo de fome. Então beijei Bernado uma última vez e disse:

- Vamos lá! A gente vai ter que continuar isso depois!
- Você tem razão! Mas, você notou jeito que ele disse "acompanhante"?
- Notei! Mas é melhor nós fingirmos que não notamos nada, afinal eu não sei o quanto esses dois sabem e nem o que eles disseram ao meu pai!
- Certo!

Quando saímos do quarto, percebi que Manoel já fora "convocado" para jantar, então os dois homens nos guiaram até um aposento onde encontramos outras pessoas conversando e se servindo de porções de carne e outros complementos. Aquilo fez meu estômago roncar. Então seguimos os homens até uma mesa na qual não havia ninguém e que parecia bem melhor que as outras, porém percebi que algumas pessoas estavam nos olhando com feições de desprezo ou raiva.
A despeito dessa sensação, eu me concentrei na minha refeição, que continha porções generosas de comida. Quando terminei eu me sentia completamente cheio e quando olhei para Bernardo eu percebi que ele também se sentia satisfeito. Até ali tudo estava correndo bem, até que, novamente, eu senti aquele sensação de hostilidade no ar e quando virei para observar o resto das pessoas na sala eu vi um homem se levantando e bradando:

- Por que estas pessoas tem o direito de ficar com a melhor mesa?!

Antes que qualquer pessoa, até mesmo o dono do local, pudesse dizer qualquer coisa, os dois homens que me acompanhavam na viagem se levantaram e um deles respondeu à pergunta:

- Senhor, eu o aconselho a sentar ou teremos que prendê-lo por perturbar a ordem nesse ambiente!
- E quem é vocês pra me fazerem tal ameaça? Vocês sabem quem eu sou?!
- Sim,  nós sabemos Conde Rafael, porém o Rei Otávio VI não vai gostar de saber que o senhor estava perturbando a paz, desafiando oficiais de Heliópolis e brandando contra o seu filho Príncipe Felipe II!

O homem pareceu ponderar o que os oficiais haviam dito, porém, como que lembrando de um fato importante ele deu um sorriso sarcástico e disse:

- Por que eu não deveria bradar contra este rapaz? Afinal, não foi o próprio rei que exilou o....como posso dizer...filho "querido" dele por seu um homossexual!

As pessoas começaram a murmurar sobre o que o tal conde havia dito e o sujeito permaneceu ereto em posição de desafio como anteriormente. Porém, o oficial me lançou um olhar e então permaneceu firme em seu aviso ao Conde Rafael:

- Conde Rafael, temo ter que alertá-lo que se não se sentar e parar de perturbar a paz neste local...
- Tudo bem...tudo bem...eu me sento!

O sujeito, que tinha estatura baixa e estava realmente acima do peso, se sentou em sua cadeira, porém, não pude deixar de notar que ele ainda me fitava e tinha um sorriso sarcástico em sua face. Os oficiais permaneceram de pé, então, para finalizar a conversa, o outro ressaltou:

- Obrigado pela compreensão Conde Rafael, porém temo lhe dizer que o rei tomará conhecimento de suas ações e de suas palavras.

Depois disso, os oficiais sentaram e um deles se dirigiu a mim dizendo:

- Não se preocupe Príncipe! Conde Rafael estava nervoso, porque ele não estava na melhor mesa do lugar e ele odeia não estar em melhor posição que alguém! Mas ele é inofensivo, apenas ignore as suas ofensas!
- Tudo bem! Obrigado pelo que fizeram!
- Estávamos apenas fazendo o nosso trabalho! O senhor não está mais aparentemente exilado, portanto eu suponho que também é nosso dever assegurar a sua integridade, assim como a dos seus pais!
- Certo...Mesmo assim eu agradeço!

Depois da confusão, visto que todos já haviam jantado e estávamos cansados da viagem, nós nos dirigimos para nossos quartos. Quando cheguei ao meu quarto eu deitei em uma das camas e convidei Bernardo a deitar junto comigo, pois, apesar das camas não serem muito largas, eu queria muito dormir junto com ele naquela noite. Antes de dormirmos, eu disse:

- Acho que os oficiais sabem que você é meu namorado!
- Eu também acho! Inclusive eu acho que eles não se importam com isso!
- Eu também tive essa impressão! Apesar deles negarem, dizendo que era só o trabalho deles me defender, eu acho que eles realmente acharam injusto o modo como aquele conde se referiu a mim!
- Espero que sim! Pelo menos nós poderíamos supor que o povo de Heliópolis pode ser liberal com essa questão do homossexualismo!
- É Verdade! Espero que estejamos certos! Aí talvez eu possa dizer que te amo sem ser exilado de novo!
- Se me amar quer dizer que você será exilado, então nós seremos exilados juntos!
- Por mim tudo bem! Desde que você esteja lá! Eu não me importo de não viver em Heliópolis ou não ser o rei! Pra falar a verdade, eu gosto muito mais de Luminus e de ser só o pastor de ovelhas que tem um namorado lindo como você!
- Bondade sua! Você é que é lindo! Agora, vamos dormir, que amanhã ainda temos uma longa jornada!
- Você tem razão! Boa noite!
- Boa noite!

Finalmente eu iria dormir em uma cama desde que saímos de Luminus, e, melhor ainda, iria dormir ao lado do meu amado. No outro dia ainda teríamos uma longa jornada, como Bernardo dissera, mas por enquanto, eu só me importava em ter Bernardo ao meu lado e estava muito feliz com isso.

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