sábado, 3 de maio de 2014

Capítulo 5 - Revolução: A Homorevolta

Os dias que se seguiram à fuga de Heliópolis foram os piores da minha vida, porém a presença de Bernardo e Manoel amenizaram os seus efeitos, afinal, apesar de tudo, eu estava com a minha família.
Tomás e William também se mostraram pessoas muito agradáveis e fiquei surpreso em saber que eles escondiam um romance, há 10 anos, bem diante do meu pai, o que, segundo eles, era muito perigoso e ao mesmo tempo lhes despertava uma sensação que avivava a relação.
Porém, o que mais me surpreendeu em relação à relação daquele casal, foi a revelação de que, há um ano, enquanto eles viajavam coletando impostos, eles se casaram em um pequeno vilarejo no qual, tal como Luminus, a relação homoafetiva era considerada absolutamente normal.
Assim, no nosso quarto dia de viagem, após termos dormido em clareiras - encostados em troncos de árvores ou aninhados nos galhos mais altos -, nós paramos em um vilarejo que, aparentemente, estava despovoado, então adentramos uma casa e nos alojamos. Prontamente, William, que parecia ser o mais centrado e decidido da equipe, disse:

- Não poderemos ficar muito tempo! Precisamos verificar se há suprimentos, tomar um banho, trocar nossas roupas e continuar na estrada!
- Certo! Eu verificarei a dispensa e vocês três podem ir tomar banho e trocar de roupa!
- O que aconteceu a esse lugar William?
- Bem, digamos que Conde Rafael esteve aqui!
- Não me diga que este é o vilarejo de que vocês tinham falado?
- Sim...Infelizmente, este é o local onde nós nos casamos...Ele foi invadido, há dois meses, por Conde Rafael!
- Mas eu pensei que ele não tivesse domínio sobre Heliópolis!
- E não tem...ou não tinha...Mas nós não estamos mais em Heliópolis Felipe! Estamos no vilarejo de Gorgi, que fica no Reino de Naquim. Nós passamos a fronteira oeste de Heliópolis há uma hora!
- Nossa! Eu nunca estive em Naquim William!
- E nem deveria! Este não é um reino amigo de Heliópolis! Por isso mesmo é um dos poucos lugares para onde Conde Rafael acha que viríamos, porém é melhor não confiarmos muito nisso, então vamos nos apressar!
- Acho que vocês terão que ir sem mim rapazes...eu não aguento mais prosseguir com vocês!
- Seu Manoel! O senhor está passando mal?
- Não meu filho, eu apenas estou cansado demais para continuar a jornada! Eu já não sou mais tão vigoroso quanto antes!
- Pai...eu lamento dizer isso, mas eu acho que o senhor precisa voltar para Luminus sem mim!
- Você não virá comigo?
- Eu...eu não posso deixar o Felipe...quero dizer, não agora! Ele precisa de mim ao lado dele e você não pode seguir conosco ou acabará definhando! Então, volte para casa e eu prometo que, em breve, eu voltarei!
- Bernardo, não precisa...eu acho que você deveria voltar com o seu pai...

Inesperadamente, Bernardo me puxou para si e me abraçou forte. Então, disse:

- Eu não poderia ficar em casa sem notícias suas! Eu não conseguiria viver assim! Então eu serei de mais serventia ao seu lado!
- Mas Bernardo...
- Não Felipe, ele tem razão! Eu sei como é amar alguém e eu não tenho a mínima dúvida que, desde o primeiro dia em que vocês se viram, foi amor o que aconteceu entre vocês! Eu posso ver isso claramente e eu entendo a opção do meu filho!
- Muito obrigado por entender pai!
- De nada meu filho! Mas eu, com certeza, também ficarei aflito em casa sem notícias suas, então, por favor, não demore a retornar!
- Eu prometo!

Assim, decidimos que Manoel nos deixaria e seguiria em direção a Luminus por uma rota que William e Tomás conheciam muito bem, devido aos anos em que caminharam para recolher impostos. Porém, antes disso, todos nós tomamos banho, trocamos nossas roupas, que já estavam esfarrapadas e sujas, bem como coletamos os pouquíssimos suprimentos que restaram na casa. Posteriormente, já estávamos prontos para a partida, então me despedi de Manoel dizendo:

- Muito obrigado pela sua companhia Manoel, você tem sido um pai para mim e eu espero poder te ver muito em breve!
- Você, como eu sempre digo, já é parte da minha família Felipe e eu também espero que possas retornar em breve para a minha casa! Quanto a você Bernardo, cuide de si e do Felipe, por favor! E retorne o quanto antes para casa meu filho, o meu coração só irá sossegar depois de poder te ver na minha frente!
- Pode deixar pai, eu cuidarei de nós dois e não se preocupe, porque nos veremos em breve!

Desse modo, eu e Bernardo abraçamos e nos despedimos de Manoel, que montou em seu cavalo e, antes de partir, disse:

- William e Tomás, cuidem dos meus filhos! Por favor!
- Pode deixar Manoel!
- Nós cuidaremos!

Depois disso, Manoel se virou e partiu em direção ao horizonte com o seu cavalo. Enquanto observávamos ele se afastar até se perder de vista, não percebemos duas figuras que se aproximaram de nós e nos golpearam. A última coisa que vi foi um rosto com uma expressão agressiva e, quando acordei, encontrava-me com as mãos amarradas, em uma sala na qual também estavam Bernardo, William e Tomás, os quais estavam inconscientes.
Enquanto uma forte dor martelava em minha cabeça, eu vi uma figura, a mesma que me nocauteou, adentrar a sala, dizendo:

- Quem enviou vocês aqui? Quantos vocês apanharam e onde os esconderam?
- O que? Eu não estou entendendo!

Antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa, um golpe me atingiu no rosto, o qual fico, insuportavelmente, latejando e, enquanto um zumbido ressoava em meu ouvido, a figura perguntou novamente:

- Responda à pergunta: Quem enviou vocês aqui? Quantos vocês apanharam?
- Eu não sei do que você está falando! Nós não pegamos ninguém!
- Não minta pra mim!

Enquanto o homem bradava isso e cerrava os punhos para desferir outro golpe, eu fechei os olhos, porém, antes de ser atingido, eu ouvi a voz de William gritando:

- NÃO! NÃO! Nós não estamos aqui para ferir ninguém! Nós somos como vocês!
- O que quer dizer com "nós somos como vocês"?
- Quero dizer que nós também estamos sendo caçados!
- Como vou saber que não é mentira? Eu nunca vi vocês por aqui!
- Bem, isso é por que não somos daqui e sim...e sim...
- E SIM DE ONDE? RESPONDA!
- E sim de Heliópolis! Mas nós estamos fugindo de lá pelo mesmo motivo que vocês estão sendo caçados aqui! Conde Rafael quer se apossar de Heliópolis!
- NÃO DIGA ESSE NOME AQUI! Então vocês também são homossexuais? provem!
- Provar? Mas como vamos provar?
- Eu não sei, apenas provem!
- Escute, nós até casamos aqui! Você deve se lembrar de nós!
- Nós celebramos muitos casamentos aqui em Gorgi! Não posso lembrar de cada pessoa que passou por aqui!
- Espera, eu estou te reconhecendo! Você é o homem que foi deixado no altar pelo namorado! Ele disse não no último momento e você correu atrás dele para fora da igreja!
- COMO VOCÊ SABE DISSO?
- Porque nós nos casamos naquele dia! É verdade Tomás, é ele mesmo! Agora eu me lembro.
- Bem, eu acho que vocês estão dizendo a verdade! Eu ameacei todos que comentassem sobre isso e se vocês sabem desse fato, então é porque estavam lá e não são daqui para terem a ousadia de falar sobre isso na minha cara!
- Então vai nos libertar?
- Sim, mas se vocês comentarem sobre isso outra vez eu garanto que não vão viver para espalhar a história!

O homem, que informou se chamar Raul, nos libertou e nos conduziu até um outro cômodo onde encontramos o seu comparsa, que prontamente disse:

- Por que você os libertou Raul?
- Eles são como nós! Não acho que seja a hora de eliminar as pessoas do nosso próprio "tipo", não é verdade? Principalmente se realmente vamos fazer aquilo!
- Fazer "aquilo" o que Raul?
- Bem, acho que talvez vocês possam ajudar! Nós queremos encontrar e matar o Conde Rafael! Nós temos um grupo de, aproximadamente, 30 pessoas comprometidas com essa causa, as quais foram as únicas que sobreviveram ao massacre que ocorreu em Gorgi há dois meses! Então...vocês querem ajudar?
- Como nós poderíamos os ajudar!
- Bem, eu não sei, digam vocês! Mas eu sei que estes dois aqui e você têm corpos que parecem terem sido moldados para o combate! O que vocês faziam antes de fugirem?
- Eu era pastor de ovelhas!
- E quanto a vocês?
- Nós dois também!
- E quanto a você rapaz? O que fazia? Não parece muito proveitoso para o combate, mas talvez possa ser de alguma serventia na área estratégica!
- Ele trabalhava comigo! Ajudava a contabilizar os ganhos!
- Ah, interessante! Bem, vamos ver onde colocar você depois! Agora, vocês querem ajudar ou não?
- Sim, com certeza! Conte conosco!
- Nesse caso, nos acompanhem até o nosso acampamento...nós já ficamos tempo demais aqui!

Nós pegamos nossos cavalos e os seguimos até uma floresta muito densa, então penetramos fundo na vegetação, até que encontramos uma clareira na qual podiam ser vistas diversas pessoas amontoadas ao redor de uma fogueira, Estas, quando nos viram, apontaram várias armas em nossa direção, porém, ao verem Raul e se companheiro, as baixaram.
Raul nos apresentou ao resto das pessoas, que foram pouco receptivas e aparentavam estarem bastante abatidas e apáticas, o que ele explicou ser decorrente do racionamento de comida e do luto pela morte de entes queridos.
Depois de nos mostrar um local em que poderíamos ficar, Raul se retirou. Depois disso, eu rapidamente me dirigi a Bernardo:

- O que nós estamos fazendo? Por que acompanhamos esse homem?
- Nós não tínhamos escolha Felipe! Aquilo de "vocês querem ajudar?" não era uma pergunta e sim uma intimação, pois se nos recusássemos, ele iria acabar conosco ali mesmo, afinal o que ele teria a perder?
- Mas então o que faremos? Nós não podemos ajudá-lo! Não podemos nos envolver em um conflito direto com Conde Rafael!
- Felipe, com todo respeito, a vida é mais complexa fora dos muros do castelo ou dos limites de Luminus! Aqui a pessoas estão sendo cassadas e mortas por pura diversão e somente porque elas escolheram dizer ao mundo que gostam de pessoas do mesmo sexo! Eu, particularmente, quero me envolver nessa luta e, apesar de não ter gostado de Raul em si, eu gostei da proposta dele! Era isso que eu estava esperando a minha vida toda: uma chance fazer a diferença e parar de me esconder porque eu amo o Tomás! Sinceramente, eu entendo se vocês quiserem ir embora e até os ajudarei nisso, mas, me digam, vocês não querem fazer a diferença?
- Eu concordo com ele Felipe! Luminus foi a melhor coisa que aconteceu para alguém como você depois que foi expulso de Heliópolis, então você não pôde perceber o quão difícil é a vida fora do castelo! Nem eu mesmo sei, afinal eu nunca saí de Luminus e sou aceito na minha família e na minha comunidade. Mas será que não é nosso destino estar aqui para lutarmos pelo nosso direito de amar quem nós quisermos? Pensa bem, havia tantos lugares para nós irmos em nossa fuga e acabamos encontrando um grupo tão grande de pessoas que querem lutar por isso!
- Bernardo, eu entendo que queiras lutar, mas o que eu poderia fazer? Você ouviu o que ele disse, eu não tenho um porte de um guerreiro!
- Felipe, eu preciso comentar que as mais bem-sucedidas guerras não foram ganhas por corpos treinados para combate e sim por mentes treinadas para pensar além do óbvio! Além disso, eu sei que você teve muitas aulas de luta e combate desde de pequeno!
- Bem, sim, mas eu nunca pus isso em prática, afinal eu nunca me interessei muito por esse tipo de assunto!
- Não tem importância, nós podemos treinar juntos! Eu acho que William e Tomás não vão se importar de nos dar aulas, certo? Por que eu, apesar do porte, não entendo nada de combate!
- Seria uma honra!
- Mas então vocês aceitam ficar aqui e lutar conosco?
- Claro que sim...eu não tenho como recusar isso, afinal, se não fosse por vocês eu nem estaria aqui, então eu preciso fazer o esforço valer a pena! Mas a gente precisa necessariamente matar o Conde Rafael? Eu não compartilho muito desse espírito sanguinário!
- Felipe, eu entendo isso, mas você não pode impedir essa gente de querer matá-lo, afinal eles viveram coisas que você nem imagina vendo os filhos deles serem presos e depois caçados pela nobreza. Então, lute conosco e apenas se mantenha longe de Conde Rafael, porque eu tenho certeza que se você não quiser matá-lo, há muitos aqui que irão!
- Tudo bem!
- Outra coisa...como eu disse, Naquim não é um reino onde Heliópolis é bem-vinda, então jamais mencione que você é da realeza de lá e tampouco que é o príncipe! Para todos os efeitos nós somos meros camponeses de Luminus!
- Certo!
- Certo!
- Bom, agora temos que descansar, porque amanhã vamos começar o treinamento! Então, boa noite a todos!

Tomás conduziu William até um tronco de uma árvore, onde os dois se aconchegaram e dormiram abraçados. Quanto a mim, eu me encostei em uma árvore e rapidamente adormeci, enquanto Bernardo tinha ido conversar com outras pessoas para se ambientar. Eu acordei durante a noite com ele se aconchegando ao meu lado e, por algum tempo, não consegui voltar a dormir. Durante esse período eu refleti sobre a sucessão de acontecimentos que se passaram no período de uma semana em minha vida e, principalmente, sobre a nova tarefa que me tinha sido imposta: participar de uma revolução para defender o direito de amar Bernardo, a qual terminaria com a morte de Conde Rafael, que, embora fosse alguém por quem eu não nutria nenhum tipo de afeto, eu não necessariamente queria ver morto. No fim das contas eu me sentia lisonjeado por poder participar deste fato, pois se nós fossemos bem-sucedidos, eu poderia viver tranquilamente ao lado de Bernardo e até poderia voltar a ver meu pai. Assim, quando o sono veio, eu me entreguei e voltei a dormir.

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